THE LIGHTHOUSE THRIFT HOUSE EM GEORGE TOWN, NA MALÁSIA

THE LIGHTHOUSE THRIFT HOUSE EM GEORGE TOWN, NA MALÁSIA

Um espaço de esperança

Sempre que se fala de cristandade na Malásia obrigatoriamente vem à baila Malaca e os membros da pujante comunidade lusodescendente aí residente, conhecidos localmente como “kristangs”. E por aí ficamos. Porém, a verdade é que por toda a costa oeste da Península Malaia pontuam bolsas de católicos, sendo a mais relevante a de George Town, na ilha de Penang, autodenominada euroasiática pois além da componente portuguesa cultiva também as suas raízes holandesas, inglesas, francesas e outras.

De regresso a Penang, décadas após a minha primeira passagem, procuro, como sempre, sinais da interacção luso-asiática. E não há melhor local para isso que os cemitérios. No protestante, aberto a todos, relva bem tratada, uma das placas eterniza a memória de uma tal “Fennella Loureiro, falecida com 30 anos em 1875”. Paredes meias, o campo santo católico está encerrado a visitas. Sugere-me alguém que procure a chave no lado de lá do longo e musgoso muro. No terreno contíguo à igreja de São Pedro onde funciona a Lighthouse Thrift House, organismo cristão de apoio aos mais carenciados que apela ao voluntarismo e aos donativos e conta com padaria própria.

À entrada deparo com um homem alto com chapéu de abas, claros traços caucasianos no facies e semblante inicialmente desconfiado mas que aos poucos se vai abrindo. James Noronha, nado e criado em Penang e com familiares em Kuala Lumpur e na Austrália, não tem dúvidas quanto à origem do seu apelido. Depois de feita «alguma investigação» chegou à conclusão que descende de um certo capitão de navio dos áureos tempos das descobertas; ou quiçá até de um vice-rei da Índia. Uma família nobre, portanto? «Claro», diz James, «teve a sorte de deparar com um euroasiático de origem portuguesa». Do idioma luso que outrora naquela região floresceu nada se lembra e agora, «com 72 anos de idade», trabalha como porteiro oficial da instituição que se apresenta como um “local de esperança”, não só para os economicamente mais desfavorecidos mas também para os muitos condutores de riquexó toxicodependentes.

Septuagenário com ar de cinquentão – nem uma só ruga no rosto! – James é um dos únicos descendentes portugueses que restam. Os mais velhos morreram e os mais jovens emigraram, subsistindo apenas algumas famílias, muito poucas. Os seus familiares residentes na Austrália dedicam-se aos negócios, de resto, como a maioria dos asiáticos. «Apenas com trabalho honesto não se faz dinheiro que se veja», comenta o meu interlocutor. Mas logo de seguida, filosoficamente fatalista, remata: «mas se não trabalhamos, morremos». James Noronha odeia viajar e até Malaca lhe parece distante, quando mais a Austrália onde tem as irmãs e onde a recentemente a falecida esposa viveu alguns anos. «Mantenho-me de pedra e cal em Penang e aqui desfruto da vida», conclui. A esta aversão não será alheio com certeza o receio de andar de avião, apesar dos nos tempos de juventude ter exercido o funcionalismo público na British Australia Air Base.

A nossa conversa é interrompida pela chegada de duas senhoras de etnia chinesa, sócias devotas da agremiação The Lighthouse Thrift House, que trazem produtos alimentares para distribuir pelos mais credenciados. Paul ajuda-as a encontrar um local para estacionarem a sua viatura. «Funciona aqui uma espécie de cantina e a ajuda prestada pelos paroquianos é fundamental», comenta uma delas. «Temos os alicerces bem firmes e estamos sempre prontos a cuidar dos sem-tecto, dos órfãos, dos viciados, enfim, de toda aquela humanidade que a maioria considera perdida».

Passamos, entretanto, pela igreja de São Francisco de Xavier, «dedicada aos católicos locais falantes de Tâmil», com um belo e sólido edifício mesmo ao lado onde estão sedeados um orfanato e um lar da terceira idade. Na secretaria – «tem sorte pois a senhora que está na secretaria conhece-me bem», diz Noronha – obtenho a chave que me dá acesso ao cemitério, afinal, a principal razão da minha visita. Nas paredes e tecto dessa sala, sinais óbvios da predominância da etnia chinesa entre a comunidade católica local, os falsos panchões e as lanternas vermelhas no tecto colocadas por altura do Ano Novo Lunar mantém-se apesar de ir já avançado o Verão.

Quanto ao espaço sagrado propriamente dito (assim designam por aqui os cemitérios) lápides, maioritariamente em Inglês, perpetuam os nomes de “Helena Louisa D’Reys, falecida a 24 de Agosto de 1888, apenas com um mês e dezoito dias de idade”; “Paschal de Silva, deixou esta vida a 5 de Maio de 1805”; “Marcillina Simoens”; “Anastasia Catherina de Souza”; “W.W.W de Oliveiro”; “Michael D Souza”; e dos “saudosos Perte Patrick Pereira e Peter Benson Pereira”. Num canto mais remoto, num mármore rosáceo, deparo com a seguinte inscrição quase apagada: “Grasinha Gracia, natural de Bengala, faleceu quinta-feira, às 11 horas da noite de 5 de Outubro de 1825, com a idade de 70 anos”.

Joaquim Magalhães de Castro

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