PETER McCLEAVE

PETER McCLEAVE, DIRECTOR EXECUTIVO DA DKMS UK, PROCURA UM DADOR COMPATÍVEL

«A comunidade macaense é a minha melhor hipótese»

Terrível e inesperado, um diagnóstico médico mudou a vida a Peter McCleave. Em 2017, aos 39 anos de idade, foi diagnosticado com mieloma, uma forma incurável de cancro do sangue. Neto de uma macaense, o britânico esteve pela primeira vez no Encontro das Comunidades Macaenses e deu a conhecer a sua história no jantar de encerramento da iniciativa. A Macau veio com o objectivo de explorar «a mais provável hipótese de encontrar um dador compatível», mas também de dar a conhecer a batalha que assumiu há sete anos: a de convencer as pessoas a registaram-se como dadores de células estaminais. Peter McCleave em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM – Esteve em Macau para participar no Encontro das Comunidades Macaenses, mas veio com uma missão muito específica. De que forma é que Macau o pode ajudar?

PETER McCLEAVE – A história da minha vinda a Macau começou a desenhar-se há sete anos, quando fui diagnosticado com cancro do sangue. Na altura, foi-me dado um prognóstico de sete anos de vida. Hoje não estaria aqui e não teria marcado presença neste evento, se esse prognóstico se tivesse cumprido. Felizmente, os avanços da Medicina permitiram-me continuar a gerir a minha condição, um mieloma, ao ponto de conseguir viver uma vida praticamente normal. Mas o prognóstico chegou com uma advertência: a de ter de encontrar o meu “gémeo genético”, que me possa doar as suas células estaminais. Para que as células sejam aceites, é necessário que haja uma ligação ao dador e essa ligação é uma conexão de nível genético, está ligada ao património genético de cada um. A minha avó, Lucy da Costa, nasceu em Macau. Era uma cidadã portuguesa, mas macaense. Quando fiz um teste de DNA com o objectivo de encontrar alguém compatível, descobri que uma parte da minha composição genética está ligada ao Sudeste Asiático, a este elemento macaense. A melhor e mais provável hipótese de encontrar um dador compatível e células estaminais que me possam salvar a vida é no seio da comunidade macaense. A comunidade macaense é a minha melhor hipótese.

CL – Todos podem ser dadores de células estaminais, ou há restrições a ter em conta?

P.M. – Há restrições relacionadas com a idade. Falando de uma perspectiva geral, países diferentes têm regras diferentes, mas alguém com idade compreendida entre os dezassete e os 55 anos deve poder registar-se sem complicações de maior, desde que esteja de boa saúde. Mas aquilo que quero, na verdade, é garantir que as pessoas possam ter uma opinião avisada sobre esta matéria. Prefiro que alguém me diga que não, sabendo do que se trata, do que me digam que não porque não compreendem o que está em causa e podem estar a ser influenciados por informações incorrectas. O processo de inscrição como dador é bastante simples. No Reino Unido e nos Estados Unidos, uma simples amostra de saliva basta, recolhida com recurso a um esfregaço bucal. Em Macau, é através de recolha de sangue, mas tive a oportunidade de falar com o Centro de Transfusão de Sangue e os responsáveis pelo Centro mostraram abertura para investigar uma eventual mudança nas práticas de recolha. A recolha de saliva seria mais fácil para as pessoas. Actualmente, o número de dadores registados não chega a um por cento da população mundial. Em Macau, apenas mil e 500 pessoas estão registadas e os macaenses estão sub-representados. Em termos estatísticos, por cada duas mil pessoas que se tornem dadores, obtemos uma única pessoa com células estaminais compatíveis com alguém que sofre de leucemia ou de outro cancro do sangue.

CL – Valeu a pena vir a Macau? Os macaenses dos quatro quadrantes do mundo com quem privou ao longo de mais de uma semana mostraram-se disponíveis para o ajudar?

