LEOPOLDINA REIS SIMÕES

LEOPOLDINA REIS SIMÕES, MEMBRO DA COMISSÃO DE COMUNICAÇÃO DO SÍNODO 2021-2023, NO VATICANO

Na Reforma da Cúria Romana está a cura que a Igreja necessita

Leopoldina Reis Simões e o padre Paulo Terroso, sacerdote da arquidiocese de Braga, são os dois únicos portugueses que integram a Comissão de Comunicação do Sínodo 2021-2023, junto da Santa Sé. A’O CLARIM, a consultora de comunicação defende que a Reforma da Cúria Romana, iniciada pelo Papa Francisco, é o caminho da cura da Igreja para que esta se torne mais sinodal, transparente e solidária. De Roma, acredita que chegará o impulso para que a Igreja em todo o mundo seja mais laical, sem prejuízo do papel do Clero. Para além do Sínodo em curso, Leopoldina analisa o Encontro Mundial das Famílias que terminou há dias e faz uma antevisão do Encontro Mundial da Juventude 2023, a ter lugar em Lisboa.

O CLARIM – Terminou no passado Domingo, no Vaticano, o Encontro Mundial das Famílias, este ano com o tema “Amor em família: vocação e caminho de santidade” e um programa dedicado ao papel dos esposos, jovens e idosos no seio da Igreja. Podemos afirmar que foi a materialização dos muitos gritos de alerta do Papa Francisco para a necessidade da Família ser o pilar principal da educação dos jovens e o colo de amor dos mais velhos?

LEOPOLDINA REIS SIMÕES –Digamos que a Família, enquanto célula básica e originária da sociedade, como lugar de vocação e comunhão, não é algo novo vindo das palavras e do coração dos pontífices, nem do Magistério da Igreja. Mas realmente o Papa Francisco ergueu bem alto esse estandarte no seu pontificado e a sua forma de ser, de se comunicar, faz com que apreendamos os seus apelos de uma maneira mais cercana, como se fosse responsabilidade de cada um de nós. O que apreciei, sobremaneira, neste X Encontro Mundial das Famílias, foi mesmo o espaço dado às famílias por meio dos agentes da pastoral familiar e matrimonial, e com as famílias a poder ter papel activo, a dar o seu testemunho, a falar das suas ânsias e alegrias. Talvez aqui esteja a diferença, bem ao jeito do Papa Francisco, neste seu propósito de dar voz a todos. As famílias de todos os cantos do mundo sentiram-se mais do que nunca representadas, pois foram focadas questões que nos dizem respeito a todos enquanto famílias.

CL – Se dúvidas houvesse, a criação, em 2016, do Dicastério para os Leigos, Família e Vida é mais uma das apostas ganhas pelo Papa Francisco, no âmbito da Reforma da Cúria Romana…

L.R.S. –Sem dúvida. Francisco juntou o que faz sentido existir junto. O Estatuto deste dicastério acabou por ganhar uma competência mais alargada em questões como a promoção da vida e do apostolado dos leigos, o cuidado pastoral dos jovens, da Família e da sua missão, o cuidado aos mais velhos; e, ao que se vê, foi mais uma decisão acertada do Papa. Outra muito concreta, por exemplo, foi a instituição do Dia Mundial dos Avós, no quarto Domingo de Junho – o primeiro foi em 2021. Já celebrávamos a Solenidade de São Joaquim e Santa Ana como Dia dos Avós, por serem os avós de Jesus, mas o Papa Francisco deu-lhe uma dimensão universal, para dar visibilidade à necessidade do cuidado e atenção aos idosos pelas suas famílias e pela sociedade. Não sou especialista, mas pressinto que com a Reforma da Cúria Romana Francisco quer continuar o caminho de cura que a Igreja necessita para que seja mesmo mais sinodal, mais transparente e mais solidária, mas a meu ver o documento coloca por escrito o que o Papa já tem vindo a fazer com as nomeações de leigos, com as iniciativas anti-corrupção e anti-clericalistas. O que seria bom era que as conferências nacionais tomassem o exemplo e também caminhassem neste sentido. Terá que acontecer; a partir do Vaticano chegará o impulso que falta.

