Um mês depois

Não tenho por hábito voltar a falar dos mesmos assuntos a que antes me referi, não só porque estas minhas crónicas se destinam a dar conhecimento aos leitores da minha visão da actualidade de Portugal e do mundo, como receio tornar-me fastidioso com a repetição dos temas. No entanto, há situações não resolvidas que, pela sua importância e impacto público, justificam voltar a falar sobre elas.

Se o caso do considerado assalto aos paióis do exército em Tancos ainda não foi clarificado por quem de direito, depois de tanto falatório nacional e internacional, já o facto do Chefe do Estado-Maior do Exército ter readmitido os cinco oficiais que tinha suspendido provisoriamente (para não prejudicar as investigações) traduz algumas conclusões hipotéticas. Uma delas é a de que os referidos comandantes não estariam envolvidos na presumida “tramoia”.

Mas como a falta de explicações, para além de que as armas estariam “velhas” e o seu valor era pouco mais de 30 mil euros, gera naturais especulações, começa a fazer sentido supor que esta história está a ser muito mal contada e a conta-gotas.

Será que as armas e munições foram roubadas, ou deram por falta delas quando faziam o inventário? E o inventário foi feito no dia a seguir ao “roubo”? Porquê a coincidência? Será que alguma vez chegaram a integrar a lista de material lá depositado? Quem denunciou, em primeira mão e minuciosamente, a listagem das armas desaparecidas a um jornal espanhol? Porquê um jornal espanhol? Foram os presumíveis gatunos ou alguém de dentro da instituição militar?

Enfim, poderíamos continuar indefinidamente a colocar interrogações sem podermos confirmar o que quer que fosse, até que o Governo português e os responsáveis militares forneçam ao público em geral (sim, ao público, porque este caso ultrapassou a esfera militar) uma explicação plausível sobre o que de facto se passou.

Outro aspecto e bem mais grave são as consequências do drama vivido pelas populações de Pedrogão Grande e zonas limítrofes aquando do terrível incêndio que devastou tantas vidas humanas, habitações, empresas, máquinas, gado e floresta, que eram o sustento daquela população. Consequências que – um mês depois – tardam em repor os mínimos de subsistência de toda essa gente.

Estamos convictos de que a destruição que abalou essa região de Portugal vai precisar de muito empenhamento e dinheiro para voltar à normalidade possível.

Sabemos que o Estado é moroso a agir. Mas mesmo que se tenha que primeiro fazer um levantamento exaustivo dos prejuízos realmente sofridos; definir o que fazer em cada caso; obter orçamentos e autorizações para a reconstrução das habitações; disponibilizar verbas para o efeito, junto das instituições correspondentes e começar a realizar as obras, o facto de apenas terem iniciado aquelas que não vão além de uns míseros cinco mil euros (não necessitando por isso de autorização especial) é castrador.

Sabemos igualmente que os fundos prometidos para este efeito pela União Europeia ainda estão em negociação e o Estado português dispõe de uma verba que não chega a três milhões de euros.

O que se sabe também é que a onda de solidariedade popular que se fez sentir após a tragédia gerou fundos privados em dinheiro, num total superior a 13 milhões de euros. Instituições de carácter social, bancos, empresas, espectáculos e outras manifestações populares foram as fieis depositárias dessas verbas destinadas ao apoio imediato às populações Por sua vez, o Estado, centralizando toda a operacionalidade da reconstrução, decidiu criar um “fundo solidário” que congregue todos os apoios conseguidos, sendo gerido pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social, em colaboração com as autarquias e instituições de solidariedade locais.

O que não sabíamos é que algumas dessas instituições (como por exemplo a União das Misericórdias Portuguesas, a Cáritas de Coimbra, o BPI e a Santa Casa da Misericórdia local) resistem a colocar os fundos por si angariados no “fundo solidário” criado pelo Governo e querem ser elas a aplicar os dinheiros obtidos. Será por desconfiança?

Se nem todas as instituições do Estado me merecem a mesma confiança, na justa gestão dos dinheiros públicos, duvido que o Governo, neste caso específico e no qual converge toda a atenção da opinião pública, não esteja atento a qualquer “deslize”, como também se sabe (pelo passado recente da crise) que nem todas as instituições particulares de solidariedade estão isentas na aplicação das suas receitas. Também não quero acreditar que esta “resistência” a juntar todos os fundos obtidos se destine a prolongar os depósitos por forma fazer render o dinheiro.

O que me parece é que a tragédia que assolou toda aquela gente não se compadece com estas bizarrias politiqueiras, personificações enviesadas, autoritarismos insensíveis ou objectivos perversos, porque aquelas pessoas sofrem todos os dias e a nossa indignação também aumenta!

LUIS BARREIRA

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