Tolerância religiosa

Relembrando o legado de São Francisco Xavier

Numa altura em que se sentem por todo o mundo as ondas de choque provocadas pela intolerância religiosa – ou alimentadas por ela… – é importante relembrar o papel de São Francisco Xavier no diálogo entre pessoas com culturas e visões de Deus e do mundo completamente diferentes. E de como a sua aproximação não é, de todo, impossível.

Francisco Xavier nasceu no ano de 1506 no Castelo de Xavier, em Navarra, reino ibérico (mais tarde pertencente a Espanha). Celebram-se, por isso, em 2016, 510 anos do seu nascimento.

Oriundo de uma família abastada pôde, pois, estudar na Universidade de Paris e, depois, em Veneza. Tinha frequentado, ainda na capital francesa, o Colégio de Santa Bárbara e aqui conheceu, entre outros, Inácio de Loyola. No contexto da Reforma proposta pelo alemão Martinho Lutero e de uma certa crise identitária da Igreja Católica provocada pela ascensão do Protestantismo, decidem fundar a Companhia de Jesus.

O monarca português de então, D. João III, propôs-lhes que continuassem a sua luta de afirmação espiritual da fé cristã no Oriente. Depois de anuir, o padre Francisco Xavier chegou a Lisboa em 1540 e aí permaneceu cerca de um ano, trabalhando no Hospital Real de Todos os Santos.

Começou em Goa, na Índia, em 1542, o seu “périplo” como grande apóstolo do Oriente tendo sido uma espécie de representante do Papa. Estabelecendo-se no Colégio de São Paulo (nele se educavam jovens vindos de muitas partes do Oriente: por exemplo, um discurso por ocasião da abertura de um ano lectivo chegou a ser traduzido em trinta idiomas…), deu, então, início à sua missão de evangelização.

Após abandonar Goa percorreu o litoral indiano até ao extremo meridional do País, chegando até Malaca e às Molucas e a muitas ilhas da região chegando, depois, ao Japão. Aí voltou a empenhar-se na difusão da Doutrina Cristã: não é sem razão que, ainda hoje, no Japão, se refere ao período de tempo que medeia a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII como o século cristão, nem que, por exemplo, segundo me explicou, há um par de anos, Maho Kinoshita, da embaixada portuguesa em Tóquio, se encontre na cidade de Nobeoka (na ilha de Kyushu) um bairro chamado Mushika (“Música”, em Português), em virtude de Otomo Sorin, daimyo (chefe local) convertido ao Cristianismo, que viveu no século XVI, assim o ter nomeado, pois uma igreja cristã da região ensinava melodias e músicas europeias.

O Cristianismo acabou, no entanto, por ser declarado uma fé “non grata”, tendo sido mesmo acusado de heresia um conjunto de missionários franciscanos e, em consequência, crucificados. Foram, também, posteriormente, martirizadas centenas ou, até, milhares de pessoas que tinham já abraçado a religião cristã.

Os missionários jesuítas acabariam por ser expulsos do País – e da povoação de pescadores doada à Companhia de Jesus em 1580, Nagasaki – em 1614. O padre Francisco Xavier, esse, tinha já falecido em 1552 na China. Foi beatificado em 1605 pelo Papa Paulo V e, depois, canonizado em 1622 por Gregório XV.

Mais do que terminar esta breve evocação de São Francisco Xavier, reafirmando a sua pertença à Companhia de Jesus ou a sua figura enquanto personalidade cimeira da expansão da cultura europeia no mundo (pois que não tendo nascido em terras portuguesas esteve ao serviço de uma causa encabeçada por portugueses), importará vincar a sua luta pela convivência de todos em paz e fraternidade e, também, pela supremacia do espiritualismo sobre o materialismo. Ou seja, um verdadeiro espírito ecuménico.

PS: O Clarim publicou, há alguns meses, um texto de opinião em que, por lapso, referi que a localidade portuguesa de Fernão Ferro estava adstrita ao Concelho de Sesimbra. Integra, na verdade, o Concelho do Seixal.

Fica aqui a correcção e o pedido de desculpas aos leitores.

Ricardo Pereira 

Antropólogo

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