TIMOTHY WAN, PADRE DIOCESANO EM HONG KONG

TIMOTHY WAN, PADRE DIOCESANO EM HONG KONG

Resposta ao chamamento de Deus para o Sacerdócio, após convite do Bom Jesus

Devido à pandemia de Covid-19, a Procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos esteve suspensa nos últimos anos, tendo regressado às ruas de Macau no passado dia 26 de Fevereiro. Esta manifestação religiosa, também ela Património Cultural Imaterial, sempre atraiu numerosos peregrinos e visitantes a Macau, especialmente fiéis da vizinha diocese de Hong Kong. O padre Timothy Wan Kwok Kwong é um deles. O encontro inesperado com o Bom Jesus fez com que começasse a pensar na sua vocação para o Sacerdócio.

O CLARIM– Reparámos que tem uma profunda ligação e devoção a Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, pode compartilhar connosco esse sentimento íntimo?

PADRE TIMOTHY WAN –A igreja do Rosário, em Tsim Sha Tsui, costumava ser a minha paróquia e, como sabem, é uma paróquia muito “internacional”, por assim dizer, com muitos portugueses e macaenses. Uma macaense, que vive em Hong Kong, convidou-me para a Procissão. Partilhou comigo a sua experiência, dizendo que o Bom Jesus a converteu, e que desde então deixou de entrar nos casinos, participando na Procissão todos os anos. Nessa altura, participei na Procissão com uma atitude muito simples, nem sequer a encarando como uma peregrinação, nem como um retiro; para mim era um simples passeio – apenas um passeio de dois dias, que incluía uma procissão e devoção solenes.

CL– Supostamente, a Procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos era para si uma novidade. Qual foi a primeira sensação de que teve ao participar nesta enorme procissão?

P.T.W. –Não me lembro de me ter sentido particularmente tocado ou empoderado. Sim, estava perante uma devoção muito sagrada. Mas continuei normalmente. Rezei a Via-Sacra ao ar livre, com o coração neutro. Estive com alguns macaenses, que para além da sua fé contavam muitas histórias e anedotas. Diziam: “deves seguir de perto a imagem, de preferência mesmo ao lado de Jesus e, sobretudo, na direcção que Jesus está a tomar…”. Por isso também participei com uma sensação menor de novidade. Estava a multidão a chegar à Rua de Pedro Nolasco da Silva quando – de repente – oiço alguém chamar o meu nome, o meu apelido “ah-Tim”. Naturalmente que me virei e olhei para trás. Mas não vi ninguém conhecido que me pudesse estar a chamar pelo apelido. Tudo o que vi foi apenas a imagem de Nosso Senhor. Imediatamente virei-me para a frente e continuei a caminhar, como se nada tivesse acontecido. No entanto, fiquei a pensar: “OH NÃO, Ele estava-me a chamar. Não deve ser nada ‘bom’”. Porque senti, de coração, que certamente Ele me havia chamado para um sacrifício. A Procissão continuou, até que ao caminharmos para a Estação [da Via-Sacra] junto do Centro Católico, ouvi-O chamar o meu nome. Desta vez não me chamou de fora, externamente; mas chamou-me de dentro, do interior do meu coração. Foi então que pensei muito seriamente se deveria olhar para trás, pois tinha a certeza de que não havia ninguém que eu pudesse conhecer. No final, acabei por me virar, e era mesmo Jesus. Carregava a cruz e os seus olhos estavam fixados em nós. Depois, ouvi novamente uma voz vinda do meu coração. Disse: “vós tendes que me oferecer”. E eu respondi: “Sempre me ofereci a Vós”. Ao que a voz respondeu: “vós sabeis a que tipo de oferta me estou a referir”. Imediatamente voltei-me para a frente e continuei a caminhar, fingindo que nada havia acontecido. Depois da Procissão, fui com os amigos macaenses jantar a um belo restaurante português, e não contei a ninguém esta experiência.

