PADRE CYRIL HOVURUN, PRESIDENTE DO INSTITUTO ECUMÉNICO HUFFINGTON

PADRE CYRIL HOVURUN, PRESIDENTE DO INSTITUTO ECUMÉNICO HUFFINGTON

«Há tanta luz em Deus que, por vezes, não a conseguimos ver»

Veio a Macau dizer que é mais forte aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. O arquimandrita Cyril Hovurun esteve, na passada terça-feira, no Seminário de São José para falar da forma como a oração é vista na tradição ortodoxa. Professor de eclesiologia e ecumenismo no Colégio de Santo Inácio, em Estocolmo, o religioso – nascido na Ucrânia – dirige ainda o Instituto Ecuménico Huffington, uma instituição criada com o propósito de contrariar o “Inverno Ecuménico” para o qual resvalaram as Igrejas. Cyrul Hovurun, em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM – Há formas de oração a que os católicos da tradição ocidental não estão propriamente habituados: hesicasmo, teósis e a treva divina. Estes métodos parecem presumir que a oração tem uma relevância na tradição ortodoxa que desapareceu no Ocidente. Por que razão a oração perdeu este peso na tradição católica ocidental?

ARQUIMANDRITA CYRIL HOVURUN – Bem, diria que este tipo de abordagem não desapareceu no Ocidente. Na verdade, assume formas ligeiramente diferentes. Se tiver, por exemplo, como ponto de partida o Pai Nosso na Cristandade Oriental, vai perceber que é uma oração muito similar ao Rosário, um método de oração que ainda existe e ainda é praticado no Ocidente. A única diferença é que no Ocidente as pessoas estão mais habituadas a rezar à Virgem Maria e o no Oriente rezam sobretudo a Jesus, ainda que a Virgem Maria também seja relevante. Nas Igrejas orientais rezamos a Jesus Cristo, a Nossa Senhora e a diferentes santos, tal como na Igreja Católica. Acredito que existem muitas similaridades, mas formas de oração e espiritualidade ligeiramente diferentes. A essência, no entanto, é a mesma. Não se trata de dizer que a minha forma de espiritualidade é a única verdadeira. Trata-se de partilhar a riqueza das nossas tradições, a riqueza da nossa espiritualidade uns com os outros. E penso que é assim que deve ser: através da partilha e não através da competição uns com os outros. Não se trata de provar que uma tradição é melhor do que as outras; trata-se, isso sim, de aprender uns com os outros e é por isso que aqui estou. É por isso que valorizo este tipo de iniciativas. Estou grato aos organizadores desta sessão por me terem convidado. Vi nos outros o desejo de aprender com o que tinha a dizer, comigo e com a minha tradição espiritual, mas também serviu para que eu aprendesse um pouco mais com a espiritualidade ocidental. Estudei a espiritualidade ocidental e aprendi muito com ela. Acredito que é importante ter esta troca de experiências, do ponto de vista teológico.

CL – Mencionou o conceito de “treva divina”, a perspectiva de que Deus está em todo o lado, mesmo na mais profunda das escuridões. Estudou física e é impossível não ver um paralelo óbvio entre este conceito de “treva divina” e um buraco negro. Em teoria, um buraco negro não é propriamente ausência de luz, mas a luz como energia transformada. O que é que este conceito de “treva divina” traz de novo ao entendimento de Deus e à natureza plural da espiritualidade, como um combate entre o bem e o mal?

A.C.H. – Uma vez mais, este conceito teológico da “treva divina” faz parte da nossa herança comum, tanto no Oriente como no Ocidente. Se partir do exemplo de Dionísio, o Areopagita, que é quem está por detrás desta abordagem teológica no Século V, verá que os ensinamentos de Dionísio eram muito populares no Ocidente. São várias as traduções da sua obra. Esta serviu como ponto de partida para muitos dos místicos no Ocidente. Há este aspecto comum que partilhamos, ainda que muitas vezes possamos recorrer a palavras diferentes. Mas, de facto, estamos a falar de uma mesma coisa…

CL – De uma treva que, vistas as coisas, é luz…

A.C.H. – Falava da física. De facto, se recorrêssemos a uma noção retirada da Teologia ocidental, como a analogia, utilizada por São Tomás de Aquino, veríamos que há muitas analogias entre a física e a metafísica. Parece-me que é bastante útil usar esta metáfora do buraco negro para descrever a “treva divina”. Um buraco negro, do ponto de vista da física, pelo menos em teoria, é algo que não podemos observar e só nos resta procurar conjecturar o que possa ser. É, antes de qualquer outra coisa, um objecto de estudo no campo da física teórica e da matemática. Ao abrigo desta teoria, sabemos que os buracos negros são entidades cósmicas que não são de todo negras, mas que estão cheias de luz. A luz é tanta que não a conseguimos discernir. Parece-me uma boa forma de falar da luz divina, ainda que subsistam diferenças na perspectiva como se entende a luz, seja a luz da criação, seja a dos buracos negros: há as estrelas e há a luz sobrenatural, a luz divina. Mas a ideia, basicamente, é a mesma. Há tanta luz em Deus que, por vezes, não a conseguimos ver. É demasiado para que a possamos contemplar. Mas, ainda assim, conseguimos ver Deus e esse é outro aspecto que temos em comum, no Oriente e no Ocidente. Acreditamos que conseguimos ver Deus, aqueles que merecem, que são suficientemente puros para isso. Mas existem algumas diferenças em relação àquilo que podemos ver de Deus, mas parece-me que todas estas ideias e metáforas nos ajudam a compreender melhor a nossa própria tradição e a tradição religiosa dos outros. É algo que tem que ser sublinhado uma e outra vez: os traços em comum entre o Oriente e o Ocidente são mais do que muitos e têm de ser explorados, para que nos possamos sentir mais próximos uns dos outros.

CL – É o que tem procurado fazer ao longo dos últimos anos, aproximar a religiosidade Oriental e Ocidental, as Igrejas Católica e Ortodoxa. É algo que o Papa Francisco tem tentado fomentar, mas talvez não seja exagerado dizer que mais poderia ser feito…

A.C.H. – Sim, é verdade. Algumas pessoas dizem que estamos a passar por um período de “Inverno Ecuménico”. Um período em que as Igrejas, que pareciam muito mais interessadas umas nas outras há algumas décadas, parecem não ter o mesmo interesse. Algumas pessoas falam de cansaço ecuménico: as Igrejas parecem que estão cada vez mais fartas de ecumenismo. O ecumenismo está demasiado institucionalizado e as pessoas assumem cada vez mais o seu desinteresse pelo diálogo ecuménico. É uma tendência transversal a todas as tradições e é uma tendência real. Ao mesmo tempo, é algo que necessita de ser revigorado e é esse o propósito do meu instituto. Dirijo um instituto ecuménico com sede em Los Angeles, na Califórnia. Chama-se Instituto Ecuménico Huffington. O seu principal objectivo é facilitar uma maior compreensão e um maior entendimento entre ortodoxos e católicos e promover o diálogo. É isto que procuramos fazer, mas, por vezes, sinto que estou a nadar contra a corrente. De qualquer forma, é necessário levar às pessoas este testemunho sobre a unidade da Igreja, que é um mandamento que nos foi legado por Jesus Cristo, que nos foi legado por Deus. Esta união é particularmente relevante entre católicos e ortodoxos, porque acredito que estamos muito próximos uns dos outros. O que nos divide é mais uma questão de identidade, do que propriamente uma perspectiva teológica ou espiritual.

Marco Carvalho

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