CL – A educação dos jovens é primordial para a sobrevivência da Família. Até que ponto o Encontro Mundial das Famílias pode ter ajudado a definir os objectivos a alcançar na Jornada Mundial da Juventude, que em Agosto de 2023 tem lugar em Lisboa?

L.R.S. –Este desafiante propósito também não é novo, mas tem vindo a assumir nos tempos mais recentes um carácter de urgência, o que faz com que a Igreja, que somos todos nós, se procure empenhar talvez mais. A sociedade está diferente, com novas realidades humanas que os jovens sempre personificam e o Encontro Mundial das Famílias colocou isso em evidência. Todos dizemos que deve ser dada atenção aos jovens, o que significa educá-los para os valores humanos e, no nosso caso, cristãos, mas também integrá-los nas decisões, dar-lhes responsabilidades, contar verdadeiramente com eles. Mas é importante passar da teoria à prática, e é aí que este Papa tem dado passos significativos, concretos; por exemplo, quando criou, no seguimento do Sínodo dos Jovens, um conselho de jovens conselheiros do Papa, precisamente através do Dicastério para os Leigos, Família e Vida. Não estão lá os jovens de todo o mundo, mas estão estes que representam os outros. São um grupo multicultural e empenhado, que gostei muito de conhecer na abertura universal do Sínodo, no Vaticano. Também por experiência própria, sou mãe de dois jovens, acredito muito nas novas gerações, digo isto porque o sinto, o vivo com o meu filho e filha e os amigos deles. Os jovens de hoje são empenhados e talvez até mais diligentes que as anteriores gerações em algumas áreas, como a ambiental e a dos Direitos Humanos. Digamos que são muito zeladores e atentos, sabem que o futuro vai estar nas mãos deles.

CL – Já esteve envolvida na organização de outras edições da JMJ. O que podemos esperar de diferente no próximo ano? Uma novidade é a inclusão do Beato Carlo Acutis na lista dos patronos da edição de Lisboa…

L.R.S. –Sim, participei ao serviço da JMJ nas áreas da Comunicação, sobretudo no acolhimento aos jornalistas de língua portuguesa, em Cracóvia (2016) e no Panamá (2019), duas experiências maravilhosas que também fortaleceram em mim este respeito e confiança nos jovens; no Panamá com a alegria acrescida de apresentar a conferência de imprensa de transição da Cidade do Panamá para Lisboa como sede da JMJ. Numa determinada fase, antes de ser nomeada para a Comissão de Comunicação da Secretaria-Geral do Sínodo (Vaticano), colaborei com o COL [Comité Organizador Local] de Lisboa; agora não estou tão dentro dos preparativos, mas tenho certeza que vai ser uma festa, de fé e de cultura. Portugal sabe receber muito bem, somos um país de gente acolhedora e com muito para conhecer, e estamos habituados a organizar e acolher grandes eventos. Venham muitos que cá vos receberemos de braços abertos, também daí de Macau e da China. O Papa Francisco, numa mensagem vídeo que dirigiu em Março deste ano aos jovens pediu-lhes uma JMJ com a fantasia da criatividade, pediu um encontro original. Gostei de o ouvir! Ele pediu-nos isso porque sabe que somos capazes. Quanto aos patronos da JMJ Lisboa 2023, felicito a escolha que a organização fez, por ir buscar bons modelos para a juventude, para que os jovens e os menos jovens percebam que a santidade não é algo lá no fim da linha, mas um caminho que se pode concretizar no dia-a-dia, às vezes em pequenos gestos. Por isso, o Beato Carlo Acutis fica tão bem nesta listagem, um jovem como tantos outros, mas com um dom especial, o da entrega de si mesmo a Deus.

