Instituição aberta ao mundo e cada vez mais internacional
No primeiro Domingo de Fevereiro assinalou-se o Dia Nacional da Universidade Católica Portuguesa. A revista Família Cristãfoi redescobrir a instituição com 52 anos e cada vez mais reconhecida internacionalmente pela qualidade do seu ensino e investigação. A UCP tem fortes ligações com a Universidade de São José, em Macau, cujo novo reitor, o diácono Stephen Morgan, toma posse amanhã.
Sabia que na Universidade Católica Portuguesa estudam alunos de 93 nacionalidades? Talvez nunca tenha entrado num dos quatro centros, mas certamente já ouviu falar da instituição. O que faz da Católica uma Universidade diferente? Isabel Capeloa Gil, reitora, recebe-nos para uma conversa. «O que nos torna diferentes é nós pensarmos que a educação e a investigação não são actos assépticos e isolados, fazem parte de uma formação integral e ética da pessoa. O estudante aqui não é um número, é uma pessoa com a sua singularidade, com as suas dificuldades, com a sua complexidade, e queremos ajudá-lo a crescer e a crescer não apenas no conhecimento profissional e técnico da área que cultiva, mas dar-lhe uma abertura, uma visão lata sobre o mundo que o motive para a intervenção social, para a ajuda ao outro», explica. Uma diferença comprovada nos dados: quase oitenta por cento dos estudantes da UCP fazem voluntariado. «É, muitíssimo importante entender que a experiência da faculdade não é apenas uma experiência abstracta de ciência, não é apenas uma experiência abstracta de raciocínio. Nós temos excelentes alunos, que têm excelentes classificações, entram muito motivados, mas precisam de entender que a Universidade é uma instituição que está ancorada no mundo. A Católica é uma instituição, eu dizia é uma universidade sem muros, é uma universidade sem muros não só no sentido da internacionalização mas na relação com as comunidades onde está envolvida». E é isso que acontece com a zona de Benfica, em Lisboa, na Foz, no Porto, ou em Viseu. «Temos a Faculdade de Medicina Dentária com uma clínica e a percentagem de consultas solidárias às populações é a maior do País. Não há nenhuma escola de Medicina Dentária pública que tenha a prestação que a Católica tem de medicina comunitária, de apoio às populações, sobretudo idosas do interior do País. Portanto, esse sentido de presença e de colaboração com as comunidades é uma diferença essencial da Católica, além de tudo o resto de que falámos da qualidade do ensino, da internacionalização, da experiência cosmopolita, mas sobretudo entender que os estudantes são pessoas que vão ser integradas em equipas de outras pessoas e entender a sua posição no mundo como alguém que contribui e não meramente alguém que espera retorno, que tem a dádiva; a doação é essencial à sua intervenção cívica». Em Lisboa, por exemplo, são dadas consultas gratuitas de enfermagem aos sem-abrigo no balneário público de Alcântara.
Mas há mais. A Universidade é privada e os alunos pagam propinas para aqui estudar. Contudo não é assim com todos. A reitora rejeita a ideia de se tratar de uma universidade para elites ou ricos: «A Universidade Católica dá três milhões de euros por ano de bolsas aos seus estudantes. Os alunos que têm mérito não pagam propinas. Temos, além disso, um conjunto de apoios sociais muito relevantes. Temos bolsas que são dadas por beneméritos para apoiar estudantes em condições de fragilidade social. A Universidade Católica é, também pela sua missão, uma universidade inclusiva».
Está a ser estudado um projecto-piloto para apoiar estudantes com qualidade e potencial e que estejam em contextos desfavorecidos. «É um programa que se centra até no desafio do Papa Francisco de criar novos protagonismos, criar formas de inclusão em áreas e em populações que nunca almejariam ter essa possibilidade», explica Isabel Capeloa Gil. O projecto ainda está a ser desenhado, mas a ideia é trabalhar com as escolas secundárias na identificação dos alunos. O projecto arranca em 2020 ou 2021.
UNIVERSIDADE INTERNACIONAL
A Universidade Católica foi criada pelo Decreto Lusitanorum Nobilissima Gens, em 1967. A Faculdade de Filosofia de Braga foi a primeira. No ano seguinte, abriu a Faculdade de Teologia em Lisboa, e o Estado Português reconheceu a UCP como pessoa colectiva de utilidade pública em 1971. Actualmente a sede é em Lisboa, mas tem mais três centros: Porto, Braga e Viseu. No ano lectivo passado, mais de dezoito mil alunos frequentaram cursos ou formações, dadas por mais de mil docentes portugueses e quase duzentos internacionais, em áreas como Teologia, Filosofia, Ciências Humanas, Direito, Economia, Biotecnologia, Artes, Educação, Medicina Dentária ou Ciências da Saúde. A qualidade reconhecida do ensino e os protocolos com instituições de outros países atraem estudantes de todo o mundo.
Nas instalações de Lisboa, que visitámos, ouve-se falar Inglês com vários sotaques. «A nossa missão extravasa os limites do País. É uma missão que se posiciona num nível desde logo europeu, colaborando e concorrendo com universidades da União Europeia, mas também a nível global. Temos estudantes de 93 nacionalidades de todos os continentes, com uma in cidência grande de europeus, como é natural, mas temos brasileiros, americanos. Temos um contingente fortíssimo de estudantes dos Estados Unidos da América e em crescimento. De África, dos nossos irmãos da Guiné, de Angola, de Moçambique, de Cabo Verde. Por exemplo, na área das novas tecnologias temos um contingente forte de guineenses e cabo-verdianos», afirma a reitora. Além dos estudantes estrangeiros que procuram a Universidade, também há muitos estudantes portugueses da Católica que vão estudar para o estrangeiro.
Um dos “novos” projectos da Universidade Católica é um curso de Medicina. A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior chumbou a abertura, após dois pareceres negativos (da Ordem dos Médicos e da comissão de avaliação de peritos nomeada pela agência). O pedido inicial de acreditação deu entrada em Outubro de 2018 e só houve decisão no final de 2019.
Isabel Capeloa Gil está convencida: «A Faculdade de Medicina da Católica vai acontecer, e vai acontecer porque é uma necessidade para o País!». A reitora desmonta os argumentos da Agência de Avaliação e Acreditação: «Os dois fundamentos são duas razões que demonstram a absoluta necessidade da criação da faculdade. A primeira a de que o sistema de saúde português não acomoda a existência de mais médicos e acho que era importante perguntar às pessoas que diariamente têm de frequentar os hospitais, os centros de saúde, nas grandes cidades ou no interior, se verdadeiramente sentem que as suas necessidades de saúde estão a ser respondidas pelo número de médicos que existem em Portugal, se estão a ser respondidas nos prazos que são necessários, se sentem que não é relevante a questão das listas de espera para operações e para outros procedimentos nos hospitais. Em segundo lugar: a opção dos portugueses é a de serem cuidados na sua saúde de acordo com os padrões de qualidade que são regidos, coordenados e monitorizados pelas instâncias do Estado Português, ou preferem ter nos seus centros de saúde e hospitais médicos formados em sistemas de ensino e sistemas científicos que vão desde a Moldávia à Rússia, a Cuba, Espanha, Grécia?».
Para Isabel Capeloa Gil, os argumentos são «falaciosos». Critica ainda a alegada dificuldade de garantir vagas aos futuros licenciados em Medicina para o internato médico (seis anos de prática depois da licenciatura para tirar a especialidade): «Não há nenhuma faculdade de Medicina do País que possa garantir aos seus licenciados que tenham acesso ao internato médico. O internato médico é gerido pela Ordem dos Médicos; é um exame ao qual podem concorrer todos os graduados da União Europeia em Medicina. Em segundo lugar, todos os estudantes portugueses que saem anualmente do País para estudar Medicina fora podem candidatar-se também a esse exame. Portanto, o problema da falta de vagas tem que ver com a falta de idoneidade de determinadas áreas em determinados hospitais, porque não têm o número de especialistas suficiente para abrir vagas para a formação. Não tem nada que ver com a formação de uma nova faculdade de Medicina!».
UNIVERSIDADE CATÓLICA E OS IMPOSTOS
Não aceitando estes argumentos, a Católica não desistiu e recorreu, clarificando alguns pontos. «Estes dois argumentos que levaram à recusa da acreditação são, digo-o francamente, corporativos. Têm que ver com a protecção do ‘statu quo’ que é danoso para a população portuguesa. Portugal necessita de uma Faculdade de Medicina da Universidade Católica, necessita de uma matriz inquestionavelmente humanista, precisamos de reforçar e capacitar ainda mais o nosso Sistema Nacional de Saúde e precisamos de melhorar a saúde dos portugueses. Por isso é que eu digo que a faculdade vai acontecer. E por isso continuamos nesta luta».
No ano passado, foi notícia os impostos que a Católica não paga. O PAN chegou a dizer querer re ver a Concordata e o PS e o Bloco de Esquerda admitem rever a isenção. Em tribunal está uma disputa com a Autoridade Tributária a propósito de cobrança de IRC. Afinal de que se trata? A Universidade Católica não paga impostos? O tema irrita a reitora: «Devo dizer que há uma enorme desinformação nesta matéria. Aquilo que o PAN veio dizer é uma mentira. A Universidade Católica não tem 65 milhões de lucro. Mas que estupidez. Olhe, gostava… A narrativa que se criou é uma narrativa não só mentirosa. É de quem quis lançar a polémica no espaço público relativamente à Universidade». Isabel Capeloa Gil diz que a instituição, «porque tem utilidade pública, tem isenção de IRC. Nós pagamos todos os impostos possíveis e imaginários. Não há nenhuma universidade pública ou privada que pague este imposto. Não há!» A reitora recorda outras entidades com estatuto de utilidade pública também isentas: «Desde partidos políticos às equipas de futebol. As entidades que têm utilidade pública tem isenções fiscais desta natureza».
Já a questão em tribunal com a Autoridade Tributária está a ser contestada. «Não tem nada que ver com a Concordata. Nada! A interpretação da Autoridade Tributária é uma interpretação abusiva: uma lei geral como é a Concordata não substitui aquilo que é uma lei especial. A lei especial é o decreto-lei que dá o estatuto de utilidade pública à Universidade Católica. A Concordata não fala da Universidade Católica nestas questões. Aquilo que a Autoridade Tributária argumenta dizendo que vai cobrar impostos porque a Concordata não fala desta isenção específica da Católica é um argumento que não colhe».
Isabel Capeloa Gil olha para o futuro e deseja que a Universidade Católica consiga «continuar a adequar o crescimento que está a ter aos recursos que consegue gerar», «continuar a ser competitiva num plano que é sobretudo internacional». A também presidente da Federação Internacional das Universidades Católicas, desde 2018, defende que «o desafio do sistema científico nacional é sobretudo o de se manter relevante face às diferenças de investimento em ciência que se fazem em Portugal e na União Europeia». A investigação e o ensino não ficam dentro de cada país, são internacionais. O que leva os investigadores e professores portugueses a competir e trabalhar «com colegas que recebem às vezes três e quatro vezes mais para a mesma investigação que eles estão a desenvolver». A reitora vê aqui um desafio nacional, «porque a ciência é cara, para sermos relevantes perante a comunidade científica nacional».
Cláudia Sebastião
Família Cristã