«Querem que a Tailândia seja um Estado-fantoche».
Sair para as ruas em protesto e causar o “Bloqueio de Banguecoque” foi a última medida para derrubar o regime de Thaksin Shinawatra e salvar a Tailândia da desintegração total, assume Suthep Thangsuban, para quem o golpe de Estado liderado pelo general Prayuth Chan-ocha foi a melhor resposta à necessidade do momento. Em entrevista exclusiva a’O CLARIM, o antigo vice-Primeiro-Ministro para os Assuntos da Segurança afirma que as potências ocidentais estão obcecadas com as eleições gerais e querem que a nação asiática seja um Estado-fantoche.
O CLARIM – Entre finais de Outubro de 2013 e Maio de 2014 esteve à frente do Comité Popular de Reforma Democrática, liderando as manifestações e o bloqueio de acessos a Banguecoque que causaram a queda da Primeira-Ministra Yingluck Shinawatra. Considera-se um herói nacional?
SUTHEP THANGSUBAN – Em primeiro lugar, deixe-me explicar que os nossos manifestantes não foram contra a realização de eleições gerais, mas sim contra aqueles funcionários governativos corruptos que abusaram do poder durante o regime Thaksin. Em segundo, queríamos ver a Tailândia completamente democrata, tendo o Rei como cabeça de Estado. Em terceiro, queríamos reformas na Tailândia, especialmente que envolvessem o sistema político. Em quarto, nenhum de nós teve qualquer tratamento especial depois das manifestações, pois voltámos para casa como sempre. Claramente, não foi por interesse próprio. Em quinto, declarei-me livre de futuras eleições. Não vou regressar à política, independentemente de como ficar redigida a nova Constituição. Por isso, não, nunca me considerei um herói.
CL – Thaksin Shinawatra é agora um fugitivo à justiça tailandesa. Prevê o seu regresso ao País e, até mesmo, à cena política?
S.T. – Não. Não vamos mais tolerar que o regime Thaksin assuma o Poder. Ele já causou muitos danos à Tailândia.
CL – Em Outubro de 2015 Yingluck Shinawatra foi convidada pelo Parlamento Europeu para ir à Europa trocar pontos de vista sobre a situação política na Tailândia. Considera que terá sido tudo planeado para ajudá-la a escapar do País?
S.T. – Eu próprio, e o povo tailandês, tivemos suspeitas sobre esse convite do Parlamento Europeu porque no passado o seu irmão Thaksin usou o mesmo tipo de desculpa, ao dizer que tinha recebido um convite do Governo chinês para comparecer nos Jogos Olímpicos, submetendo o convite ao tribunal para poder sair da Tailândia. A verdade é que acabou por fugir e nunca mais voltar. Por isso, é mais do que provável que Yingluck tenha tentado fazer o mesmo, ao procurar desculpas que também lhe permitissem fugir do País.
CL – Mas a Junta Militar autorizou-a a viajar para a França, Japão e China. O que mudou entretanto?
S.T. – Isso foi antes de ser acusada. Está agora a ser julgada [por causa do regime de subvenção do arroz].
CL – De que forma vê a posição dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais após o golpe de Estado?
S.T. – Deixe-me clarificar primeiro! A nossa actuação não foi para que existisse a Junta, nem para que ela assumisse o Poder. A única coisa que queríamos era erradicar o regime Thaksin, possibilitando que o povo assumisse o Poder de forma legítima. No entanto, embora o golpe militar não fosse o nosso objectivo, posso dizer que os meios justificaram os fins. O nosso dever é o de apoiar a elaboração da nova Constituição e das normas que conduzam a eleições gerais livres e justas. Foi por isso que quisemos as reformas antes das eleições, parecendo-me que tal esteja a ser alcançado pelo Governo militar sob a liderança do general Prayuth. Todavia, as potências ocidentais não percebem esta situação, pois estão muito obcecadas com as eleições, além de nos acusarem de sermos anti-eleições e anti-democracia. Não estamos contra as eleições gerais, mas o que queremos são eleições livres e justas que representem verdadeiramente a voz do povo.
