«A igreja está bastante viva, graças às crianças»
Formou-se em Engenharia Mecânica antes de seguir o chamamento de Deus; prestou depois serviço missionário no Peru e nos confins da Amazónia brasileira, tendo desembarcado em Macau há dois anos e meio, pouco antes da pandemia de Covid-19 ter obrigado o território a fechar-se ao mundo. Vigário paroquial da igreja de São Francisco Xavier (Mong-Há), o padre Rafael Gemelli Vigolo, MCCJ, encontrou em Macau uma forma de viver a fé muito diferente daquela a que estava habituado na América Latina. O missionário comboniano deparou-se em Mong-Há com uma comunidade vibrante e com sede de fé, mas também com desafios muito específicos. Um dos principais, salienta em entrevista a’O CLARIM, é o acompanhamento espiritual dos jovens depois de concluída a Catequese.
O CLARIM– Prestou serviço missionário no Peru e na Amazónia, antes de rumar, há dois anos e meio, a Macau. São experiências bastante diferentes…
PADRE RAFAEL VIGOLO –A América Latina – o Brasil, o Peru e os outros países da América Latina – é uma região cristã. A maior parte das pessoas são cristãs. Uma parte grande são católicos, outros são evangélicos de diferentes denominações. Aqui, em Macau, ao chegarmos apercebemo-nos de uma realidade bastante diferente. A comunidade cristã ronda os cinco a oito por cento da população e a grande maioria das pessoas segue a religião tradicional e não alimenta a mesma ideia de fé que nós alimentamos. Para nós, missionários, e para mim, em concreto, vir para Macau foi como se fosse um novo começo. Senti que entrei num mundo bastante diferente. (…) Uma outra coisa interessante que vemos, no que toca aos aspectos da fé, é que na América Latina as pessoas, geralmente, são baptizadas quando são crianças. Eu próprio fui baptizado quando tinha seis meses. Aqui, a maior parte dos cristãos são baptizados quando já são adultos. Gosto de lhes perguntar como ocorreu o processo, como ficaram interessados em conhecer mais a Palavra de Deus, como começaram a participar na vida da Igreja e decidiram enveredar pelo Catecumenato. Alguns dizem-me que estudaram numa escola cristã ou que tinham algum amigo que os convidou. Mas aquilo que mais me toca é que muitas pessoas relatam um antes e um depois do baptismo. (…) São estas experiências que nos mostram a beleza da fé.
CL– Sente que esse processo de conversão acaba por ser, não diria mais verdadeiro, mas mais sentido?
P.R.V. –Também não diria uma fé mais verdadeira, porque nós também, nos nossos países, vemos muitas pessoas que se identificam muito com Jesus. (…) Mas aqui, sim, é possível notar que os cristãos, aqueles que vivem de verdade este processo de conversão, depois de terem passado por isso são bastante fiéis, são bastante comprometidos. Têm bastante convicção. Muitas vezes é difícil para eles viver a fé, porque, por vezes, são a única pessoa da família que é cristã. Também há esse aspecto de como poder conviver bem, assumindo-se diferente. (…) Também estou a trabalhar com a Catequese. Temos um grupo de catequistas, de mais ou menos quinze a vinte pessoas, que se dedicam muito. São pessoas que estão a oferecer o seu tempo, que estão a oferecer o seu conhecimento e o seu carinho às crianças, e o trabalho que fazem, fazem-no com muita dedicação. Eu admiro muito as catequistas; em conjunto com as catequistas temos um grupo de jovens que depois da Confirmação continuam a ajudar na Catequese. Nós apelidamos estes jovens de “si dou si”, ou seja, de assistentes ou pequenos catequistas.
CL– É um trabalho importante, este que é feito com os jovens…
P.R.V. –Uma das dimensões nas quais estou a procurar trabalhar na Paróquia é a questão dos jovens. (…) Quando aqui cheguei, percebi que sobretudo nas paróquias, infelizmente, não encontramos – falando de modo geral – um espaço para os jovens. Este é um problema da Igreja universal. Há quatro anos, um pouco mais ou menos, o Sínodo dos Bispos foi a respeito dos jovens. A Igreja, num exercício de reflexão, percebeu que necessitamos de dar espaço aos jovens. Uma das dificuldades que temos, como Igreja, em geral, é que os crismandos, uma vez que eles terminam e são crismados, acabam por deixar a Igreja. Vão estudar, vão fazer outras coisas. Às vezes os pais ficam preocupados com a forma como podem ajudar os jovens e essa preocupação é partilhada com a Igreja. Tivemos uma experiência bonita aqui na paróquia de Mong-Há. No ano passado, com o grupo que se submeteu ao Crisma, começámos um pequeno grupo de jovens, o Grupo de Jovens Perseverança. São adolescentes, receberam a Confirmação mais ou menos com treze/catorze anos, e foi tudo uma novidade. Para mim é uma experiência pastoral que me está a dar muita alegria.
CL– Este projecto vai ter continuidade?
P.R.V. –É essa a nossa intenção. Tive a alegria, no Domingo passado, de poder presidir ao Crisma dos jovens, à cerimónia da Confirmação. Foi a primeira vez, porque normalmente é o Bispo que preside à celebração. Mas o D. Stephen Lee autorizou-nos a fazer a cerimónia aqui, na nossa paróquia, no Dia do Espírito Santo, de Pentecostes. Onze jovens foram confirmados. Para prepararmos os jovens para a Confirmação, fizemos um retiro, que foi uma experiência muito bonita. Fomos para Coloane e passámos o dia com eles. (…) No Domingo passado tivemos o Crisma, foi um momento muito bonito e destes onze jovens que receberam o Crisma, seis deles vão participar neste grupo de jovens e outros quatro vão estar a participar noutro grupo da nossa paróquia. Também alguns deles vão participar na qualidade de “si dou si”, como assistentes da Catequese.
CL– Falava há pouco na questão do Catecumenato. Nota que há mais adultos a serem baptizados?
P.R.V. –Em termos estatísticos, não disponho de dados. Mas na última Páscoa tivemos a alegria de baptizar 23 pessoas. Foram vinte adultos. Tivemos mesmo um caso em que, junto com a mãe, foram baptizadas duas crianças. Uma outra criança foi baptizada também em simultâneo com a mãe.
CL– E no que toca à Catequese?
P.R.V. –Aqui, em Mong-Há, vivemos a alegria de termos muitas crianças na Catequese. São mais de 140 crianças, desde os mais pequenos até jovens com treze/catorze anos. Agora temos também este grupo de perseverança. São mais ou menos vinte jovens que estão a participar neste pequeno grupo. Está a ser feito um trabalho bonito. A paróquia de São Francisco Xavier tem muitas famílias, ainda jovens, digamos assim. São famílias de meia idade. A exemplo do que acontece em São José Operário, agora os cristãos estão a cuidar dos seus filhos – estão, pois, nessa etapa da vida. Neste sentido, a igreja está bastante viva, graças às crianças. Se todas as crianças viessem à Missa das 9 horas e 30, não teríamos espaço para toda a comunidade. Seriam necessários uns quinhentos lugares.
Marco Carvalho