Prémio Nobel da Paz 2020
Prémio Nobel da Paz 2020: Programa Alimentar Mundial (PAM). Há prémios que prestigiam quem os confere, quase tanto quanto enobrecem os galardoados. O prémio Nobel da Paz deste ano entra nessa categoria, honrando o Comité Nobel pela escolha e salientando o meritório papel de uma das agências das Nações Unidas, sob a tutela da FAO.
Outra agência, inicialmente pensada, terá sido a OMS, e o seu Director, mas a politização da pandemia pela actual Administração americana e a anunciada saída dos Estados Unidos da Organização privaram esta do juízo positivo generalizado requerido, para um prémio consensual.
Poderia ainda pensar-se no prémio para o Alto Comissariado para os Refugiados, por razões mais do que óbvias, ou para as próprias Nações Unidas como organização universal, nestes tempos em que é crucial sublinhar o papel do multilateralismo e de todas as formas de governança global.
Mas se o prémio está bem atribuído, o tipo de problemática que põe em evidência – a fome, a insegurança alimentar e suas causas – não pode ser o mais tristemente simbólico do tempo em que vivemos. De facto, a escolha desta entidade em particular não deixa de constituir um grito de alarme à nossa consciência e ao mundo. Programa ALIMENTAR mundial?
O prémio foi concedido ao PAM pelos seus esforços para combater a fome, promover condições para a paz em áreas afectadas por conflitos e prevenir o uso da fome como arma de guerra. A escolha ressalta claramente a preocupação crescente com o aumento da insegurança alimentar global e as conexões claras entre fome e conflito.
FOME E CONFLITO
O prémio Nobel reconhece uma conexão fundamental entre a fome e o conflito global. Como o Conselho de Segurança da ONU enfatizou numa resolução de 2018, a humanidade nunca pode eliminar a fome sem primeiro estabelecer a paz. O conflito causa insegurança alimentar galopante: perturba a infraestrutura e a estabilidade social, dificultando que os suprimentos cheguem às pessoas que deles precisam. Muitas vezes, as partes beligerantes podem deliberadamente usar a fome como estratégia.
A insegurança alimentar também perpetua o conflito, pois afasta as pessoas das suas casas, terras e empregos, aprofundando as falhas existentes e alimentando queixas. A fome impulsionada por conflitos espalhou-se nos últimos anos no Afeganistão, na República Centro-Africana, na República Democrática do Congo, no Sudão do Sul e no Iémen.
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Na sua mensagem de congratulação, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, denunciou sem hesitações o escândalo mais clamoroso: «Num mundo de fartura, é inconcebível que centenas de milhões vão para a cama todas as noites com fome. Outros milhões estão agora à beira da fome devido à pandemia do Covid-19».
NUM MUNDO DE FARTURA…
Leio na revista Forbes: “Os ricos estão a ficar mais ricos durante a pandemia”.
Quando milhões de americanos desempregados começaram a procurar empregos “online”, o CEO da Amazon, Jeff Bezos, viu o seu património líquido crescer em treze mil milhões de dólares americanos (USD). Não, não leu errado. É o maior salto no património líquido, de acordo com a Bloomberg.
O jornal Guardianescreveu que no auge da pandemia Jeff Bezos, Bill Gates, Mark Zuckerberg (o património líquido deste último aumentou cerca de quinze mil milhões em 2020), Warren Buffett e Larry Ellison viram juntamente as suas fortunas aumentarem 101,7 mil milhões de USD, entre 18 de Março e 17 de Junho deste ano.
É esperado que o aumento da pobreza, de 2019 para 2020, seja o maior de sempre desde que o Banco Mundial começou a seguir estatisticamente a pobreza global. Este é o primeiro aumento projectado desde a crise financeira asiática de 1998 que – recorde-se – abalou a economia global.
Estima-se que 115 milhões de pessoas serão afectadas pela pobreza extrema em 2020. Vive hoje na pobreza extrema todo aquele que aufere menos de 1,90 dólares por dia.
UM NOVO MODELO ECONÓMICO
É legítimo perguntarmo-nos: que sistema económico é este, que regras são estas que permite tais aberrações, quer num sentido quer noutro? Quer no sentido da criação de fortunas sem sentido, porque sem obrigações sociais inerentes; quer no facto de hoje mais de 820 milhões de pessoas – cerca de uma em nove em todo o mundo – não ter o suficiente para comer. Sofrem de insegurança alimentar ou não têm acesso consistente aos alimentos certos para manter os seus corpos e cérebros saudáveis.
Os seres humanos precisam de uma dieta que inclua uma variedade de nutrientes essenciais. A segurança alimentar é especialmente importante para crianças pequenas e bebés em gestação, porque a nutrição inadequada pode prejudicar permanentemente o desenvolvimento e o crescimento do cérebro.
A FOME TEM MUITAS CAUSAS…
Pode ser uma arma de guerra; o resultado de uma pandemia global como o Covid-19 que interrompe a produção; ou o resultado de mudanças climáticas, pois eventos climáticos extremos aumentam as perdas de safras em todo o mundo.
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Um novo sistema económico. O Papa Francisco destacou repetidamente a necessidade de um novo modelo económico baseado na solidariedade, enquanto nos esforçamos para estabelecer as bases para um mundo que seja mais justo e menos violento. Que imperativo é este? O dos factos…
Vejamos as estatísticas da pobreza. Entre 1990 e 2017, o número de pessoas extremamente pobres caiu de 1,9 mil milhões para 689 milhões, segundo o Banco Mundial. A pobreza extrema global caiu em média um ponto percentual por ano entre 1990 e 2015, mas caiu em menos de meio ponto percentual por ano entre 2015 e 2017.
Antes da pandemia, esperava-se que a taxa de pobreza extrema caísse para 7,9 por cento em 2020. No entanto, agora é provável que afecte entre 9,1 a 9,4 por cento da população mundial. O Banco Mundial diz que até 2021 cerca de 150 milhões de pessoas poder-se-ão tornar extremamente pobres.
Embora a pandemia do coronavírus seja um novo obstáculo, há muitos anos os conflitos e as mudanças climáticas são as principais causas do aumento da pobreza extrema em várias partes do mundo.
A CRESCENTE AMEAÇA DA INSEGURANÇA ALIMENTAR
A insegurança alimentar é um desafio global urgente agora e para o futuro. Segundo o Programa Alimentar Mundial, a menos que uma acção urgente seja tomada, a pandemia do Covid-19 pode quase dobrar o número de pessoas que sofrem de fome aguda até ao final de 2020. Os impactos económicos deste vírus atingem com mais força as pessoas mais pobres do mundo: se eles não conseguirem trabalhar, não têm dinheiro para comprar comida.
Já no longo prazo, as mudanças climáticas são uma ameaça igualmente urgente. A agricultura é uma das indústrias mais exposta e vulnerável a mudanças climáticas. O clima deve estar “perfeito” para o cultivo, e as condições que são muito quentes, muito frias, muito chuvosas ou muito secas podem significar colheitas ruins ou perdas totais. Todos os aspectos da segurança alimentar podem ser afectados pelas mudanças climáticas, incluindo quem acaba recebendo os alimentos, quanto custa e quanto é desperdiçado ou perdido ao longo do caminho.
SEMENTES DE CONFLITO
A melhor maneira de prevenir futuras crises de fome é agir antes que elas se desenvolvam. A pandemia revelou muitas falhas nos sistemas políticos e económicos globais e agravou a insegurança alimentar para as populações mais pobres do mundo.
O PAM não é senão um mero paliativo!…
Carlos Frota