Visita ao Bairro de Santa Conceição em Banguecoque

Nossa Senhora das Mercês e o bisneto do embaixador

Quando se fala da comunidade luso-descendente na Tailândia vem de imediato à ideia a nossa presença secular na antiga capital do Sião, a cidade de Ayuthaya, onde chegámos no ido ano de 1511, de acordo com registos históricos. Mas quando se fala da nossa presença na actual capital do Reino da Tailândia, Banguecoque, muitos pensam que os portugueses se instalaram na área que hoje se conhece como Santa Cruz. No entanto, tal não é verdade pois o primeiro bairro português nasceu precisamente do lado oposto do rio Chaopraya, do lado onde iria nascer a cidade de Banguecoque. Santa Cruz fica em Thonburi, onde o primeiro – e único – rei (Taksin) de Thonburi se instalou quando saiu de Ayuthaya. Os descendentes de portugueses, na sua maioria militares, teriam ficado com um terreno cedido pelo Rei Taksin, fora da cidade real, onde seria mais fácil desempenharem a sua função militar, em caso de ataque das forças inimigas à cidade e à família real.

Por sua vez, o Bairro de Santa Conceição (com a igreja da Imaculada Conceição) nasceu em 1674 num terreno cedido pelo Rei Narai, o Grande, ainda durante o período de Ayuthaya, numa zona de Banguecoque conhecida como Samsen (perto de Dusit). Segundo um historiador de origem portuguesa, entretanto falecido, Pairote Posai, a maioria dos habitantes eram descendentes dos luso-siameses de Ayuthaya, sendo que a comunidade cresceu com a chegada de católicos exilados do Camboja – trouxeram com eles uma imagem de Nossa Senhora das Mercês, que ainda hoje se encontra na igreja. De acordo com as crónicas reais, o terreno foi cedido a um grupo de religiosos para ali construírem a primeira igreja da Imaculada Conceição, cuja capela ainda existe atrás do santuário. Os habitantes da zona eram, na sua maioria, de etnia Kuy e Kuai, assim explica uma placa existente no local. A igreja actual foi construída em 1836, já estando o Bairro povoado por católicos luso-descendes, cambojanos e vietnamitas.

O Bairro de Santa Cruz viria a nascer 95 anos depois (1769), diz Pairote Posai numa pesquisa que efectuou para as comemorações dos 300 anos da igreja da Imaculada Conceição, assinalados em Dezembro de 1974.

Para além de Santa Cruz, em terreno também cedido pelo Rei Taksin aquando da evacuação dos seus súbditos de Ayuthaya, juntamente com os luso-descendentes, há ainda outro bairro, já todo assimilado por outras etnias, em redor da igreja do Rosário, na zona onde fica a Embaixada de Portugal.

Em conversa com o único residente do Bairro de Santa Conceição que fala Português, Net Jirawach Wongngermyuang, um jovem, filho de um capitão da Marinha Real Tailandesa e bisneto de um antigo embaixador do Reino da Tailândia na Itália, confirmámos que o Bairro de Santa Conceição, o primeiro na nova capital, nasceu de um terreno cedido pelo Rei Narai, o Grande, em 1674, enquanto que o Bairro de Santa Cruz foi construído num terreno atribuído pelo Rei Taksin, em 1769, numa área conhecida como Wat Santa Cruz Kudi Chine, perto do Templo Kanlayanamit, em Thonburi, que ainda hoje representa a comunidade luso-descendente e onde foi instalado um museu sobre a presença portuguesa na Tailândia.

Ao narrar um pouco da história que explica o porquê dos portugueses serem favoritos na Corte de Ayuthaya, salienta o facto dos reis se sucederem em catadupa, devido a traições, usurpação do poder e assassinatos. Num desses episódios, que alguns historiadores situam entre 1615 e 1616, os militares portugueses ajudaram o Rei Songtham a derrotar um grupo de rebeldes liderados por japoneses, que tentaram matar o monarca. Como forma de gratidão, entre outras medidas, o Rei Songtham mudou a Lei Criminal Real que proibia o casamento de mulheres siamesas com estrangeiros que não fossem budistas. A lei foi abolida, abrindo caminho ao aparecimento da comunidade luso-tailandesa. Ao mesmo tempo, aos militares portugueses foi-lhes autorizado viverem em terra firme – antes habitavam em barcos – construir habitações e praticarem livremente a sua religião.

