Estabelecendo uma estratégia para a luta interior

Amar é lutar

«Na Primavera daquele ano», assim começa o capítulo 11 do Segundo Livro de Samuel, «no tempo em que os reis também iam à Guerra, David enviou Joab, juntamente com os seus servos, e toda Israel; e eles destruíram os Amonitas, e cercaram Rabah. Mas David ficou em Jerusalém. E aconteceu que, numa tarde já adiantada, quando David se levantou do seu divã e se dirigiu para o terraço do palácio real, viu do alto do terraço uma mulher que se banhava; e a mulher era muito bonita». Todos nós sabemos o que aconteceu a seguir.

Reparem na contradição: estávamos num tempo “em que os reis também iam à Guerra”, e o que é que David estava a fazer? A “passar pelas brasas!” Se tomarem conhecimento de todos os problemas que afligiram David depois deste acontecimento, reparamos quão irresponsável é dormir-se “no tempo em que os reis também vão à Guerra”.

Nós somos reis. Tornamo-nos reis quando somos baptizados. Porquê? Porque nos tornamos cristãos ao sermos baptizados. E o Cristo – o Messias ou o Ungido – tem uma função tripla. Ele é o Sacerdote, o Profeta e o Rei. Por isso nós nos tornamos reis.

E qual é o papel de um Rei? Ser o mestre, ser o Senhor. Senhor do quê? Em primeiro lugar, ser senhor de si próprio (ver o nº 908 do Catecismo da Igreja Católica). O primeiro dever de um Rei é ser o senhor de si próprio. Porque se ele não se puder governar a si próprio, como poderá esperar ter a capacidade de governar os outros?

Isto significa que o rei está em guerra permanente. Ele terá, sempre, que ir para a batalha, uma batalha que se trava no seu íntimo. Ele não pode dormir. Não nos admira que S. Paulo, na sua carta aos Efésios (6:11,13), nos diga para nos vestirmos com as nossas «armaduras divinas». E S. Pedro avisa-nos: «Estejam sóbrios, estejam alerta. O vosso adversário, o demónio, ronda por perto como um leão esfaimado, procurando alguém para devorar» (Pedro 5:8).

Na semana passada verificámos que esta “armadura divina”consiste nas graças que nos são concedidas através das orações e dos Sacramentos. Graças que são tanto de luz como de força. Mas as graças de Deus só funcionam quando são usadas. Posso ter todas as marcas de sabonetes em casa, mas se nunca tomar banho vou ficar a cheirar mal e muito sujo. Temos que enfrentar a batalha, armados com as Suas graças.

Uma vez os apóstolos perguntaram a Jesus, «Senhor, apenas uns poucos se salvarão?» Ele respondeu: «Lutem para encontrar o caminho da porta estreita; Digo-vos, muitos serão os que tentarão, mas não serão capazes de entrar» (Lucas 13:23-24). «Lutem pela possibilidade de entrarem» (os equivalentes em Grego (agonitesthe) e em Latim (conténdite) referem-se a uma competição, a um desafio. Isto explica-nos porque é que S. Paulo diz a um dos primeiros bispos da Igreja: «Um atleta não é coroado se não competir de acordo com as normas» (II Timóteo 2:5).

Na sua Primeira Carta aos coríntios ele explica: «Não sabem que numa corrida todos os participante competem, mas apenas um recebe o prémio? Então corram de forma a obtê-lo. Cada atleta pratica auto controlo em todas as coisas. Fazem-no para receber uma coroa perecível, mas nós fazemo-lo por uma coroa imortal. Enfim, eu não corro sem destino, não dou socos no ar, mas eu controlo o meu corpo e subjugo e assim depois de pregar aos outros eu próprio serei desqualificado» (Coríntios 9:24-27). A Carta aos Hebreus diz: «Na vossa luta contra o pecado ainda não resistiram ao ponto de derramarem o vosso sangue» (Hebreus 12:4).

Há momentos em que a nossa luta requer que não enfrentemos o adversário, mas que fujamos dele. Isto aplica-se especialmente às tentações contra a castidade e fidelidade.

O Papa Francisco, no dia 2 de Julho de 2013, teceu comentários sobre a história de Lot (ver Génese 19), que foi avisado para fugir de Sodoma com a sua família porque Deus iria destruir a cidade. «O Anjo disse-lhe que fugisse, mas ele tinha no seu íntimo uma impossibilidade de se separar do mal e do pecado». O Papa Francisco explicou que apesar da nossa determinação em sair «existe algo que nos chama para trás, e então Lot começou a negociar, mesmo com o Anjo».

«É tão difícil cortar os laços que temos a uma situação pecaminosa», continuou o Santo Padre. «É difícil! Mesmo na tentação é difícil! Mas a voz de Deus diz-nos “Foge, aqui não podes lutar, porque o fogo e o enxofre matar-te-ão. Foge!”».

Santa Teresa do Menino Jesus ensinou-nos que em certas circunstâncias, em algumas tentações, a única solução é fugir e não há nada de que ter vergonha em fugir; reconhecer quão fracos somos, e que temos que fugir. E a nossa sabedoria popular, na sua simplicidade, diz isto, um pouco ironicamente: «Quem luta e foge vive para lutar noutra altura».

Então que fazemos? Como podemos envolver-nos nessa batalha pela nossa Alma e a nossa felicidade futura? Deixem-me sugerir algo que podem fazer: arranjem um director espiritual. Somos atletas espirituais, e como tal precisamos de um conselheiro espiritual. Se nós nos encontrarmos frequentemente com ele, ou ela, no mínimo duas vezes por mês não voltaremos a «ser atirados de um lado para outro ao sabor de cada vento doutrinário que apareça, pelo desejo do homem e truques humanos enganadores» (Efesianos 4:14).

O Papa Bento XVI explicou a 19 de Maio de 2011: «Como isso nunca falhou, de novo, nos dias de hoje a Igreja continua a recomendar a prática do aconselhamento espiritual, não apenas para todos os que quiserem seguir a Deus mais de perto, mas para todos os cristãos que queiram viver responsavelmente o seu baptismo, isto é, a sua nova vida em Cristo». «De facto, todos, em especial aqueles que receberam uma chamada para um seguimento mais próximo, precisam de serem apoiados pessoalmente por um guia doutrinário seguro e conhecedor das coisas de Deus».

«Um guia pode defender-nos de uma interpretação fácil e subjectiva, pondo à nossa disposição todo o seu conhecimento e as suas experiências, vividas por seguir Jesus. (O aconselhamento espiritual) é questão de estabelecer-se o mesmo relacionamento pessoal que o Senhor tinha com os seus discípulos, aquela ligação com a qual Ele os liderou, fazendo-os seguirem-no, a abraçarem o desejo do Pai (ver Lucas 22:42), ou seja, em abraçar a Cruz».

Pe. José Mario Mandía

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