PADRE JOÃO VERGAMOTA, DIRECTOR DO INSTITUTO SUPERIOR DE DIREITO CANÓNICO

PADRE JOÃO VERGAMOTA, DIRECTOR DO INSTITUTO SUPERIOR DE DIREITO CANÓNICO

«A Igreja deve ser também um espaço de justiça»

A dissolução do matrimónio a favor da fé, quando o casamento é contraído entre partes católica e não baptizada, deu o mote à palestra que o padre João Vergamota proferiu no final do mês de Dezembro. A visita do director do Instituto Superior de Direito Canónico ao território serviu para reforçar as ligações com a diocese de Macau e com os canonistas locais, mas também para promover o trabalho desenvolvido pelo Instituto na divulgação do Direito Canónico em língua portuguesa. O padre João Vergamota em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM – Esteve recentemente em Macau e ministrou uma palestra sobre Direito Canónico, mas essa não foi a única razão que o trouxe ao território…

PADRE JOÃO VERGAMOTA – Ministrei uma palestra sobre Direito Canónico, mas vim também com o objectivo de estabelecer ligações mais fortes entre o Instituto Superior de Direito Canónico, em Lisboa, e a Universidade de São José, e também entre nós e os canonistas de Macau. Na qualidade de director do Instituto de Direito Canónico, procuro estabelecer ligações com outros canonistas. Como a Universidade de São José já tem uma ligação com a Universidade Católica, julgo que seria interessante reforçar a nossa amizade e esta ligações, para ver o que podemos fazer no futuro em prol da Igreja.

CL – Esse reforço das ligações, em termos concretos, pode passar exactamente pelo quê?

P.J.V. – Tive a oportunidade, no passado, de escrever ao bispo D. Stephen Lee para procurar perceber se existiria o interesse de nos enviar sacerdotes de Macau para estudarem no Instituto Superior de Direito Canónico. O Instituto está sempre disposto a servir a Igreja, na sua acepção mais universal, mas olha com ênfase particular para todas as dioceses que têm ligações históricas ou de amizade com Portugal. Também escrevi para diferentes dioceses de Angola e de Moçambique, e até a alguns bispos do Brasil, com o propósito de reforçar estes laços de amizade que os unem à cultura portuguesa.

CL – Para a maior parte dos leigos, falar de Direito Canónico é, o mais das vezes, falar de algo quase inalcançável, que escapa ao seu entendimento. Do que falamos, quando falamos de Direito Canónico na perspectiva dos leigos?

P.J.V. – O Direito Canónico, como acontece, de resto, com os outros códigos legais, tem por objectivo assegurar a justiça, até porque a justiça é também uma fonte de paz. A Igreja deve ser também um espaço de justiça, no sentido de que o outro deve poder aceder àquilo que lhe pertence. O Direito Canónico estabelece os direitos e os deveres de todos nós, para que possamos viver em comunhão. O Direito Canónico respeita a todos de igual forma. Mesmo uma criança de tenra idade tem direito a viver de forma justa. A própria Igreja tem o dever de perceber de que forma pode ser justa aos olhos de Deus e aos olhos dos outros. O Direito Canónico é precisamente sobre isto: sobre a necessidade de se alcançar a justiça no seio da Igreja.

CL – Neste mundo moderno, em constante mudança, o que pode fazer a Igreja para garantir que o Direito Canónico é respeitado? Enquanto católicos, o que podemos fazer para viver de acordo com a Lei da Igreja?

P.J.V. – Aquilo que podemos fazer, parece-me, é mostrar fidelidade à nossa missão enquanto católicos. Não nos devemos esquecer que temos a missão de Evangelizar. Temos, obviamente, de ter noção de onde vivemos, das circunstâncias do local onde vivemos, sem, no entanto, ter receio delas e sem perder a consciência de qual é a nossa missão. Como Santa Teresa de Ávila fazia questão de dizer, em alturas difíceis, temos o dever de ser bons amigos de Deus. Esse é sempre o segredo. Não sei se lhe podemos chamar um segredo, mas a chave é sempre sermos bons amigos de Deus. E se vivermos desta forma, Deus vai inspirar-nos, tal como é dito no Evangelho, para que o Espírito Santo venha em nosso socorro, para que possamos dizer o que temos de dizer ao mundo.

CL – Quanto à palestra que proferiu na sua passagem por Macau, teve como tema o vínculo matrimonial e a fé à luz do Direito Canónico. Por que razão escolheu este tópico tão específico?

P.J.V. – Por que razão? Antes de mais, porque se trata de uma matéria que eu já estudei no passado e julguei que seria mais fácil para mim falar sobre algo de que tenho algum conhecimento. Abordei o casamento na perspectiva de que há casamentos que não são necessariamente entre dois católicos. Este tipo de casamentos, em que apenas um dos cônjuges é cristão ou onde nenhum deles é cristão, pode ser dissolvido, para que a fé de um cônjuge possa ser mantida ou então quando um dos cônjuges se converte à fé católica. O casamento pode ser dissolvido para ajudar à subsistência da fé da pessoa que é católica e que se casou com alguém que não é. Podemos dissolver este casamento para reforçar a fé, até porque, por vezes, a fé pode estar em perigo. Isto acontece com frequência em locais onde existem muitos não-católicos. Penso que possa ser esse o caso em Macau, onde há muitas pessoas casadas com não-católicos.

CL – Sim, há imensas…

P.J.V. – Creio que talvez seja mais normal existirem em Macau mais processos de dissolução de casamentos a favor da fé, do que propriamente em Portugal, por exemplo. Queria falar sobre esta questão do casamento, porque o casamento tem uma presença forte nas lides do Direito Canónico. Quase todos os processos analisados pelos tribunais da Igreja estão relacionados com casamentos ou lidam com casamentos. Também lidamos com outras questões, mas a maior parte do trabalho que desenvolvemos nos nossos tribunais está relacionado com o casamento. Quando um canonista fala, o mais certo, na maior parte das vezes, é que fale sobre o casamento.

CL – O casamento é, de facto, um dos grandes desafios com que a Igreja se depara. Há a questão do divórcio, das uniões entre pessoas do mesmo sexo, mas também o facto de muitas pessoas não estarem sacramentalmente casadas. O que pode a Igreja fazer para responder a estes desafios?

P.J.V. – Uma das coisas que se podem fazer é apostar na preparação prévia. Por vezes – isto é um problema em Portugal e julgo que também o possa ser em Macau – presumimos que as pessoas já conhecem tudo o que há para saber sobre o casamento. Julgamos que estão completamente preparadas para o casamento e talvez não estejam de todo. É um pouco ingénuo pensar que todos sabem o que há para saber sobre o casamento, que estão preparados para viver uma vida em conjunto. Uma das formas de lidar com esta questão passa por preparar melhor as pessoas, à luz do Catecismo da Igreja. Defendi, no passado, em Portugal, que os jovens de catorze ou quinze anos deviam receber um ano de formação focada em exclusivo no casamento, mesmo que não se casem tão cedo. Devem começar a pensar sobre o casamento muito antes. Não é um mês antes do casamento que os vou ensinar ou que os vou ajudar a pensar sobre o casamento. É preferível ajudar a prepará-los antecipadamente, para que possam compreender o que é o casamento.

Jasmin Yiu com Marco Carvalho

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