Cismas, Reformas e Divisões na Igreja – XXVIII

A Teocracia Papal III. O Cisma do Ocidente (1378-1417)

O século XIV é um dos séculos mais difíceis em termos humanos da história medieval. Do ponto de vista humano, com a trilogia macabra a deflagrar sobre a humanidade com maior frequência, com todas as terríveis consequências. Podíamos apontar a era pré-glaciar, com grande arrefecimento, como uma das causas físicas, mas também temos que salientar as causas humanas, as religiosas, como factor de divisão, desagregação e enfraquecimento das comunidades e das formas de solidariedade e acção social, numa época de crises humanitárias e sanitárias. O religioso e o espiritual são determinantes na conduta humana e o século XIV é a prova disso: quando falha a unidade e a base espiritual, metafísica, quando se desagrega ou desaba o lado imaterial da civilização, esta perde pilares e sustentação, e esboroa-se. O Cisma do Ocidente (1378-1417) é uma marca dessa conjuntura.

Uma enorme confusão, com vários Papas e antipapas, em Roma ou Avinhão, cardeais de um lado e de outro, facções, críticas, ataques, decadência. Adivinhava-se o Cisma, desde o século XIII, o século das heresias e desvios doutrinais, mas nada se fez para o evitar. Como é que tudo aconteceu?

O conclave reunido no Vaticano (1378), depois da morte de Gregório XI em 27 de Março de 1378 (Papa 1370-78), foi o primeiro a ser reunido em Roma desde 1303, pois os pontífices viviam em Avinhão, no sul de França, desde 1309, por imposição da monarquia francesa. O conclave de 1378 realizou-se, todavia, no meio de cenas de alvoroço e confusão. A multidão romana estava muito revoltada e exigia a eleição de um Papa romano, ou de um italiano, depois do “exílio” de Avinhão.

A certa altura correu o boato da eleição de um cardeal francês, não de um italiano. A multidão furiosa começou a lançar pedras às janelas do palácio e atacou as portas com picos e machados, entrando como um turbilhão. Foi então eleito um italiano, o futuro Urbano VI (Papa 1378-89), o arcebispo de Bari, Bartolomeu Prignano. O novo Papa perguntou aos cardeais se o haviam eleito livre e canonicamente; estes disseram que sim. Pouco depois da eleição, os dezasseis que o elegeram em Roma escreveram aos seis cardeais franceses que permaneceram em Avinhão. Estes cardeais franceses reconheceram Urbano como Papa, confirmando-o em cartas ao Imperador (Alemanha) e demais soberanos. De recordar que tanto o cardeal Roberto de Genebra, o futuro antipapa Clemente VII de Avinhão, e Pedro de Luna, de Aragão, futuro antipapa Bento XIII, também aprovaram a eleição de Urbano.

 

O CISMA

Urbano VI não começou bem. Recusa-se a sair de Roma, ao contrário dos cardeais franceses que se deslocam a esta cidade, de basílicas e palácios então arruinados, tumultuosa e violenta, com pestes e epidemias, ao contrário de Avinhão, em crescimento e renovação. Severo e duro, Urbano pretendia reformar o papado e acabar com o luxo, o que lhe valeu desconfiança dos cardeais. Estes abandonaram gradualmente Roma. Mais tarde, considerariam inválida a eleição de Urbano, pois foi feita sob pressão popular.

Alguns teólogos e canonistas, como Baldo dos Ubaldi, defenderam a eleição papal, considerando a sua rejeição e deposição como um acto herético. Em 20 de Julho de 1378, porém, 15 dos 16 cardeais que elegeram Urbano VI deixaram de lhe prestar obediência, argumentando que a eleição não era canónica, pois fora sobre pressão popular. O único que não repudiou Urbano VI foi o cardeal Tebaldeschi; todavia, morreria pouco depois, em 7 de Setembro, deixando a situação péssima para o Papa eleito Urbano VI. Todos os cardeais consideravam a sua eleição como inválida, logo como não-canónica.

Repudiaram sim e logo a seguir elegeram um novo Papa, o cardeal Roberto de Genebra, francês, que adoptaria o nome de Clemente VII e estabeleceria o seu trono pontifical em Avinhão. Começava, de facto, o Cisma do Ocidente. A apoiar Clemente estavam a França, Castela, Aragão, Leão, Chipre, Borgonha, Condado de Saboia, Nápoles e a Escócia; por Roma estavam Portugal, Dinamarca, Inglaterra, Flandres, o Sacro Império Romano-Germânico, Hungria, Norte da Itália (e outros Estados itálicos), Irlanda, Noruega, Polónia e Suécia.

Estava instalado o Cisma, mas também um pesadelo no Ocidente. Confusão, polémica, luta, crise: era este o cenário. A maior crise da Cristandade Latina obnubilaria o caminho da Igreja e os seus fiéis até 1417. Ambos os Papas declararam uma cruzada contra o outro, excomungaram o outro e todos os que os seguiam. Cada um deles reivindicava o direito a criar cardeais e confirmar arcebispos, bispos e abades, pelo que existiam dois colégios de cardeais e em muitos lugares existiam dois reclamantes aos altos cargos na Igreja. Cada Papa empenhava-se ainda em reclamar e colectar todas as receitas eclesiásticas.

O espectáculo continuou enquanto Papas e antipapas morriam, e Papas e antipapas os sucediam. O Papa Urbano VI morreu em 1389, e foi sucedido pelo Papa Bonifácio IX, que reinou desde 1389 até 1404. Depois da eleição de Bonifácio IX, este foi excomungado de imediato pelo antipapa Clemente VII, e aquele respondeu à letra excomungando-o também.

Em 1409, reunira-se um concílio em Pisa, para tentar resolver o Cisma. Mas só piorou a questão, pois acrescentou um outro antipapa – um terceiro Papa ao mesmo tempo! – e declarou os outros dois como automaticamente depostos. Depois de muitas conferências, discussões, intervenções dos poderes laicos, lutas e várias catástrofes, o Concílio de Constança (que começou os seus trabalhos em 1414 e terminou em 1418) depôs o antipapa João XXIII, recebeu a abdicação do Papa Gregório XII e, finalmente, conseguiu depor o antipapa Bento XIII, embora este tenha continuado a viver acreditando que era Papa (até à sua morte, em 1423).

Em 11 de Novembro de 1417, dia de São Martinho, o concílio elegeu o cardeal Odo Colonna, que tomou o nome de Martinho V. Assim acabava o Cisma, mas não os problemas na Cristandade Ocidental. Para muitos o Cisma só acabaria em 1429, quando morreu o anitipapa Clemente VIII, este um cardeal nomeado pelo Papa Bento XIII, um dia antes de morrer em 1423. Foi um dos Papas de Peñiscola, localidade valenciana (Espanha).

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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