Portugueses: os vários incêndios do Verão
Refiro-me aos incêndios que reduzem a cinza as florestas. E os incêndios políticos que reduzem a nada a expectativa dos jovens e a vida toda dos mais velhos. Estou a pensar, respectivamente, em Portugal e na Venezuela.
Portugal está a arder? Sim, como quase todo o sul da Europa, onde as temperaturas altas e mãos criminosas destroem o que representa património comum, de há séculos, dos países e de seus povos. E que, constituindo um dos elementos mais preciosos da sua geografia, como que molda a maneira de ser das pessoas e das nações.
Mais do que meras espécies vegetais, pois, o que o fogo queima, o que desaparece em cada incêndio, para além de tudo o resto, é História e é Memória.
E essas grandes calamidades fazem sobressair negligência e culpa, acentuando, ao mesmo tempo, falhas nos sistemas de prevenção, a ausência de coordenação preventiva, à escala do continente. E faz surgir uma resposta, mais ou menos coordenada, a que as ocorrências análogas dos Verões, dos anos mais recentes, obrigaram Governos nacionais e instituições comunitárias.
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Passei, no último fim de semana, uma ociosa tarde de Domingo, na minha aldeia beirã ouvindo, a espaços regulares, os aviões-tanques despejarem os seus depósitos de água sobre as labaredas que, sem piedade, vão consumindo áreas apreciáveis de floresta, numa região vizinha.
Era a exemplificação no terreno, bem próximo de mim, do que os telejornais nos mostram e as estações de rádio reportam, no correr dos dias: novos focos de incêndio que são identificados num lugar, que ressurgem noutro, casas ameaçadas, animais mortos e pastagens destruídas, zonas verdes reduzidas literalmente a cinzas.
Populações inteiras afectadas no seu dia a dia, com um acrescido sentimento de vulnerabilidade e insegurança, e a perspectiva de um empobrecimento maior de muitas áreas já de si pobres.
Quanto aos danos físicos, lá estão os bombeiros a prestarem-se ao destino pouco cobiçado de heróis involuntários. Quanto aos danos morais, as equipas de psicólogos, médicos, voluntários e simples vizinhos complementam, junto dos mais afectados, aquilo que a solidariedade material activa não pode fazer – e tem feito muito: sarar as feridas profundas que permanecerão, como chagas vivas, talvez para sempre, na memória de cada uma das vítimas.
Dos que perderam entes queridos, perderam o tecto, perderam o emprego, perderam o ganha pão. Perderam, por vezes, já na velhice, o resultado de toda uma vida de trabalho e esperança.
“Ficar na miséria” – é aqui, não figura de estilo, mas expressão crua, no seu sentido o mais literal.
Quanto aos danos económicos, a contabilidade das perdas vai-se fazendo, conforme as possibilidades de municípios e competentes entidades governamentais.
Mas são estas últimas que estão, compreensivelmente, sob vigilância especial da opinião pública. Pelo modo como actuam e se coordenam. Pelo modo como se explicam às populações. Pelo modo como prometem que o que está a acontecer não se repetirá… até para o ano, quando o inferno recomeçar!
Tem sido assim. Poderá começar a ser diferente, com o preço humano e material pago com tragédias como a de Pedrógão Grande? Com tragédias que apontam para a negligência política na gestão do nosso património florestal? Onde interesses económicos individuais ou de grupo se sobrepõem à divisão racional do território, e à imposição de regras inflexíveis sobre limpeza das suas áreas por cada proprietário?
Um “bombeiro” especial
Agir, não falar: as situações de calamidade pública são verdadeiros testes à eficácia dos políticos e do modo como respondem, para além dos discursos no Parlamento ou dos comícios partidários, às situações concretas de aflição dos seus concidadãos.
Um bombeiro especial surgiu, neste emaranhado de incêndios e aflições, perdas humanas e perdas materiais, lutos e vidas destroçadas. Esse bombeiro especial (digo-o afectuosamente e com acrescido respeito) foi e tem sido o Presidente da República. “Marcelo vai a todas!”, ouvi a crítica aqui, da parte de pessoas que desconfiam da genuinidade das intenções e desaprovam a excessiva exposição pública da figura institucional. Não concordo nem com uns, nem com outros. Concordo com Marcelo.
Dizia-me há dias um familiar próximo, emigrante no Luxemburgo, que muitas vezes na vida mais vale o afecto de um abraço ou a palavra reconfortante de consolo e estímulo do que o envelope anónimo da ajuda monetária.
Marcelo é um bombeiro especial. Saúdo-o por isso. E pela sua indiferença ao lidar com a crítica dos despeitados…
A Venezuela está a arder?
Sim, é outro tipo de incêndio, mas está a arder. E por isso a Venezuela está a ficar sem os portugueses.
A teimosia de Nicolas Maduro, e a catastrófica situação económica que é sua consequência directa, fez sair da Venezuela milhares de portugueses que têm constituído, há décadas, como é sabido, uma das malhas mais importantes do tecido empresarial do País.
Só quem é politicamente cego, porque bebe ideologia, em vez dos alimentos habituais ao comum dos mortais, todos os dias desde o pequeno almoço, é que não percebe (ou não quer perceber) que as suas opções políticas são meras justificações de sobrevivência no poder e não programas inclusivos de reconstrução do presente e de preparação do futuro.
Maduro, homem impreparado para a função suprema do Estado – que os acasos da revolução chavista colocou no lugar improvável de herdeiro político do fundador – não consegue sair da barricada política em que se colocou. As pontes que ainda tentou construir foi-as destruindo com os seus ataques à oposição, múltiplas rupturas de diálogo e perseguição dos respectivos líderes.
Quebrou-se por isso o contrato de confiança entre a numerosa comunidade portuguesa e de luso-descendentes e o poder político actual, como garante de segurança e ordem pública. E os luso-venezuelanos votaram “com os pés” na eleição de Domingo para a farsa que é a assembleia constituinte. Os portugueses saíram e estão a sair, tentando refazer as suas vidas fora. Ou no regresso à sua Madeira natal, ou em Espanha, principalmente.
Quem ganha aparentemente é Maduro, numa vitória de Pirro. Mas quem perde finalmente é a Venezuela.
Carlos Frota
Universidade de São José