Venezuela, pobre Venezuela! Se eu tivesse que ensinar a um aluno distraído de Diplomacia, ou de Relações Internacionais, quais os princípios por que se rege a Igreja, para gerir ou mediar conflitos, diria uma única palavra: diálogo. Diálogo entre os órgãos do poder e a sociedade, nas suas diferentes instituições representativas.
Se, por outro lado, tivesse que lembrar a estudantes de Economia qual o objectivo último da sua disciplina, eu diria: partilha. Partilha de recursos de forma equitativa, de modo a estimular o desenvolvimento das capacidades de todos e não apenas de uma minoria de privilegiados, sejam eles militares ou civis.
Se tivesse que sugerir a governantes uma forma permanente de relação com os seus governados, eu proporia: escuta. Escuta das aspirações dos diferentes grupos sociais, desde os etários aos profissionais, desde os culturais aos associativos, desde a maioria às minorias. A escuta pressupõe assim que, quando metade da Venezuela está na rua, a exigir reformas, a resposta do poder não seja organizar uma ou muitas manifestações de apoio, mas organizar um grande e sincero debate nacional, para todos escutar, procurando o consenso o mais alargado para as soluções debatidas e encontradas.
E se me fosse pedida uma definição para as situações criadas quando falham o diálogo, a partilha e a escuta, eu avançaria, sem hesitação, para o conceito de crise social e política.
Foi isso que os bispos venezuelanos não tiveram qualquer dificuldade em ver e consequentemente qualificar a situação prevalecente no seu país. E por isso afirmaram há dias, sem hesitação: “a nação precisa de uma mudança de direcção, AGORA!”.
Concluindo a sua assembleia plenária em Caracas, os Bispos da Venezuela lançaram um novo apelo para a restauração da ordem constitucional e para a ajuda humanitária urgentemente necessária.
Para começar a reverter a dramática situação em que se encontra a Venezuela, os bispos venezuelanos afirmam que é urgente uma mudança política de direcção. “Diante da realidade de um Governo ilegítimo e falido”, a Venezuela clama por “uma mudança de direcção, um retorno à Constituição”, dizem eles.
Não poderia haver posição mais inequívoca, como bem se compreende!
Na mensagem emitida no final da Assembleia Plenária da Conferência dos Bispos Católicos da Venezuela, estes dizem que tal mudança exige “a saída da pessoa que exerce o poder de maneira ilegítima e a eleição, o mais breve possível, de um novo Presidente da República”.
Ora, nas conversações sob mediação norueguesa, em curso, dizem os responsáveis da delegação do Governo que a substituição de Maduro não está nem estará em causa. Então o que se discute?
As eleições, enfatizam os bispos, devem ser livres e responder à vontade do povo. Assim – continuam – o que é necessário são condições “indispensáveis”, como uma nova Comissão Eleitoral Nacional imparcial, a actualização dos registos eleitorais, a possibilidade de os venezuelanos que vivem no estrangeiro votarem e a supervisão do processo eleitoral por observadores internacionais.
Segundo os bispos, “a cessação da Assembleia Constituinte” também é necessária; e fazem um apelo às forças armadas e à polícia, para que trabalhem “de acordo com a justiça e a verdade e não a serviço de um partido político”, o que lhes permitirá erradicar as práticas actuais de perseguição e tortura dentro dos seus países.
A declaração dos bispos descreve uma situação “dramática” na nação, que piora em cada dia que passa, como indica o recente relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Este relatório destaca, entre outras situações, numerosos casos de detenções arbitrárias, tortura e maus-tratos, e violência e uso excessivo da força pelas forças de segurança do Governo.
O relatório também revela que, por mais de uma década, foram adoptadas e fortalecidas políticas que restringiram a democracia em diferentes esferas.
Esta situação, apontam os bispos, é composta pelo “êxodo de mais de doze por cento da população venezuelana; um êxodo causado pela situação política, o empobrecimento da classe média e o desprezo pelos pobres”.
Toda uma sociedade a reconstruir
A renovação ética e espiritual do País é “tarefa de todos”, defendem os prelados. Estes mostram-se preocupados com o facto de que “no contexto desta crise, a deterioração moral da sociedade estar a ganhar terreno, com as suas consequências de violência, falsidade, corrupção e irresponsabilidade, enquanto o desespero e o medo estão a crescer”.
A hierarquia católica do País considera que diante esta situação “uma das maiores tarefas da Igreja é construir uma sociedade mais justa, mais digna, mais humana, mais cristã e mais solidária”.
A mensagem dos bispos sublinha o facto de que a renovação ética e espiritual do País é “tarefa de todos” e que a participação de todos os sectores da sociedade é necessária para criar e implementar um projecto para “a reconstrução democrática da sociedade e da nação, na justiça, liberdade e paz, através de objectivos claros e tarefas concretas”.
Como bem se vê, a crise que começou por ser política em sentido estrito, passou a ser global, económica, cultural e espiritual.
Apelo à ajuda humanitária
Em relação à actual emergência humanitária, os bispos venezuelanos renovam o seu apelo por uma distribuição substancial de alimentos e medicamentos, com a participação e supervisão de organizações internacionais. Reiteram vontade de participar na distribuição da ajuda, especialmente através da rede Caritas.
Um dos aspectos mais negativos da actual situação venezuelana foi a instrumentalização da ajuda alimentar, dando a impressão de que os mais pobres e desesperados estão a ser peões indefesos de um enorme jogo de xadrez internacional que amplamente os transcende.
As intervenções do Papa Francisco e de outras Igrejas e Governos são devidamente sublinhadas na busca de uma solução para o conflito interno que dura há tempo demais.
A mensagem conclui reafirmando o compromisso da Igreja de “continuar a fortalecer a fé em Jesus Cristo, que cura e liberta e traz esperança ao nosso povo, através do desenvolvimento de programas de formação e promoção dos direitos humanos”, bem como através de uma educação de qualidade.
Os bispos não deixam de agradecer ao Papa Francisco, à Igreja e aos Governos de outros países, especialmente aos países vizinhos, pela sua proximidade.
Sínodo Especial para a Região Pan-Amazónica
Por último, a missiva faz referência ao Sínodo Especial para a Região Pan-Amazónica em Outubro próximo, que os bispos consideram “uma oportunidade para dar impulso à evangelização e à pastoral; reflectir e agir para proteger e cuidar dos povos indígenas e do Meio-Ambiente”, na perspectiva de uma ecologia integral, que garanta fontes de água e outros recursos naturais necessários para o País e para o planeta.
Carlos Frota