Francisco: novos recados à Europa

VATICANO E O MUNDO

Francisco: novos recados à Europa

Embora Pastor da Igreja universal, Francisco tem dedicado parte importante do seu pontificado à situação na Europa, dados os desafios múltiplos que tem enfrentado o Velho Continente, desde os sucessivos fluxos migratórios ao racismo e xenofobia, pobreza, fome, extremismo político, etc., etc.

Ficaram na memória as suas visitas ao Conselho da Europa e ao Parlamento Europeu, a 24 e 25 de Novembro de 2014, e as mensagens que deixou em ambas as instituições.

Na audiência geral de 22 de Setembro último, o Papa procedeu a uma reflexão sobre a sua recente viagem à Hungria e à Eslováquia, a que chamou de «uma peregrinação de oração ao coração da Europa».

Completando pois a minha última crónica que intitulei de “Um Domingo em Budapeste”, aqui tenho novo ensejo para regressar a tema que me é caro, porque no cerne mesmo de uma questão essencial que os cristãos europeus – e portanto os cristãos portugueses – não podem evitar, por mais tempo: Para onde vai a Europa?

E restrinjo aqui a minha abordagem ao ponto de vista cristão, porque o intuito final deste texto não é o de pôr em causa o projecto de construção europeia, mas de pensar nas direcções para o revitalizar, com os valores cristãos que podem trazer sangue novo à própria Europa, vista cada vez mais como uma “velha senhora cansada”.

IDEIAS FORTES

Quais as ideias fortes de Francisco na audiência geral?

A fé cristã na Europa está a ser «diluída pelo consumismo e pelas ideologias».

A resposta? É a «cura que vem da oração, do testemunho e do amor humilde» tão necessários hoje.

«Rezar, porque é para isso que o Povo de Deus é chamado antes de tudo: adorar, rezar, caminhar, fazer penitência, e nisto sentir a paz e a alegria que o Senhor nos dá», disse, acrescentando: «E isso é de particular importância no continente europeu, onde a presença de Deus se dilui no consumismo e nos “vapores” de um pensamento unitário que é fruto da mistura de antigos e novas ideologias».

UM NOVO POLITEÍSMO…

O novo deus maior do consumo e seus deuses menores, no Olimpo feérico de tecnologias muitas vezes inúteis, só para criarem necessidades artificiais conducentes à compra, quer dizer, ao consumo, sob o pretexto de que é isso que faz funcionar a Economia. Que Economia e para quem, são já outras questões, dirão! E vai daí a sua liturgia mercantilista, em plena Europa outrora cristã e centro da Cristandade, como em todo o mundo afinal.

Novas liturgias do consumo, dizia. Novos rituais materialistas, sugeria. Os supermercados pejados de gente ao Domingo, e as igrejas vazias. As raras procissões aventurando-se em ruas cheias de carros, enquanto os mirones olham curiosos para esse espectáculo de outra época, das esplanadas cheias dos cafés.

Este novo rosto da Europa descrente já todos o conhecemos, a que adicionamos as hordas de turistas que invadem as magníficas catedrais, também de outra era, sem quase pensarem que no interior daquelas paredes hoje silenciosas abrigaram gerações e gerações de gente anónima que ali rezou, restabelecendo continuamente a ponte mágica que liga os homens a Deus.

O POVO SANTO DE DEUS

O que viu Francisco nestas suas viagens? Ele próprio se interrogou: «O que eu vi? Um povo fiel que sofreu perseguição ateia. Também vi isso nos rostos de nossos irmãos e irmãs judeus, com quem nos lembrámos do sofrimento[do Holocausto]. Porque não há oração sem lembrança», disse.

O Papa encontrou-se com membros das comunidades judaicas da Hungria e da Eslováquia. E nesses encontros lembrou os horrores da Segunda Guerra Mundial e deplorou o anti-semitismo contemporâneo.

«Não há oração sem memória. Oração, a memória da própria vida, da vida do seu povo, da própria história: fazendo memórias e relembrando. Isso é bom e ajuda a orar», referiu.

O CHAMADO CONSENSO DEMOCRÁTICO

Repito, por ser muito importante, o que o Santo Padre sublinhou: «No continente europeu, onde a presença de Deus se dilui no consumismo e nos “vapores” de um pensamento unitário que é fruto da mistura de antigos e novas ideologias».

É esta a base, o fundamento do novo consenso democrático, feito de descrença e de resignação? Consenso hoje fortemente abalado pela erupção nacionalista?

E quase apetece perguntar, de imediato: e não é esse consenso pela negativa que abre exactamente a porta a novas tentações totalitárias, numa Europa historicamente saturada disso mesmo? Porque o que tal clima de passividade traz é mau. E perigoso.

Retomando a homilia do Papa, em determinado ponto acentua o Pontífice: «De facto, também hoje na Europa, nós, cristãos, somos tentados a acomodar-nos nas nossas estruturas, nas nossas casas e nas nossas igrejas, nas nossas seguranças proporcionadas pelas tradições, na satisfação por um certo consenso, enquanto em redor os templos se esvaziam e Jesus fica cada vez mais esquecido».

MENSAGEM AOS BISPOS EUROPEUS

Foram de profunda sabedoria evangélica as palavras que o Santo Padre dirigiu aos bispos europeus, na homilia da missa com eles concelebrada, por ocasião da Assembleia Plenária do Conselho das Conferências Episcopais da Europa, na Basílica de São Pedro, em 23 de Setembro último.

Parece algo pleonástico dizer que o Pontífice se expressou eivado de sabedoria evangélica, como se pudesse ser outra a fonte das palavras e dos ensinamentos do pastor por excelência da Igreja universal.

Mas o que pretendo acentuar, logo desde o início deste texto, é que, perante a complexidade e a actualidade do tema – os desafios de uma nova evangelização da Europa –, o Papa como que pegou cada um dos seus ouvintes – e na realidade todos nós – pela mão, e fê-los, fez-nos, abeirar-nos dessa fonte de água viva que tudo esclarece, que tudo ilumina, que tudo inspira: Jesus, convidando-nos a revisitar as Suas palavras de vida eterna.

REGRESSO AO PASSADO?

A constatação que Francisco faz da situação espiritual da Europa pode resumir-se numa expressão que, de tão simples, diz tudo: a Europa está cansada, exaurida. Qual a solução?

O regresso ao passado idealizado pelos nacionalistas, de uma Europa cristã, como o foi há muitos séculos? E o Papa denuncia de imediato o perigo do «restauracionismo».

Falando primeiro da Igreja: «Para tornar a Igreja, a casa de Deus, bela e acolhedora, é necessário olhar juntos para o futuro, não restaurar o passado. Infelizmente está na moda aquele “restauracionismo” do passado que nos mata a todos».

E retomando depois esta mesma ideia para a aplicar à União Europeia no seu conjunto: «Disto precisa a construção da casa comum europeia: deixar as conveniências do imediato para voltar à visão clarividente dos pais fundadores, uma visão – atrever-me-ia a dizer – profética e de conjunto, porque não procuravam os consensos do momento, mas sonhavam o futuro de todos. Assim foram construídas as paredes da casa europeia e só assim se poderão robustecer».

E estas são as palavras sábias do Papa.

Carlos Frota

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