SANTO PADRE MANIFESTOU DESEJO NA CIDADE DE NAGASAKI

Um mundo sem armas nucleares

SANTO PADRE MANIFESTOU DESEJO NA CIDADE DE NAGASAKI

A visita durou menos de 24 horas, mas foi em Nagasaki que o Papa emitiu os apelos mais importantes que proferiu na deslocação de três dias que fez ao Japão. No Parque da Paz, a escassos metros do local onde explodiu a bomba atómica que quase erradicou a cidade, o Pontífice pediu o fim do investimento no desenvolvimento e aquisição de armas nucleares. Na colina de Nishizaka, Francisco recordou a coragem e o exemplo dos 26 mártires do Japão e apelou à liberdade religiosa para que mais ninguém tenha que morrer pela sua fé.

O Papa Francisco levou no Domingo a sua campanha pessoal pela abolição de armas nucleares às duas únicas cidades que foram atingidas até hoje por bombas atómicas. Em Hiroshima e Nagasaki, o Sumo Pontífice classificou como criminosa a utilização da energia nuclear para fins militares e imoral a utilização de ogivas atómicas contra a Humanidade e a Natureza.

Em Nagasaki, e sob um temporal intenso, o Santo Padre instou os líderes mundiais a abrir mão das armas nucleares. Numa cerimónia breve, realizada no Parque da Paz, a escassos metros do ponto onde a única bomba de plutónio alguma vez detonada explodiu a 9 de Agosto de 1945, o Papa lembrou «o horror indiscritível sofrido pelas vítimas» e criticou a falsa dicotomia de que são apologistas as principais potências mundiais de procurar assegurar a manutenção da paz e da estabilidade através de uma corrida desenfreada ao armamento. «O nosso mundo é hoje em dia caracterizado por uma dicotomia perversa que tenta defender e assegurar a estabilidade e a paz com base numa falsa sensação de segurança sustentada pelo medo e pela desconfiança. Uma tal dicotomia acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir qualquer possível diálogo», defendeu perante uma assistência composta por cerca de duas centenas de pessoas.

Convicto de que um mundo sem armas nucleares «é possível e urgente», Francisco deixou um recado aos líderes políticos, avisando-os de que a posse de armas de destruição em massa não abre caminho para a paz e não protege das actuais ameaças à segurança nacional e internacional. «Serão sempre escassas as tentativas de erguermos as nossas vozes contra a corrida ao armamento», reiterou.

Para o arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro, que se deslocou a Nagasaki para assistir à missa campal que o Papa celebrou no estádio de beisebol da cidade, o apelo lançado pelo Santo Padre adquire uma maior relevância por ter sido feito na cidade onde foi infligida uma das maiores atrocidades cometidas pela Humanidade. «Esta é uma mensagem que é – no meu entender – muito actual, na continuidade do Papa João Paulo II, de se dizer não às armas nucleares. Voltamos a confrontarmo-nos com o risco de uma guerra nuclear e esta é uma mensagem que é preciso repetir, até porque já se passaram mais de trinta anos desde a anterior visita de um Papa ao Japão. O perigo parece estar agora mais pungente no que toca a uma guerra nuclear», disse o professor da Universidade de São José (USJ), em declarações a’O CLARIM.

Vizeu Pinheiro viajou para o Japão na companhia de Francisco Almeida, um estudante da Universidade Católica Portuguesa que se encontra em Macau ao abrigo de um programa de intercâmbio válido por um semestre. Depois de ter visto o Papa em Cracóvia, nas Jornadas Mundiais da Juventude; ter estado em Fátima no Centenário das Aparições da Cova da Iria e de ter visitado o Vaticano na última Páscoa, o caminho do jovem português voltou a cruzar-se com o Sumo Pontífice no Sul do Japão, numa deslocação que teve o poder de lhe revelar as dificuldades com que se deparam os católicos japoneses e a verdadeira dimensão do Cristianismo no Japão. «Esta visita abriu-me os olhos para esta realidade que é o Japão em termos do Catolicismo. Disseram-me que tinha 0,5 por cento de católicos. De toda a população, apenas 0,5 por cento é católica. Confesso que não tinha a noção de que assim fosse e fiquei bastante impressionado. Pelo menos esta vinda abriu-me os olhos para rezar mais pelas pessoas do Japão. Quando voltar para Portugal, em Dezembro, vou dizer aos meus amigos para rezarem pelo Japão», revelou.

MARTÍRIO E FÉ NA CIDADE-MÁRTIR

Vista por muitos como a capital do Catolicismo japonês, Nagasaki entrou para a História da Igreja Católica a 5 de Fevereiro de 1597, dia em que os chamados “26 Mártires do Japão” foram crucificados na colina de Nishizaka. Depois de ter feito um apelo ao desarmamento no Parque da Paz, o Papa Francisco rezou perante as relíquias de São Paulo Miki – o primeiro japonês a entrar para a Companhia de Jesus – e exortou os Governos de todo o mundo a trabalharem para garantir a liberdade religiosa das populações que servem.

Em Nagasaki, o contraste com o denso e fétido calor de Banguecoque, de onde o Papa se havia despedido na véspera, dificilmente poderia ser mais insondável. Nagasaki acordou agasalhada pelo Inverno, um dilúvio ávido e persistente a despedaçar-se do céu. Na colina de Nishizaka, o Santo Padre foi recebido pelo sacerdote jesuíta Domenico Vitali, director do Museu e Monumento dos Vinte e Seis Mártires, e recebeu um arranjo de flores de uma família que preservou a fé católica em segredo ao longo de incontáveis gerações. Francisco recordou o sacrifício dos milhares de devotos que foram perseguidos na região, mas defendeu que «mais do que de morte» o santuário dos Vinte e Seis Mártires «fala-nos de vida». «Aquando da sua visita a este local, São João Paulo II viu este lugar não só como o monte dos mártires, mas também como um verdadeiro Monte das Bem-aventuranças, onde podemos captar o testemunho de homens repletos de Espírito Santo, libertos do egoísmo, das comodidades e do orgulho. Pois aqui a luz do Evangelho brilha no amor que triunfou sobre a perseguição e a espada», afirmou.

Para Yasuyoshi Sotowa, a filha Machiko Kojima e a neta Kaho Kojima, o momento de devoção partilhado com o Santo Padre constitui um incentivo para manter pujante a vivência da fé pelos séculos dos séculos. O patriarca da família que preservou em segredo a fé católica, transformando-a numa herança familiar, congratulou-se por lhe ter sido dada a possibilidade de conhecer o Pontífice. «Estou contente por ter tido a oportunidade de conhecer o Papa na companhia da minha filha e da minha neta», disse Yasuyoshi Sotowa aos jornalistas, minutos após o fim da cerimónia, já depois do Papa ter seguido para o Estádio de Beisebol de Nagasaki, onde celebrou missa. A meio da tarde, Francisco seguiu para Hiroshima, a outra cidade japonesa devastada por uma bomba nuclear, onde presidiu a um encontro pela paz.

Com mais de 126 milhões de habitantes, o Japão conta actualmente com 536 mil católicos, ou seja, 0,42 por cento da população total do País.

Marco Carvalho, no Japão

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