P.M. – Eles dizem que sim. Devo dizer – não só por aquilo que vivi no âmbito do encontro, mas também pela forma como fui recebido – que saio de Macau com boas perspectivas. Tive a sorte de ser recebido por várias entidades governamentais, associações e organizações de solidariedade social; todas elas me receberam de forma calorosa e mostraram-se abertas ao diálogo. Se avançarem como me disseram que fariam, fantástico! Se falarem sobre o mieloma e ajudarem a espalhar a mensagem, fabuloso! O que espero fazer no próximo ano é regressar a Macau e tentar fazer com que este diálogo atinja um outro patamar. Mas a mensagem que recebi da parte das pessoas com quem privei é uma mensagem de apoio, de confiança e de envolvimento. Mostraram-se disponíveis para ajudar e querem fazer algo.

CL – O mieloma é uma doença incurável, mas os avanços da Medicina ofereceram-lhe a possibilidade de ter uma vida, em grande medida, normal até ao momento…

P.M. – Felizmente, há tratamentos. Quando me disseram que tinha sete anos de vida, em Março de 2017, o prognóstico era definitivo. O único tratamento que existia na altura permitir-me-ia viver sete anos. Mas, ao longo desses sete anos, novos tratamentos surgiram, o que permite que eu ainda aqui esteja. É algo fantástico que se fica a dever ao progresso da Medicina. Através da organização não-governamental que encabeço, a DKMS UK, estou a tentar angariar dinheiro para financiar a investigação científica na área da Saúde, para que novos tratamentos possam ver a luz do dia. Na verdade, aquilo que procuro fazer é dar anos de vida a quem sofre de uma destas doenças. É comprar tempo até que possam encontrar um dador compatível, até que possam encontrar uma cura. A única coisa que consigo fazer é influenciar a forma como a investigação médica é financiada. Chamar a atenção das pessoas e procurar fazer com que se tornem dadoras, que se tornem, elas próprias, porta-vozes desta causa. Há tratamentos que ajudam a suavizar o impacto da doença, mas não há um tratamento que a cure. É essa a mensagem que procuramos fazer passar neste momento.

CL – Pouco depois de ser diagnosticado com mieloma, lançou uma campanha no Reino Unido a que deu o nome de “Dez Mil Dadores”. Essa campanha foi bem-sucedida? Como é que os britânicos responderam ao seu apelo?

P.M. – Ó, sim! Fui abençoado por poder contar com o apoio de muita e boa gente, e foram muitos os que chegaram até a mim com ideias fantásticas para alavancar e apoiar a campanha. A campanha arrancou a 1 de Setembro de 2018 e o objectivo era o de alcançar dez mil dadores. Atingimos essa marca em cinco meses. Isto só mostra o que é possível quando se é criativo e se abraçam as causas com o coração. Fizemos campanha por toda a Europa ao volante de um carro velho, competimos com ele em Nürburgring, tivemos uma música nos “tops” britânicos. Participamos em desfiles de moda. Organizamos bailes solidários só para fazer passar a mensagem. Até ao momento, ao abrigo da campanha, conseguimos convencer 130 mil pessoas a tornarem-se dadoras e encontrámos células estaminais compatíveis para 26 pacientes de vários pontos do mundo. A solidariedade funciona. A campanha foi bem-sucedida, mais ainda se tivermos em conta que se trata do esforço de um homem só. Não é ainda assim suficiente. Precisamos de convencer milhões de pessoas a registar-se e é por isso que o envolvimento com a Imprensa é tão importante. Essa é uma das dificuldades com que me deparo. Mostramos o que pode ser feito: dez mil dadores era um marco simbólico, mas sempre foi apenas o início. Na altura disseram-nos que não íamos conseguir e conseguimos. E sei que vamos chegar a meio milhão e, eventualmente, a um milhão. Só temos de continuar a trabalhar.

Marco Carvalho

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