CL – A Tailândia tem vindo a fortalecer os laços com a República Popular da China desde o golpe de Estado. É uma boa combinação?
S.T. – Quanto às relações internacionais, especialmente com as super-potências, desde o período de Ayutthaya que a Tailândia (então sob o nome de Reino do Sião) tem tentado um equilíbrio. Durante a colonização ocidental do Sudeste Asiático o monarca Rama V manteve o equilíbrio e tentou manter boas relações com as super-potências para que o nosso país se mantivesse um Estado independente. Queremos ser livres. Queremos actuar como um Estado independente, mas parece que as super-potências ocidentais querem que a Tailândia seja um Estado-fantoche. Pode-se sentir o crescente descontentamento do povo tailandês em relação aos dois últimos embaixadores norte-americanos [acreditados em Banguecoque] por alguns dos seus comentários agressivos em relação à Tailândia. Sentimo-nos violados.
CL – Hong Kong teve a “Revolução dos Guarda-chuvas”, com manifestações e bloqueios da cidade semelhantes com os que anteriormente liderou em Banguecoque. Será que se inspiraram em si?
S.T. – Infelizmente não tive a oportunidade de estudar de perto o movimento em Hong Kong, mas acredito que qualquer movimento tem a sua própria singularidade.
CL – Alguns líderes dos Camisas Vermelhas já se mostraram favoráveis ao ressurgimento do Reino de Lanna no norte da Tailândia, sob a política “um país, dois sistemas”, tal como existe em Macau e em Hong Kong. É possível?
S.T. – Julgo que não é a mesma coisa. No caso da China a política “um país, dois sistemas” tem a sua própria história. Macau e Hong Kong faziam parte da China sob governação portuguesa e britânica, respectivamente. Após as transferências de poderes os dois territórios tornaram-se parte integrante da China, que geriu tudo isto muito bem. Já sobre Thaksin e os líderes dos Camisas Vermelhas, ao serem a favor do Reino de Lanna, têm uma intenção diferente porque estão a tentar separar a região [norte] da Tailândia para que seja governada como um Estado diferente. Isto porque Thaksin compreendeu que não podia alcançar o controlo total de certas regiões da Tailândia. Queria separar a região [norte] para de alguma forma ter o absoluto controlo da sua nação.
CL – Será que o general Prayuth irá concorrer a Primeiro-Ministro nas eleições gerais marcadas para o próximo ano, desta vez com o voto popular? Será a pessoa ideal para o cargo?
S.T. – Não sou adivinho, mas penso que o general Prayuth não estará sedento ou queira permanecer muito tempo no Poder. Acredito que Prayuth decidiu tomar as rédeas do Poder para proteger este país de futuros prejuízos. Está bastante determinado em completar a sua tarefa, e quando terminar, terminou! Quando este país tiver tudo em ordem, acredito que Prayuth deixará correr a prática normal [entregando o Poder à sociedade civil].
CL – Foi juntamente com o antigo Primeiro-Ministro, Abhisit Vejjajiva, inocentado pela justiça tailandesa das acusações de homicídio e abuso de poder durante a repressão sangrenta de 2010, em oposição aos protestos dos Camisa Vermelhas. Era algo que estava à esperava?
S.T. – Nesta situação é preciso perceber que a actuação dos governantes teve como objectivo estabelecer a paz e a ordem. O Primeiro-Ministro Abhisit chegou ao Poder através de eleições assentes no sistema parlamentar, mas houve foras-da-lei que utilizaram armas de guerra, causando a destruição na Tailândia e na cidade de Banguecoque. Por isso, durante esse tempo o dever dos funcionários governamentais foi o de estabelecer a paz e a ordem. Se acontecesse em qualquer país do mundo as baixas de ambos os lados seriam inevitáveis. Quando Yingluck, irmã de Thaksin, chegou ao Poder, acusou o senhor Abhisit e a mim próprio. Aceitámos as acusações e submetemo-nos ao normal processo judicial. No dia 17 do corrente mês fomos a tribunal e ficámos a saber que estamos livres de todas as acusações que pendiam sobre nós.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
em Banguecoque, Tailândia