CL – Quanto ao Sínodo 2021-2023, começam a ser conhecidas as sínteses diocesanas que de todo o mundo chegaram à Santa Sé. A sua maioria resume as opiniões de leigos entrevistados ao longo de várias semanas, sendo de destacar uma quase unanimidade quanto à necessidade dos fiéis assumiram um papel de maior destaque no dia-a-dia da Igreja Católica. Depois de 2023 poderemos vir a ter uma Igreja mais laical e menos clerical?

L.R.S. –Não podemos dizer que vamos ter uma Igreja mais assim ou mais de outra maneira; alguns quererão que tudo mude, outros que fique na mesma, outros que se volte ao antigamente. O Espírito Santo que guia este processo sinodal saberá mais que nós. A meu ver já seremos uma Igreja diferente, porque pela forma como este Sínodo está a acontecer já se pressente a mudança para uma Igreja que quer ser mais acolhedora e integradora. Recentemente em Portugal, na Assembleia Nacional Sinodal promovida pela Conferência Episcopal Portuguesa, representei o grupo coordenador sinodal da minha diocese, Leiria-Fátima. Na primeira conferência, o teólogo Borges de Pinho referiu que o processo sinodal em curso é o acontecimento mais importante depois do Concílio Vaticano II e eu quero acreditar profundamente nisso. Gostaria que a Igreja fizesse o “aggiornamento” que então foi anunciado. Na Comissão de Comunicação que integro no Vaticano chegam-nos sinais claros que se está a fazer o certo no momento certo, por iniciativas várias que foram realizadas na fase local do Sínodo em todo o mundo. Do que tenho acompanhado das sínteses diocesanas que têm sido partilhadas e também já das primeiras sínteses que as conferências episcopais divulgaram, há esse sentir comum da necessidade do reforço da presença e do papel dos leigos e, já agora, porque falámos em jovens, dos jovens. As mudanças que o Papa tem efectuado, as nomeações, as reformas, já fazem pressentir que estes aspectos vão ser tidos em conta. A mim, pessoalmente, apetece dizer, de uma forma geral: “assim seja”. Há um pormenor que tenho achado interessante: até há bem pouco tempo, alguns padres e bispos quando diziam “Povo de Deus” parecia que falavam de outros que não eles, como se eles não fossem Povo de Deus. Agora quando falam já se integram, o que me parece significativo. Depois, até pelos apelos que o Papa Francisco tem feito, nós, leigos, sentimo-nos mais corajosos, mais chamados a agir. Isso é muito bom.

CL – Haverá também uma maior aproximação da Santa Sé às denominadas periferias, em resultado da criação de mais canais de diálogo com vista a melhor escutar as comunidades católicas mais fragilizadas?

L.R.S. –O propósito do Papa Francisco da escuta às periferias não ficou por fazer neste Sínodo, mas não sei se se terá concretizado completamente, refiro nesta primeira fase. Mas este Sínodo é diferente em tudo e é um processo em que se faz fazendo – a irmã Nathalie Becquart, sub-secretária do Sínodo, usa muito a expressão “learning by doing”, e a meu ver é mesmo isso. Pode não estar tudo já feito, mas temos de fazer por isso, não desistir. Um exemplo concreto: para a edição da “Newsletter” do Sínodo chegavam-nos relatos de reuniões e iniciativas sinodais em lugares do mundo onde a Igreja é minoria, onde é perseguida ou mesmo vive escondida, de pessoas e grupos que apesar das tantas dificuldades – e também esperanças! – queriam contribuir. Apetece dizer-lhes bem alto “Obrigada”, pelo esforço, pelo entusiasmo e pela fé. Em lugares longínquos, em campos de refugiados, em lugares escondidos, houve pessoas empenhadas na tradução dos documentos do Sínodo para as línguas locais, na organização de encontros sinodais, para que todos pudessem participar, e outros exemplos que nos dão alento em continuar. E há também quem reze pelo Sínodo, o que é tão importante, quem reze sozinho ou na sua comunidade, à frente de todos ou mais escondido.

José Miguel Encarnação

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