«A paisagem educacional em Macau está a mudar para melhor»
Foi criado há três anos com o propósito de ajudar a fomentar em Macau uma cultura de investigação focada no desenvolvimento educacional, mas a pandemia de Covid-19 acabou por levar ao cancelamento ou à suspensão de vários dos projectos em que estava envolvido. Reorganizado pouco mais de um ano depois de ter sido fundado, o Centro de Investigação em Educação D. Domingos Lam da Universidade de São José continua a fazer da educação inclusiva uma das suas principais apostas, explica Ana Correia. Especialista em educação especial e inclusiva, a directora do organismo em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Quando o Centro foi lançado, em 2019, propôs trabalhar tendo por base sete grandes linhas de investigação. Que tipo de actividades foram desenvolvidas ao longo dos últimos três anos?
ANA CORREIA – O Centro teve como primeiro director o professor Keith Morrison. Ele estabeleceu essas linhas de investigação, mas um ano depois, aproximadamente, quando eu me tornei directora, o Centro foi reorganizado. Um processo de consulta, envolvendo diversas unidades académicas, foi conduzido. Este processo ajudou a decidir que áreas de investigação seriam mais interessantes para os nossos depositários e para a comunidade educativa, em geral.
CL– Se bem me recordo, a educação inclusiva era uma das linhas de investigação privilegiadas pelo Centro. Esta questão continua a ser vista como uma prioridade?
A.C. – A educação inclusiva continua a ser uma das linhas de investigação com mais força. Antes de mais, temos o apoio do bispo D. Stephen Lee. Ele é o grande impulsionador do desenvolvimento da educação inclusiva em Macau. Creio que não é errado afirmar que uma das suas grandes paixões é a educação inclusiva. Continuamos a trabalhar nesta área e há vários projectos que foram desenvolvidos. De uma forma geral, a investigação foi prejudicada pelo Covid-19; foi prejudicada em todos os aspectos, não apenas no domínio do trabalho de campo. Muitos projectos foram cancelados, porque se tornou impossível conduzir entrevistas e a observação foi-nos vedada durante muitos meses. Estou certa que se recorda que as escolas fecharam. Houve um vasto período de tempo em que quase nada pôde ser feito…
CL– Mas houve projectos que chegaram a bom porto…
A.C. – Sim. Deixe-me dar-lhe um exemplo. No início deste mês foi publicado um artigo no “Journal of Research in Special Education Needs”. Ora, este artigo aborda a participação dos estudantes com necessidades educativas especiais nas escolas de Macau. Este é um tópico muito importante, porque a maior parte da investigação sobre educação inclusiva feita até agora está centrada nos professores e nos directores das escolas, mas é imperioso dar voz também aos alunos. Eles também têm uma palavra a dizer sobre a sua experiência, sobre as suas dificuldades. A oportunidade de dar voz às suas dificuldades, aos seus interesses, às suas preferências, raramente lhes é dada. Este artigo é um bom contributo para que todos os intervenientes no sistema educativo de Macau possam compreender quais são as futuras linhas de trabalho e de investigação nesta área. Descobrimos que os estudantes, algumas vezes, não são ouvidos com a devida atenção e não recebem apoio suficiente nas escolas.
CL– As escolas de matriz católica sempre foram, por natureza, inclusivas. Em Macau foram pioneiras no acolhimento a alunos com necessidades educativas especiais e anteciparam-se a uma tendência que está, hoje, generalizada…
A.C. – Penso que a paisagem educacional em Macau está a mudar. E está a mudar para melhor. Há uma maior atenção a esta dimensão da educação. Actualmente, quase todas as escolas estão sob a tutela dos Serviços de Educação. Já não podemos dizer que as escolas privadas são a maioria, porque quase todas as escolas, e não estou a considerar aqui as escolas públicas, recebem subsídios do Governo. Temos um sistema misto e essas escolas estão a receber e a aceitar alunos com necessidades educativas especiais e a criar as suas próprias equipas especializadas. As escolas estão, parece-me, a fazer o que está ao seu alcance para melhorar o seu desempenho neste domínio concreto.
CL– Que aspectos pedagógicos distinguem as escolas católicas das demais escolas de Macau? Ou as diferenças estão cada vez mais esbatidas?
A.C. – Parece-me que as escolas católicas, tendo por base os princípios e valores católicos, sempre foram, de uma forma geral, mais abertas e mais acolhedoras, acomodando todo o tipo de alunos. Em Macau esta abertura está enraizada em mais de um século de história e eu acredito que ainda é uma característica relevante. Mas, hoje em dia, a diferença entre escolas católicas e não-católicas, no que diz respeito à forma como abordam a educação inclusiva é menos clara. De uma forma geral, o nível de aceitação da diversidade é maior do que era no passado. As escolas católicas, obviamente, seguem os princípios católicos e um dos valores mais básicos é a inclusão propriamente dita: incluir todos os alunos numa mesma comunidade, porque todas as crianças merecem a mesma atenção, merecem receber o mesmo cuidado da parte dos adultos e da parte dos que são responsáveis pela sua educação.
CL– Dizia no início desta conversa que o Centro passou por um processo de reorganização. Quais são, actualmente, as principais prioridades em termos de investigação?
A.C. – Bem, o Centro tem três grandes linhas de investigação. Uma dessas linhas de investigação está direccionada para as mudanças educacionais e para a responsabilidade. Esta abrange três áreas muito distintas, uma das quais é a educação inclusiva. Há uma outra centrada no diálogo cultural, filosófico e religioso. Este aspecto é muito importante para a Universidade de São José, na qualidade de universidade católica. Há ainda uma terceira área – Criança, Família e Estudos Comunitários – que é explorada em colaboração com os nosso colegas na área de Serviço Social. Estes colegas têm um papel mais aprofundado na investigação que é conduzida nesta área. E depois temos uma segunda grande linha de investigação, que é muito importante para nós: o Desenvolvimento Profissional, Liderança e Avaliação. A Universidade de São José desempenha um papel muito importante na preparação de professores. Temos um bacharelato em educação e oferecemos uma pós-graduação em Educação em três línguas, direccionada para o Jardim-de-Infância, para o Ensino Primário e para o Ensino Secundário. Estamos a apoiar e a promover a formação de professores desde 2014. Está área de investigação é, obviamente, muito estimada e é muito importante para nós. É uma das áreas em que somos mais fortes. Diria que a terceira área – a da Criatividade e da Inovação – apesar de ser muito importante, ainda está menos desenvolvida. Está a tornar-se, no entanto, cada vez mais importante, com o aparecimento de um maior interesse no ensino electrónico, no ensino à distância, na literacia digital, na tecnologia, na aprendizagem aplicada e em tudo o mais que está relacionado com a pandemia de Covid-19. No futuro, espero que haja mais pessoas a fazer investigação em domínios como a literacia digital e as novas tecnologias da informação. É uma nova tendência.
Marco Carvalho