De olhos postos na Lua...

VATICANO E O MUNDO

De olhos postos na Lua…

Não, não se trata de poesia. Reporto-me à primeira viagem à Lua, há já cinco décadas.

Estou-me a ver, há cinquenta anos, sentado com amigos num café, próximo da Cidade Universitária de Lisboa, a olhar estupefacto para as primeiras imagens dos astronautas na Lua, imagens a preto e branco da “velha” RTP.

Terei tido naquele momento alguma noção de que um admirável mundo novo começava? Não me lembro. Não me escapou, nem a ninguém, o pioneirismo do que acontecia perante os nossos olhos. Mas antecipar o futuro a partir dali era pedir-nos muito, preocupados que estávamos com o imediato. Cursos a terminar, a ida para a tropa, um futuro incerto por causa da guerra no antigo Ultramar.

A revolução estudantil de Maio de 68 ocorrera há pouco tempo, as Universidades e os Governos iam digerindo e mal os sucessivos choques, o que o mesmo é dizer, a Lua só estaria no horizonte de muitos como símbolo romântico próprio de jovens em idade casadoira (naquela época!) e não propriamente como programa científico ou expressão da luta pelo prestígio por parte dos grandes poderes mundiais.

O contexto era de Guerra Fria, Estados Unidos e URSS eram os grandes protagonistas dessa luta de titãs para capturar as imaginações dos mais jovens, ansiosos de saber quem ganharia essa luta de muitas facetas pela hegemonia mundial.

A recente passagem do 50º aniversário da primeira alunagem, isto é, da primeira presença humana na Lua, suscitou comentários e análises em todo o mundo, proporcionais à importância do acontecimento. Importância científica e técnica, antes de mais, pela capacidade de a comunidade científica levar a bom termo um projecto ambicioso e pioneiro, nessas duas áreas do saber humano, exactamente a Ciência e a Técnica. Mas importância também na capacidade de o Ser Humano se projectar para além da sua condição e dos seus constrangimentos terrenos.

A ida do Homem à Lua coloca diferentes questões, interessantes de analisar, porque põem em relevo o Homem perante si mesmo, nas suas relações com o planeta em que habita… e perante o Universo.

E nas questões que se põe a si próprio, desde sempre, passam pela mente as grandes interrogações das filosofias e as grandes verdades das velhas religiões.

Assim, organizaria o texto que se segue em algumas questões fundamentais, cujas respostas pessoais tentaria pôr à consideração dos meus eleitores.

Partindo da constatação óbvia do enorme progresso alcançado pelos programas espaciais, ocorre-me desde logo perguntar quais as dimensões humanas, filosóficas e políticas de tais sucessos.

Para ser deliberadamente simples ou simplista, perguntaria:

…mas o que é que a Humanidade ganhou com isso?

…mas “descobrir” o que está no céu não será alienarmo-nos dos problemas prioritários da terra, tão cruciais são eles hoje que a sua não solução põe em causa a própria sobrevivência da Humanidade?

…o que representam politicamente para os Estados os avanços alcançados na exploração do espaço?

O QUE GANHOU A HUMANIDADE?

A História do Homem é feita de muitas realidades contraditórias, mas seguramente também da indomável vontade de saber o que há num “para além” de si que não conhece limites. A Lua, o pequeno e mais próximo satélite da terra, foi e é tão só o primeiro passo de uma longuíssima aventura do saber de que o Ser Humano não conhece antecipadamente qualquer resposta: nem a que direcções o conduzirá a aventura, nem se alguma vez a terminará. Se o Universo está em permanente expansão e por conseguinte não tem limites, creio que a resposta está dada: não terminará nunca!

Assim, reitero para mim próprio a questão: o que ganhou o Homem com a ida à Lua? Creio que poderei responder de forma simples do seguinte modo: todas as disciplinas científicas e todas as áreas técnicas concorrentes para a concretização do programa espacial conheceram progressos, resultantes da pesquisa e das experiências que vão dos domínios da Física, da Medicina, até á revolução operada na criação de novos materiais adaptados às condições do espaço exterior.

Sabemos naturalmente que é imenso o impacto da Ciência e da Técnica na sociedade. Basta pensar hoje na Internet e no “smartphone”.

A ciência e a tecnologia tiveram e têm de facto um grande impacto na sociedade e seu impacto está a crescer. Mudando drasticamente os nossos meios de comunicação, a nossa maneira de trabalhar, a nossa casa, roupas e alimentos, nossos métodos de transporte e, até mesmo, a duração e a qualidade de vida em si.

A ciência gerou mudanças nos valores morais e nas filosofias básicas da Humanidade Muita dessa ciência e dessa técnica estão ligadas aos programas espaciais.

MAS… E AS PRIORIDADES?

Claro que nos podemos perguntar sempre, e com acrescida legitimidade aliás, se a aventura do espaço fará sentido perante as gritantes desventuras da terra.

Mais do que ontem, mais do que sempre, o acesso à informação põe diante dos nossos olhos um planeta totalmente desorganizado. A começar pelo enfraquecimento dos mecanismos para prevenir conflitos e assegurar a paz e a segurança de todos, até ao escândalo das alterações climáticas, passando pela injustiça na distribuição equitativa de recursos.

As guerras são escandalosas, a pobreza extrema é escandalosa, a corrupção que gera ambas é escandalosa. Nestes termos, é legítima a aventura espacial perante um planeta, o único que temos, tão carente da nossa atenção exclusiva? Creio que esta pergunta não tem resposta, pelo simples facto de o Ser Humano ser isso mesmo, a fonte das imensas contradições de que é escrita a História. Continuará a haver pobreza extrema e a gastar-se biliões em projectos científicos de ambição e repercussões inimagináveis.

A DIMENSÃO POLÍTICA

Até pela dimensão política… ou geopolítica, se se preferir. Os programas espaciais dos diferentes países têm hoje dimensões muito para além da visão cândida dos astronautas de 1969.

À exclusiva finalidade científica do início da aventura, associada embora, desde aí, à disputa pelo prestígio internacional, juntaram-se lógicas de domínio do espaço que requerem regulação internacional urgente, sob pena de estarmos a exportar (o que de facto estamos já a fazer) a desordem geral que impera entre países.

O domínio do espaço inscreve-se hoje no “pedigree” de qualquer grande potência que se preze. E quando lhe associamos as possibilidades cada vez mais precisas de militarização do próprio espaço, por sofisticadíssimas armas saídas da cabeça de um autor de ficção científica, a consagrada expressão de “guerra das estrelas” assume tonalidade bem mais sinistra.

No fundo, a progressiva politização do espaço revela-nos uma verdade de que não podemos sair: por mais que cheguemos, é sempre dentro de nós que estão as soluções….

Carlos Frota

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