CL– Estamos então perante só o começo de mais algo…

P.T.W. –Depois, já de regresso a Hong Kong, comecei a visitar o Santíssimo Sacramento num centro de adoração. Um dia uma senhora veio ter comigo e entregou-me dois conjuntos de fichas de candidatura, um em Chinês e outro em Inglês, do Mosteiro Carmelita para homens em Taiwan. A senhora explicou que ouviu Jesus a chamar-me enquanto adorava o Santíssimo Sacramento. Daí que tenha insistido para que eu preenchesse os formulários. Claro que não dei ouvidos e fui para casa. No entanto, esbarrei com a senhora em duas ocasiões, tendo ela sempre insistindo para que me inscrevesse. No final, fiquei aborrecido por estar sempre a insistir e menti-lhe. Disse-lhe que havia entregado o formulário, mas que não tinha chegado resposta da congregação. Alguns meses depois, lembrei-me que estava para breve a Festa da Assunção de Nossa Senhora. Fui à Missa na igreja do Rosário e reencontrei a senhora. Como sempre, ela estava muito nervosa e voltou a insistir afirmando que não deveria parar de tentar; na ocasião sentia-me já bastante tocado.

CL– Por que particularmente tocado?

P.T.W. –Porque antes de a conhecer, frequentava um grupo de oração. Nesse grupo havia algumas jovens que também ponderavam a sua vocação. Eu não tinha qualquer ideia sobre o conceito de vocação. Partilhei então a minha experiência com o Bom Jesus, e todos afirmaram que Jesus estava definitivamente a chamar-me. E apresentaram-me a Irmã Louise Lam, membro da Comissão Diocesana para as Vocações de Hong Kong. Como era a Festa da Assunção de Nossa Senhora, ponderei durante uma semana antes de entrar em contacto com a Irmã Lam. Lembrei-me de pintar o cabelo com cores diferentes e coloquei brincos antes de a visitar, apenas para conseguir a sua desaprovação; esperava que assim a Irmã discordasse do facto de Jesus me estar a chamar. Acontece que mesmo assim a Irmã pediu-me para ficar no grupo de oração, e fiquei dois anos no total. Nesses dois anos integrei o grupo de oração da Comissão Diocesana para as Vocações, bem como outro grupo sob a alçada do Seminário do Espírito Santo. Após este período de oração e discernimento, fiquei a saber muito claramente que havia sido chamado por Deus, e finalmente entrei no Seminário. A verdade é que durante aqueles dois anos sempre soube que Ele me estava a chamar, mas estava relutante e sem vontade de aceitar. Até ansiava que a reposta fosse de que Deus havia chamado a pessoa errada. De relutante à total devoção; de relutante a uma entregue de vida total, foi tudo um plano de Deus para que conhecesse a doutora Anna Chan e que por meio da sua orientação e dos seus ensinamentos fosse capaz de mudar a minha atitude.

CL– Havia acabado de ser batizado naquela época, não é?

P.T.W. –Eu fui baptizado pela “Igreja Protestante” em criança. Depois converti-me ao Catolicismo já em idade adulta. Acho que essa experiência [Baptismo Católico] aconteceu cerca de dois anos após a minha conversão.

CL– Depois passou a vir a Macau todos os anos já na qualidade de seminarista…

P.T.W. –Sempre que possível, tentava o meu melhor para participar todos os anos na Procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos. Depois de ouvirem o meu testemunho, todos os meus irmãos [seminaristas] quiseram também vir a Macau; mas eles não sentiam a mesma vontade do que eu. Eles não tinham a “febre” de participar todos os anos. Essa é uma espécie de ligação entre mim e o Bom Jesus.

CL– Tanto quanto sabemos, após a sua ordenação sacerdotal, convidou muitos católicos a virem a Macau para este evento anual. Este ano também acompanhou alguns jovens. Partilhou com eles as lendas e histórias que foi ouvindo, bem como a sua própria experiência?

P.T.W. –Não, não em particular. Os chamados milagres e lendas só surgem por acidente. Quando perseguimos milagres, tal transforma-se em superstição. Porém, aos que têm uma fé forte, ser-lhe-ão concedidos milagres. Quem busca milagres tende a ser supersticioso, porque é obcecado, pois anseia por milagres apenas para satisfazer as suas próprias necessidades e desejos. A verdadeira fé também consiste em colocarmos de lado as nossas necessidades e buscarmos a Vontade de Deus. Por isso, gostaria de sugerir aos jovens, assim como a todos os católicos, que acompanhem Jesus neste caminho da Paixão, abrindo os seus corações. Rezem e conversem com Jesus de coração aberto, porque a Procissão do Bom Jesus é uma oração e mortificação muito solene e sagrada. Se abrirmos os nossos corações e atendermos com devoção a esta atmosfera especial, facilmente entraremos em contacto com Deus. O que acontecerá depois irá depender dessa conexão e diálogo. O que realmente devemos procurar é um relacionamento profundo e uma conexão com Deus.

Jasmin Yiu

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