A Natividade de Maria
Ainda não se está na Festa da Imaculada para entoar a referida alocução latina, mas é a 8 de Setembro que se comemora a Natividade, ou Nascimento, de Maria, sine macula originalis (sem pecado original), nove meses após a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Glória de Jerusalém e alegria de Israel, Maria é toda ela beleza e salvação. A Natividade de Maria assume-se de grande importância na piedade cristã por deter um estatuto privilegiado na preparação da vinda do Salvador, Jesus Cristo. «Deus te salve, Maria, dulcíssima filha de Ana», assim saudava S. João Damasceno a Virgem, evocando a sua vida salvífica.
Os textos bíblicos, apesar de toda o realce que lhe é dado pela teologia de todos os tempos, nada aludem acerca do nascimento da Virgem. A primeira fonte narrativa de tal acontecimento foi o tecto apócrifo, do século II, Protoevangelho de S. Tiago (5, 2), que colocou o nascimento da Virgem em Jerusalém, junto à “piscina probática”, onde, segundo S. João (5,1-9), Jesus terá curado um paralítico. No mesmo lugar onde se terá depois erigido uma basílica, entre os anos de 400 e 600. Sofrónio, patriarca de Jerusalém (560-638), afirmou, em 603, que fora nesse lugar da piscina probática que nascera Maria, o que foi comprovado por alguns estudiosos à posteriori. Todavia, certas tradições apontam para Nazaré o lugar do nascimento de Maria.
Terá sido nessa época, aproximadamente, que se terá iniciado a festa da Natividade da Santíssima Virgem, entre os séculos V e VI. Festa que alguns referem que seria de grande alegria e concurso de gentes, de especial carinho entre os cristãos. A festa surgiu provavelmente a partir da dedicação da igreja/basílica à Virgem, de acordo com a tradição da existência ali, em Jerusalém, da casa natalícia de Maria (Basílica de Sanctae Mariae, ubi nata est, ou “onde nasceu Santa Maria”). Actualmente, o santuário de Santa Ana, mãe da Virgem, em Jerusalém, afigura-se como o local conotado com tal tradição.
No século VII a festa passou para Roma, com forte apoio do Papa Sérgio I (Papa entre 687 e 701), nascido em Antioquia, Síria, em 650, falecido em 701, precisamente a 8 de Setembro, data da festa da Natividade de Maria. Também nas igrejas bizantinas era já celebrada então esta festa, do nascimento da Bem-Aventurada Virgem Maria. Antes, diz-se que já no século V se festejava na Gália (França) esta festa, na diocese de Angers, graças a S. Maurílio. Em 1245, novamente em França, no concílio de Lyon, o Papa Inocêncio IV estendeu a festa a toda a cristandade. O Concílio de Trento (1545-1563) fixou definitivamente a data de 8 de Setembro, que se mantém até hoje.
Maria, reza a tradição, nascera de pais já idosos, sem possibilidades de terem filhos, mas tendo passado toda a vida orando para Deus lhes dar essa felicidade. Chamavam-se Ana (da tribo de Aarão, primeiro sacerdote) e Joaquim (da casa do Rei-Profeta Davida), residentes em Jerusalém, junto à dita piscina probática, ou de Betesda. Joaquim e Ana sofreram toda a vida por não terem descendência, espiaram probações, incredulidades do Templo de Jerusalém, vergonha e dor. Até que um dia arcanjo Gabriel (o mesmo a Anunciação a Maria), avisou Ana de que seria mãe. Ana deu à luz Maria, segundo essa tradição, num sábado (shabat judaico, dia do Senhor, de descanso e oração em recolhimento), a 8 de Setembro do ano de 20 A.C..
Maria é a denominação latina do hebraico “Miriam”, que significa “de onde vem a luz”. Mas foi um nascimento igual a tantos outros, apenas com a singularidade, como diria S. João Damasceno, de ter sido um fruto de um casal já na velhice, mas temente a Deus, o que prefiguraria já, segundo aquele teólogo, a santidade de Maria e as “graças que ela traria” ao mundo. Maria foi concebida de maneira natural, mas salvaguardada, livre, de forma milagrosa, do pecado original, para que viesse a ser a Mãe de Cristo. Todas as fontes assim o referem, como S. João Damasceno, nos seus louvores e homilias em honra da Virgem Maria. De referir que uma narração apócrifa, “De ortu Virginis”, sobre a Natividade da Virgem, portanto, apontava que Maria fora concebida por Santa Ana a 1 de Maio, fazendo com que nascesse, assim, com cerca de quatro meses de gestação. Tal nunca fora aceite porém.
A festa da Natividade de Maria conota-se com a importância prefigurativa na história da salvação, antecipando o nascimento do Filho, na pureza e humildade, na simplicidade. Além disso, a sua colocação no começo do ano eclesiástico foi importante para a consolidação da festa, como se vê no “Monologium Basilianum”. Maria, «bendita entre todas as mulheres» (Lc 1,42), estava pois «destinada a tornar-se a Mãe do Messias», como referira S. João Paulo II num dos seus louvores marianos (2004). A Natividade de Maria é pois a alvorada da história da redenção, o início do caminho até à vinda do Salvador. Por isso, o fervor especial que sempre colheu entre os cristãos desde há mais de mil e 500 anos, Maria, Theotokos, “Mãe de Deus”.
Além de toda esta importância teológica que se pode deduzir, poderíamos ainda notar que na Igreja se festejam os santos, que são muitos. Mas festeja-se normalmente a data da sua morte, ou martírio. Mas nascimentos apenas se festejam três: Jesus (Natal), S. João Baptista (24 de Junho) e… Maria (8 de Setembro). A Natividade de Maria, além da copiosa produção artística que inspirou, ao longo dos séculos, saliente-se que vem também narrada no alcorão, na terceira sura, ou capítulo, sem o “toque de Satanás (“Shaytãn”).
Vítor Teixeira
Universidade de São José