Europa, América, que sociedade?

VATICANO E O MUNDO

Europa, América, que sociedade?

Tempos difíceis estes para os católicos americanos, pensava eu há dias, e para os líderes da Igreja Católica nos Estados Unidos! Tempos densos de embaraço e de confusão, para quem procura na vida pública o reflexo ético de posições pessoais cristãs que parece terem sido varridas por uma terrível tempestade.

Pois os bispos católicos estiveram recentemente ao telefone com o Presidente Donald Trump. Desses contactos parece poder ter querido tirar Trump dividendos políticos, pensa o autor que aqui abaixo identifico, e isso pode ser um problema para a Igreja.

(A primeira parte desta reflexão é inspirada pelo artigo de opinião de Michael McGiugh, no jornal Los Angeles Timesde 29 de Abril último).

Em 17 de Abril, de facto, Trump conversou com líderes de várias religiões sobre quando o culto público poderia recomeçar, após as restrições impostas durante a pandemia do Covid-19. Entre os participantes dessa chamada estavam o arcebispo D. José Gomez, de Los Angeles, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, e o cardeal D. Timothy Dolan, arcebispo de Nova York.

Os prelados católicos também se uniram posteriormente numa troca de ideias com Trump, durante a qual a educação católica foi discutida.

De acordo com a publicação católica Crux, Trump aproveitou a chamada para declarar que ele era o melhor Presidente da «história da Igreja Católica».

Trump no seu melhor, naturalmente! Nada surpreendente, pois!

Trump espera que tais contactos e outras posições (“pro life”, por exemplo) o ajudem a ganhar votos dos católicos em Novembro, pensando que conversar com líderes católicos ajudará nesse seu esforço de conquista de votos. Mas há perigos para os bispos… e para a Igreja, neste alinhar antecipado de fidelidades, pensam vários sectores da comunidade católica americana.

Obviamente, os bispos católicos precisam se envolver com o Governo Trump e devem ter liberdade para comentar sobre políticas públicas que afectam a Igreja. Mas quando se trata de elogiar de forma genérica este Presidente, um voto de silêncio pode ser o mais apropriado.

ISOLACIONISMO, POPULISMO

E isso reconduz-me ao nosso Pontífice. Uma ideia basilar dos ensinamentos do Papa Francisco serve-me de continuação apropriada a este texto: o isolacionismo e o populismo levam à guerra. Quem os defende hoje? É simples, é claro.

Numa entrevista ao diário italiano La Stampa-Vatican Insider, o Papa disse que a Europa precisa respeitar a identidade dos povos sem se fechar. Francisco abordou várias questões como política, migrantes, o Sínodo da Amazónia, o Meio Ambiente e a missão evangelizadora da Igreja.

A Europa deve ser salva porque é uma herança que «não pode e não deve ser dissolvida», sublinhou.

O diálogo e a escuta, «a partir da própria identidade» e dos valores humanos e cristãos, são o antídoto contra o «soberanismo» e o populismo, e também são o motor de «um processo de relançamento» do projecto europeu que nunca termina.

O EXEMPLO DA EUROPA

O Papa espera que a Europa continue a ser o sonho dos seus pais fundadores. É uma visão que se tornou realidade implementando a unidade histórica, cultural e geográfica que caracteriza o continente.

Apesar dos «problemas de administração e desacordos internos» da Europa, o Papa está optimista com a nomeação de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia. Ele está feliz com sua nomeação «porque uma mulher pode ser a pessoa certa para reviver a força dos pais fundadores». «As mulheres», disse, «sabem como unir as pessoas».

AS RAÍZES HUMANAS E CRISTÃS DA EUROPA

Segundo o Papa, o principal desafio da Europa em se relançar vem do diálogo. «Na União Europeia, precisamos conversar, confrontarmo-nos, conhecermo-nos», defendeu o Papa, explicando como o «mecanismo mental», por trás de todo o raciocínio, deve ser «primeiro a Europa, depois cada um de nós».

Para fazer isso, referiu, «também precisamos de ouvir», enquanto muitas vezes assistimos apenas a «monólogos de puro compromisso». O ponto de partida e relançamento, apontou, são os valores humanos da pessoa. É um facto histórico que a Europa tem raízes humanas e cristãs. «E quando digo isso», salvaguardou o Papa, «não separo católicos, ortodoxos e protestantes. Os ortodoxos têm um papel muito precioso para a Europa. Todos nós temos os mesmos valores fundamentais».

IDENTIDADE ABERTA AO DIÁLOGO

O Papa acentuou que cada um de nós é importante, ninguém é secundário. Por isso, em todo o diálogo, «devemos começar com a nossa própria identidade». E deu um exemplo: «Eu não posso fazer ecumenismo se não começar por ser católico, e o outro que faz ecumenismo comigo deve fazê-lo como protestante, ortodoxo, etc. A nossa própria identidade não é negociável; ela integra-se».

Para Francisco, um dos problemas é que nos isolamos sem nos abrir. A identidade, segundo ele, é uma riqueza cultural, nacional, histórica e artística, e cada país tem a sua, mas deve ser integrada no diálogo. É crucial que, ao começar a partir da própria identidade, seja necessário abrir ao diálogo para receber algo maior da identidade dos outros.

Nunca se esqueça, acrescentou, que «o todo é maior que as partes». «A globalização e a unidade não devem ser concebidas como uma esfera, mas como um poliedro: cada povo mantém sua identidade em unidade com os outros».

«SOBERANISMO» E POPULISMO

O Papa manifesta preocupação com o que chama de «soberanismo», que descreveu como uma atitude de isolamento. O Santo Padre está preocupado com discursos semelhantes aos de Hitler em 1934, que falam de «Nós primeiro. Nós, Nós…»

Enquanto o «soberanismo» envolve o fecharmo-nos, a soberania não, explicou o Papa. A soberania deve ser defendida e as relações com outros países, com a Comunidade Europeia, também devem ser protegidas e promovidas.

O «soberanismo» é um exagero que sempre acaba mal: «leva a guerras», garantiu. Já o populismo, também segundo o Pontífice, é uma maneira de impor uma atitude que leva ao «soberanismo» e não deve ser confundido com o «popularismo», que é a cultura do povo que precisa ser expressa. Sufixar «ismo» a «soberano», afirmou o Papa, é mau.

MIGRANTES: PRIMADO DO DIREITO À VIDA

Sobre a questão da imigração, o Papa Francisco enfatizou os quatro princípios de acolhimento, acompanhamento, promoção e integração.

O critério mais importante é o direito à vida, que está ligado às condições de guerra e fome, das quais as pessoas fogem, principalmente no Médio Oriente e em África. Os Governos e as respectivas autoridades devem pensar em quantos migrantes podem receber.

O Santo Padre também pediu soluções criativas, como suprir a falta de mão-de-obra no sector agrícola. Alguns países têm cidades semi-vazias devido ao declínio demográfico. As comunidades migrantes podem ajudar a revitalizar a economia dessas áreas.

Ao abordar a guerra, o Papa Francisco alertou que «devemos comprometermo-nos e lutar pela paz». A fome diz respeito principalmente ao continente africano, que de acordo com o Papa, é vítima de uma maldição cruel, que não deve ser explorada. Ao invés, defendeu, parte da solução é investir lá para ajudar a resolver seus problemas e, assim, interromper os fluxos migratórios.

A CONCLUIR

Nesta entrevista, o Papa falou ainda da Europa. Será, pois, difícil transpor os seus princípios basilares para qualquer outra sociedade, nomeadamente a americana?

Onde estão realmente os valores cristãos americanos nas prioridades do actual poder?

Carlos Frota

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