IRMÃ CATERINA MAZZARELLI, SUPERIORA DAS IRMÃS TRAPISTAS EM MACAU

«Partilhar o sofrimento do mundo é o mais importante na nossa vida»

IRMÃ CATERINA MAZZARELLI, SUPERIORA DAS IRMÃS TRAPISTAS EM MACAU

Para as dez religiosas que dão corpo à comunidade trapista de Macau, as práticas de confinamento decretadas um pouco por todo o mundo devido ao novo coronavírus não constituíram necessariamente uma novidade. A única ordem contemplativa com presença no território vive em regime de clausura no Mosteiro de Nossa Senhora Estrela da Esperança, na colina da Penha, e durante os últimos quatro meses continuaram a rezar e a servir a Deus através da oração. Para as monjas trapistas nada se alterou e tudo mudou. Entrevista com a Irmã Caterina Mazzarelli.

O CLARIM– Os últimos meses têm sido muito exigentes, mas para as irmãs trapistas a ideia de confinamento não constitui propriamente uma novidade. Como é que esta pandemia afectou o quotidiano no Mosteiro de Nossa Senhora Estrela da Esperança?

IRMÃ CATERINA MAZZARELLI– Antes de mais, e como referia, vivemos sempre em clausura. Este confinamento não alterou o nosso modo de vida. O nosso modo de vida permaneceu o mesmo. Mudou, isso sim, a nossa consciência, porque estivemos sempre muito cientes de que muitas pessoas não tiveram, por exemplo, a oportunidade de ir à igreja. As igrejas fecharam e só no fim-de-semana voltaram a abrir para a eucaristia dominical. A nossa igreja ainda está fechada porque não temos o estatuto de paróquia. Durante todo este tempo, desde Fevereiro, quando o confinamento foi instituído, estivemos cientes de que fomos abençoadas, de que beneficiámos de uma bênção muito especial, a de podermos dar continuidade à nossa vida de oração, à nossa vivência dos Sacramentos, da Sagrada Eucaristia, da Missa. Estávamos cientes de que tínhamos de rezar por todas estas pessoas que não podiam ir à igreja e tinham de ficar em casa. Sabíamos também que não seria fácil para elas, porque não estão habituadas a ficar em casa. Nada mudou no nosso quotidiano, tirando o facto de que não recebemos visitantes. Não há visitantes no adro e a igreja está fechada e ninguém consegue entrar. Esta foi a principal mudança com que fomos confrontadas. Por um lado, temos a igreja só para nós, podemos fazer uso dela dia e noite num ambiente mais pacífico. Por outro, parte da nossa missão é deixar que as pessoas participem nas nossas orações, nas nossas missas e isto é algo que já não acontece há quatro meses, dado que a igreja ainda está fechada. O aspecto mais importante para nós é a consciência de que estávamos a fazer algo que os outros não podiam fazer e acolhemos no nosso coração, nas nossas orações a ansiedade, o medo e os sentimentos com os quais estas pessoas, ainda agora, têm de conviver por causa do vírus, por causa desta crise que se apoderou do mundo. Rezamos, obviamente, de uma forma muito particular por todos os que faleceram. E foram tantos! Felizmente, em Macau, não se registaram mortes, mas por todo o mundo são tantos os que morrem por causa da doença. Oferecemos missas em intenção dos que faleceram, por intenção dos que morreram sozinhos, longe da família e muitas vezes sem qualquer tipo de cuidado médico, dado que os hospitais estavam demasiado cheios e nem todos receberam a ajuda de que necessitavam. O nosso desejo de partilhar o sofrimento do mundo é o aspecto mais importante da nossa vida. Estamos cá para oferecer a nossa vida a Deus, em prol da salvação do mundo, da salvação do ser humano e da Humanidade. Neste momento, há uma grande, grande necessidade, e continuamos a rezar para que tal seja possível. Oferecemos a nossa vida por esta intenção.

CL– O novo coronavírus obrigou as pessoas a abrandar, a valorizar aspectos como o silêncio ou a solidão. Para os católicos, de que forma é que esta crise de saúde pública pode ser vista como um grito de alerta? Como uma chamada de atenção para que se aproximem mais de Deus?

I.C.M.– Para que se aproximem mais de Deus, mas também para que rezem mais, para que leiam a Palavra de Deus e para que prestem atenção ao seu coração. Normalmente, o silêncio é útil para encontrar paz, mas também para que possamos descobrir o que nos vai no coração, para rezar e para construir uma relação com Deus, para que Deus possa vir até nós e transformar a nossa vida. Creio que para muitas pessoas foi uma grande oportunidade. Muitos dos programas e das iniciativas disponibilizados através da Internet tiveram uma grande popularidade. Foram muitos os que assistiram às missas celebradas pelo Papa e normalmente não é isso que acontece. Foram muitos mais ainda os que se viram forçados a viver aquilo que é para nós o dia-a-dia, a nossa experiência quotidiana, e estou certa que foi para todos eles uma experiência muito enriquecedora. Com um pouco de sorte, talvez as pessoas que passaram por tudo isto possam compreender um pouco melhor a verdadeira importância da espiritualidade, a verdadeira importância da oração e do silêncio, de reservar tempo para Deus e para as actividades espirituais. Talvez tenham percebido também a importância de reservar tempo para os outros, porque foi algo a que assistimos também nesta situação.

CL– Vivemos numa cidade de jogo e de tentações fáceis. O que é necessário para salvar uma cidade como Macau. Para além de ser uma cidade propícia ao pecado, também pode ser uma cidade de esperança?

I.C.M.– Macau é a Cidade do Nome de Deus e, como tal, estamos certas que Deus é a realidade mais importante, ainda que os casinos sejam uma realidade incontornável. No entanto, a actividade dos casinos tem sido muito limitada ao longo dos últimos quatro meses. Alguns até fecharam as portas durante algum tempo. Este cenário deixou muitas pessoas sem emprego. Conhecemos muitos casos – de filipinos, de indonésios – que não têm trabalho e também não podem voltar para casa porque não há voos. Esta pandemia confrontou estas pessoas com uma situação trágica. Sabemos também que se criou uma dinâmica de solidariedade para as ajudar. Para nós é muito claro que estamos em Macau para oferecer a nossa vida a Deus pela salvação das pessoas de Macau. Também rezamos por todas estas pessoas que habitualmente apostam nos casinos e que provavelmente nem conhecem Deus, nem têm interesse em conhecê-Lo. O Espírito Santo pode, ainda assim, encontrar o caminho para o seu coração, e por isso rezamos por eles. Rezamos em particular por eles porque Nossa Senhora de Fátima pediu-nos, de uma forma muito clara, para rezar pelos pecadores. Este é um aspecto muito forte da mensagem de Fátima e é a eles que dedicamos as nossas vidas. Com muita simplicidade, mas sempre tendo em conta o significado que queremos para a nossa vida, o objectivo que definimos para a nossa vida e esse propósito é o de rezar, para que Deus possa chegar ao coração dos pecadores. Como? Não sabemos, nunca saberemos e não é importante saber. Sabemos, isso sim, que Deus está presente. Deus está sempre presente em todas as situações.

Marco Carvalho

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *