Um Domingo em Budapeste

VATICANO E O MUNDO

Um Domingo em Budapeste

O Papa Francisco de novo “na estrada”, em Budapeste e em Bratislava: estas as mais recentes jornadas, fora de Roma e fora de Itália, do nosso pastor vestido de branco.

Costumo frequentemente pensar que à realidade de uma Igreja que reza, na riqueza da sua vivência intramuros, como que se justapõe a realidade de uma Igreja que se exprime, que tem que se exprimir, para fora de si própria, para o mundo que a rodeia e onde tem que viver. Melhor: para o qual tem que viver, esse mundo concreto, com os seus desafios, as suas reservas, os seus silêncios, as suas dúvidas.

E se, no seu percurso individual, cada cristão vai aprofundando percursos de espiritualidade, as crescentes exigências do tempo presente impedem que nos fechemos na concha de nós próprios, surdos ao clamor que vem de fora, dirigindo perguntas e pedindo respostas aos problemas do nosso tempo.

E porque sente tal clamor, bem no coração de uma Europa outrora cristã, o Papa Francisco foi levar, há dias, as respostas dos Evangelhos sobre os vários desafios de um continente espiritualmente exangue e a braços com o problema maior de como reencontrar a sua alma…

Na Hungria, uma questão muito concreta avultou, que vem atormentando o Velho Continente desde há muito, mas mais particularmente desde há uma década, na feição mais actual que a questão assumiu.

Em Budapeste, onde cem mil fiéis o esperavam, para participarem na missa de Domingo passado, por si presidida, o Santo Padre tinha, além da imensa comunidade dos fiéis, outros interlocutores (em particular um) à sua espera, para um diálogo quiçá bem mais sensível. Refiro-me ao Primeiro-Ministro Viktor Orban.

A CHAMADA“IDENTIDADE NACIONAL”

É conhecida a sua visão híper-nacionalista, que tem colidido frequentemente com as autoridades europeias de Bruxelas, no domínio da organização dos poderes do Estado húngaro, obrigado a pautar-se por regras comuns aos 27, como país membro da União Europeia que é, mas também com as posições do Papa Francisco, em matéria de acolhimento e integração de refugiados e imigrantes.

Como estratégia de poder populista, o PM húngaro define-se a si próprio como um defensor da “Europa cristã”, qual cruzado dos tempos actuais. E para granjear apoio onde o pode obter, aprofundou ligações com a ala tradicionalista da Igreja húngara, muito crítica do Papa Francisco.

Traço comum entre Orban e esses sectores da Igreja? Desde logo uma desconfiança visceral no diálogo com o Islão, visto como cedência inadmissível, perante a ideia de uma iminente invasão da Europa por “hordas muçulmanas”. E a definição da identidade nacional húngara como cristã, mas que tem tudo de xenófobo e muito pouco de cristão.

Nesta curtíssima visita a Budapeste para encerrar o 52.º Congresso Eucarístico Internacional, o Papa – numa reacção indirecta, mas clara, às posições de Orban – pediu aos húngaros que não se fechem aos outros, antes abram os braços e os corações a povos de outras origens étnicas, religiões e culturas.

Não pode haver, como bem se imagina, oposição mais clara entre as duas posições. Daí a importância vital do papel dos bispos húngaros na informação/formação dos seus fiéis, sabendo-se que o poder tenta domesticar a Igreja húngara à custa de subsídios e múltiplos apoios.

Daí a importância que assumiram as palavras dirigidas pelo Papa aos prelados.

O “RECADO” AOS BISPOS HÚNGAROS

Na mensagem aos bispos, Francisco incentivou-os a serem testemunhas de fraternidade. Observando que a Hungria é historicamente um país diverso e multicultural, graças à presença de vários grupos étnicos, minorias, confissões religiosas e migrantes, o Papa disse que, embora a diversidade possa ser um pouco assustadora no início, fornece uma oportunidade preciosa para abrir os corações à mensagem do Evangelho, sintetizada no «Amai-vos como eu vos amei».

«Diante da diversidade cultural, étnica, política e religiosa – aprofundou o seu pensamento –podemos recuar para uma defesa rígida da nossa suposta identidade, ou abrir-nos para encontrar os outros e cultivar juntos o sonho de uma sociedade fraterna». E lembrou que «o apego à própria identidade nunca deve se tornar um motivo de hostilidade e desprezo pelos outros, mas sim como auxílio para o diálogo com as diferentes culturas».

Duas maneiras, pois, de se “ser cristão” na Hungria, uma proposta por Viktor Orban, para sustentar a sua retórica populista. E a outra a da Igreja, veiculada por Francisco. Uma que se alimenta dos “medos” fabricados pelo poder, contra os estrangeiros, explorando sentimentos de insegurança da população; e a outra que incentiva à abertura, pregando a “ousadia” da fraternidade que está no cerne dos ensinamentos de Jesus e vêm plasmados nos Quatro Evangelhos.

O PAPA MOSTROU O CAMINHO…

E mostrou-o de forma inequívoca, sem margem para ambiguidades, confrontando os prelados com a verdade profunda da sua missão evangélica.

Ouça-se Francisco: «Se queremos que o rio do Evangelho, também aqui na Hungria, penetre na vida das pessoas e conduza a uma sociedade mais fraterna e solidária, a Igreja deve construir novas pontes de diálogo». E pediu também aos bispos, sacerdotes e os agentes pastorais, para «mostrarem sempre o verdadeiro rosto da Igreja, um rosto que acolhe a todos, inclusive os que vêm de fora, fraterno e aberto ao diálogo».

«Que a Igreja na Hungria seja construtora de pontes e defensora do diálogo!» afirmou. E sabendo que o poder político tem tentado comprar o silêncio ou a aquiescência dos prelados, multiplicando-se em subsídios, quer dizer, em dinheiro, o Chefe da Igreja foi muito directo ao recordar-lhes o essencial: «…que não são chamados principalmente para serem burocratas e administradores, ou para buscar privilégios e benefícios, mas para demonstrarem paixão ardente pelo Evangelho».

Pondo depois o texto de lado, lembrou-lhes que devem ser servos e não príncipes, para estarem próximos dos seus sacerdotes, dos seus rebanhos e, acima de tudo, de Deus.

UM APERTO DE MÃO…CORDIAL

No Domingo, o Papa Francisco reuniu-se durante cerca de quarenta minutos com Viktor Orban e outras autoridades civis num salão do Museu de Belas Artes. O Papa e os seus colaboradores em política externa sentaram-se sem máscaras e a uma distância considerável em frente a Orban e ao Presidente da Hungria, Janos Ader.

E agora é interessante seguir o que diz a Imprensa internacional: Viktor Orban rapidamente postou fotos das suas palavras de saudação dirigidas ao Papa, na sua página do Facebook, escrevendo que havia pedido ao Pontífice «para não permitir que a Hungria cristã morresse». Os media húngaros, onde o Governo de Orban tem grande influência, difundiram a imagem do aperto de mão nas suas páginas iniciais e relataram que Orban, que se referiu ao influxo de migrantes para a Europa em 2015 como uma “invasão”, deu a Francisco uma cópia de uma carta enviada por um rei húngaro do Século XIII ao Papa da época. Na carta, o rei reclamou que os apelos à Igreja por ajuda contra uma invasão dos exércitos mongóis resultaram apenas em palavras vazias.

Para bom entendedor… meia carta bastaria, é caso para ironizar!

A questão da migração aparentemente não surgiu na reunião, de acordo com o Vaticano, mas, como referido acima, o Papa abordou a questão frontalmente no seu encontro subsequente com os bispos húngaros.

Carlos Frota

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