Actualmente ainda residem no Bairro de Santa Conceição cinco famílias luso-tailandesas, mas a tendência é para cada vez mais mudarem para outros locais da cidade. Estando completamente assimilados pela sociedade tailandesa é difícil manterem as tradições. A existência de uma igreja não é suficiente para convencer as novas gerações da importância do seu legado cultural e religioso.

 

Visita guiada

Efectuámos uma visita ao Bairro de Santa Conceição com a ajuda de Net Jirawach Wongngermyuang, luso-descendente da família Dias, uma das cinco que ainda residem no Bairro Português da capital tailandesa. As outras quatro famílias têm por apelidos Ribeiro, De Horta, e Fonseca e Costa, podendo as suas campas ser visitadas no cemitério do Bairro de Santa Conceição. Net nunca estudou Português de forma sistemática, mas sentiu o apelo de aprender a língua dos antepassados. A família é tão antiga que não há registo do primeiro “Dias” que chegou de Portugal, ou muito provavelmente de Macau, dado que a maioria dos portugueses, designadamente, os mercadores, eram provenientes de famílias estabelecidas na antiga colónia portuguesa na China.

Chegar à igreja da Imaculada Conceição não é tarefa fácil, sem se saber falar Tailandês. E mesmo para quem fala a língua é complicado. Na viagem que efectuámos a partir de Thonburi só há terceira tentativa encontrámos um taxista que nos conduziu até ao local. Depois de chegarmos ao Bairro também não foi fácil encontrar a igreja. Primeiro deparámo-nos com a imponente igreja de São Francisco Xavier, com a sua escola privada – instituição somente para raparigas e uma das mais caras de Banguecoque.

Na “Igreja da Concepção” – assim denominada em Tailandês (Wat Conception) e Inglês (Conception Church) – sentimos que estamos nas imediações do rio, outrora a via de comunicação mais utilizada na capital do Reino. Descobrir todos estes detalhes, assim como identificar as casas das famílias luso-descendentes e outros pequenos pormenores, só é possível com a ajuda de terceiros. Net é contacto quase obrigatório para quem queira visitar o Bairro. Em jeito de curiosidade, é casado com uma tailandesa de origem chinesa e vai ser pai muito brevemente. Com pouco mais de trinta anos e uma carreira no sector da logística de carga, sente um orgulho enorme no seu passado lusitano. Tal sentimento e o desejo de conhecer melhor os antepassados levou-o a concluir o 12º ano em Sintra, impulsionado pelo pai. «Foram dez meses em Portugal que nunca mais irei esquecer», confessou a’O CLARIM. Aprendeu a falar e a ler Português a partir do nada, e tudo o que sabe deve-o à família de acolhimento e aos amigos que fez em Algueirão. Hoje pratica com quem aparece, com os amigos em Portugal, via Skype e Facebook, e quando não existe mais ninguém fala sozinho.

Ainda que já tenham passado alguns anos desde a estadia em Portugal, Net procura sempre os eventos de cultura portuguesa que se vão realizando em Banguecoque e foi com a sua mulher em 2016 a Portugal para reavivar as emoções lá vividas.

Dessas férias regressou a casa como da primeira vez: apaixonado pela cultura dos seus antepassados e decidido a fazer algo mais. Por estar tão convencido de que vale a pena preservar algo que é único na Tailândia, pensa, num futuro próximo, abrir no Bairro que o viu nascer e crescer um espaço culinário ligado à boa comida portuguesa. Lamenta que «não haja muitos jovens luso-descendentes – como ele – com interesse na cultura dos antepassados de origem portuguesa», acentuou, sentado em torno de uma mesa de café, em que se falou Português, Tailandês e Inglês.

João Santos Gomes

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