À descoberta dos Santos de Portugal
Sabe quem são os santos portugueses? Sim, claro, lembrar-se-á facilmente dos pastorinhos de Fátima, os mais recentes. Mas sabe que o primeiro santo português nasceu no ano de 1082, e foi amigo próximo e conselheiro de D. Afonso Henriques? Ou que um dos nossos santos é Doutor da Igreja, uma das maiores honras que se lhes pode conceder? Hum, já vi que despertámos a sua curiosidade.
Existem santos desde que existe a Igreja. Pessoas boas, de carácter, que servem de exemplo de fé, dedicação, empenho, a todos quantos professam a fé católica, e não só… E Portugal não foge à regra. São nove os santos portugueses, canonizados pela Igreja Católica, dez se contarmos com a excepção de Santa Joana Princesa, que, apesar de ser chamada de santa, é apenas beata.
Para melhor os conhecermos, percorremos o País à procura dos seus locais de origem, do que ainda pode ser visitado, a fim de que se possa conhecer melhor cada um deles. É uma boa sugestão de viagem para a família, pois alia a beleza do nosso país e do património religioso às histórias destas figuras que tanto nos podem inspirar a todos.
SÃO TEOTÓNIO
O mais antigo é São Teotónio, amigo e conselheiro de D. Afonso Henriques. Nascido em Ganfei, no lugar de Tardinhade, que hoje todos conhecem por lugar “do Santo”, em 1082, está erigida sobre o seu local de nascimento uma capela em sua honra, que guarda uma relíquia com um pedaço do seu braço. Ao lado da capela, a Fonte do Torninho, onde São Teotónio, em criança, ia buscar a água que, conta a devoção, tem propriedades milagrosas.
São Teotónio terá sido baptizado no mosteiro beneditino de Ganfei, onde ainda hoje existe a igreja românica e a pia baptismal.
Muitas vezes representado com a mitra aos pés e o báculo na mão, recusou a ordenação episcopal depois de alguns anos como sacerdote em Viseu, que hoje o acolhe como padroeiro. Destacava-se então pelo cuidado que dava aos mais pobres, e à forma como evangelizava o povo. Assume funções de prior no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, que fundou com mais onze sacerdotes, e inicia uma longa relação de amizade com D. Afonso Henriques, a quem criticou por ter regressado de uma conquista em terras da Andaluzia com muitos despojos e prisioneiros.
Foi em Santa Cruz que faleceu, e é lá que ainda hoje está o seu túmulo, juntamente com o do seu amigo D. Afonso Henriques, que ali quis também ser sepultado.
SÃO JOÃO DE BRITO
Grande evangelizador das Índias, nasceu a 1 de Março de 1647, entrou na Companhia de Jesus no final da adolescência e dedicou toda a sua vida a evangelizar os povos naquele país, onde foi martirizado e acabou por morrer, em 1693.
Não há já registos dos locais onde nasceu e por onde terá passado em Lisboa, fruto das consequências do terramoto. Num tempo em que levar o Evangelho aos gentios era uma missão arriscada, João conseguiu fazê-lo, nunca procurando o seu conforto, ou sequer algum benefício político. Também por isso, a sua missão enfrentou várias dificuldades e os frutos do seu trabalho, muito bem recebidos pelas populações, que baptizava aos milhares, demoraram a ser reconhecidos pelos seus pares. No entanto, esse reconhecimento chegou, e foi nomeado Superior da Missão do Madurai, na Índia. Foi martirizado em Oriur.
SANTO ANTÓNIO DE LISBOA
É, possivelmente, dos santos mais populares que existem, e também Doutor da Igreja. Nascido Fernando de Bulhões, numa família da pequena nobreza, algures entre 1191 e 1195, entra aos dezoito anos na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no Mosteiro de São Vicente de Fora, a mesma Ordem de São Teotónio. Dois anos depois vai para o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, mas decide deixá-lo para ingressar nos franciscanos, com o objectivo de seguir o exemplo dos mártires de Marrocos, e adopta o nome de António.
Uma tempestade impede-o de regressar a Portugal vindo do Norte de África, e leva-o para Itália, onde irá permanecer até morrer, em Arcella, perto de Pádua. Menos de um ano depois estava a ser canonizado, por causa da sua fama de santidade, milagres e pregações.
Em Lisboa, a sua presença é muito forte. São-lhe atribuídos milagres como o da ressurreição do morto à porta da igreja de São João da Praça, para salvar o pai da forca, e a ele são ainda dedicadas as “causas perdidas”, sendo que a mais conhecida será a dos casamentos.
Na Capela do Vale de Santo António, erigida onde se diz que Santo António descansou antes de partir para o Norte de África, é possível ver nas paredes todos os milagres que lhe são atribuídos, assim como uma relíquia do próprio santo. Na Sé, mantém-se o baptistério no local original, onde também o santo foi baptizado, mas a pia não é já a mesma.
Muito venerada é também a igreja de Santo António, construída sobre a casa do santo, que conserva ainda o espaço que teria sido o quarto onde nasceu. Ao lado, o museu dedicado ao santo mostra vários aspectos da sua vida.
SÃO JOÃO DE DEUS
João Cidade nasceu em Montemor-o-Novo, em 1495. Tendo sido pastor e soldado, foi como livreiro ambulante que se fixou em Espanha, em Granada.
Depois de ouvir São João de Ávila, converte-se e, em virtude de alguns comportamentos mais estranhos que alguns classificaram como loucura, foi internado no Hospital Real de Granada, onde foi tratado com os métodos violentos da época.
Muito traumatizado com o tratamento dado a esses doentes, decidiu começar a tratá-los com humanidade, e nasce assim uma história de entrega ao próximo que até hoje levou a que existam centenas de hospitais da Ordem de São João de Deus dedicados ao trabalho na área da saúde mental.
Em Montemor-o-Novo, de onde é originário, existem hoje a igreja matriz e a cripta que está construída sobre o local onde foi a sua casa. Com o terramoto de 1755, que destruiu a igreja matriz, dentro das muralhas, esta passou a ser a igreja matriz e recebeu a pia baptismal onde São João de Deus foi baptizado, que resistiu ao terramoto e ali foi colocada.
SANTA BEATRIZ DA SILVA
Nascida em Campo Maior, em 1424, Beatriz torna-se aia da princesa Isabel de Portugal, sua prima. A sua enorme beleza causou-lhe alguns dissabores, nomeadamente na corte da prima, que a tentou matar sufocada dentro de um baú, mas Nossa Senhora apareceu-lhe e salvou-lhe a vida, pedindo-lhe que fundasse uma ordem religiosa dedicada ao serviço e louvor da Imaculada Conceição. Assim o fez, e foi assim que nasceram as Monjas Concecionistas há mais de 500 anos.
Depois de perdoar a rainha, retirou-se da corte e mudou-se para Toledo, para o convento de São Domingos das monjas dominicanas, onde, sem professar os votos, ali permaneceu mais de trinta anos em oração e entrega a Deus até falecer.
Em Campo Maior, a casa-museu de Santa Beatriz da Silva, que foi construída sobre a habitação onde nasceu, e que foi a única estrutura a resistir a uma tempestade de relâmpagos que destruiu os outros edifícios do local, serve de memória à vida da santa.
RAINHA SANTA ISABEL
«São rosas, Senhor, são rosas». Esta será, provavelmente, a frase mais conhecida de Isabel, Rainha de Portugal, nascida a 11 de Fevereiro de 1270. É em Coimbra que repousa a Rainha Santa, como é conhecida, no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Não nasceu portuguesa, mas aos onze anos casou por procuração com D. Dinis, e algum tempo depois veio para o nosso país, pelo que poucos serão os que a consideram espanhola.
Enquanto rainha, não era esperado que estivesse tão próxima do povo, mas a verdade é que descia dos seus aposentos e ia ao encontro dos mais necessitados, de quem ela cuidava com as suas próprias mãos. E é destes gestos que não caíam bem junto do rei, mas que contribuíram muito para a fama de santidade, que surge o famoso milagre das rosas.
No Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, o seu corpo incorrupto está colocado num túmulo que atrai visitantes e devotos de todo o mundo. A sua mão direita, que descaiu na altura da trasladação em 1696, manteve-se assim por ordem de D. Pedro II, sendo venerada por todos os devotos e tendo estado visível em 2016, na altura das comemorações dos quinhentos anos da sua canonização.
FREI BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES
Em Lisboa nasceu e foi baptizado, em 1514, na igreja dos Mártires, de que tomou o nome, mas foi em Braga que deixou a sua marca. Frei Bartolomeu dos Mártires foi canonizado pelo Papa Francisco em 2019. Enquanto arcebispo, visitou todas as paróquias da arquidiocese, mais de mil e 200, ensinando e cuidando dos seus fiéis, algo inusitado para um arcebispo daquele tempo.
A falta de conhecimentos que encontrava levou-o a escrever cerca de trinta obras, que mantêm hoje muita actualidade.
Nas suas visitas, usava um altar portátil, que hoje pode ser visto no Museu Pio XII, em Braga, juntamente com a cruz processional que fazia questão de oferecer a todas as paróquias que visitava.
Foi um visionário, e participou no Concílio de Trento, onde chegou a propor, entre outras coisas, a utilização da língua vernácula para a Eucaristia, medida que só foi aprovada pela Igreja no Concílio Vaticano II, mais de quatrocentos anos depois.
Fundou o Seminário de Braga, e a igreja de São Paulo.
Descansa agora em Viana do Castelo, na igreja de São Domingos, onde é possível visitar o seu túmulo e muitas referências à sua figura.
SÃO NUNO DE SANTA MARIA
É um dos santos mais recentes, tendo sido canonizado em 2009. Mas viveu nos tempos áureos da luta pela independência portuguesa, nos Séculos XIV e XV – nasceu a 24 de Junho de 1360 –, sendo um dos militares mais respeitados do País. Encontra-se sepultado na igreja do Santo Condestável, em Lisboa, erigida em 1951 pelo cardeal Cerejeira para dar resposta à necessidade de encontrar um espaço digno para o seu túmulo, que o terramoto havia destruído.
A bravura em batalha valeu-lhe o cognome de Condestável, expressa na famosa táctica do quadrado na batalha de Aljubarrota, que ajudou a garantir a independência portuguesa.
Dessa memória, o Mosteiro da Batalha, mandado construir por D. João I, como agradecimento pelo resultado da batalha de Aljubarrota, homenageia a figura de São Nuno com uma grande estátua à sua porta.
SANTOS FRANCISCO E JACINTA MARTO
Francisco e Jacinta Marto foram canonizados pelo Papa Francisco em 2017, durante as comemorações do Centenário das Aparições de Fátima. Nasceram e cresceram nos Valinhos, em Fátima. Ainda é possível visitar as suas casas, que foram mantidas conforme eram usadas, e perceber o tipo de vida simples e humilde que os jovens pastorinhos levavam.
Para compreender melhor todo o seu crescimento, é inevitável uma deslocação à igreja paroquial de Fátima, onde iam à Eucaristia com os seus pais, e onde passaram a ir com mais devoção, em especial Francisco Marto, que para lá ia ao encontro do «Jesus escondido» no Sacrário, como ele gostava de dizer. Subia as escadas em caracol e ali se deixava ficar, em silêncio, a rezar, sem nada dizer a ninguém. Uma experiência de silêncio que vale a pena fazer.
Mas não é apenas em Fátima que se escreve a história destes meninos. Tendo sido acometida pela doença, Jacinta vai para Lisboa, para ser tratada no hospital, mas não consegue vaga imediata, e é acolhida no orfanato que hoje é mosteiro das Irmãs Clarissas. Mesmo sendo de clausura, não fecham as portas aos milhares de fiéis que procuram o espaço, para ver o quarto em que Jacinta esteve, durante doze dias, até ser admitida no Hospital D. Estefânia.
RICARDO PERNA
Família Cristã