«O mundo só tem olhos para a Ucrânia»
Buma vende calções e t-shirts num mercado nocturno para turistas, na praia de Khao Lak, duas vezes por semana. Buma é um dos muitos milhares de imigrantes que pululam nos distritos tailandeses de Phang Nga e Ranong, este último vizinho ao extremo sul de Myanmar. Afinal, a fronteira não fica longe: a pouco mais de cem quilómetros a norte.
Buma, agora com 24 anos de idade, nasceu na província nortenha de Kachin no seio de uma família cristã. Aos dezoito anos decidiu que era altura de partir e no país vizinho, à semelhança de tantos outros compatriotas, foi em busca de uma vida melhor. «– Pagam-me cinco mil baht por mês», informa, enquanto dá um gole numa Chang de litro e mastiga um pedaço de frango frito que um “farang” lhe ofereceu. Desses cinco mil bahts tem de enviar mesada à família, pagar o quarto, a comida e ainda sobra algum para fazer o pé de meia possível.
Hoje em dia junta-se ao habitual fluxo imigratório uma onda de refugiados com urgência de fuga bem maior ainda. «– Como não nos podem impedir de partir os militares perseguem-nos e bombardeiam-nos, mesmo junto à fronteira». No País a aversão aos militares está mais acesa do que nunca. «– Somos cinquenta milhões contra apenas dois milhões». Ou seja, aqueles que de uma forma ou outra estão ligados à Junta Militar. «– Somos mais, mas eles têm as armas». Buma acredita que essa imensa maioria de descontentes acabará por vencer. É uma questão de tempo. Há já um Governo no exílio, na Austrália, pronto a assumir o poder quando a oportunidade surgir. Sempre que pode Buma dá o seu contributo a uma contínua campanha de angariação de fundos. Os cem ou duzentos bahts que dispensa ajudam a comprar armas e munições que depois são à socapa introduzidas no seu país. E assim se vai alimentando uma resistência popular que não pára de crescer. «– Todos os dias são abatidos pelos populares mais de uma centena de soldados», diz. «– A continuar este registo em breve a Junta não terá gente para combater e será obrigada a devolver-nos a nossa liberdade». E conclui: «– Não temos outra alternativa, senão resistir. O mundo só tem olhos para a Ucrânia».
Joaquim Magalhães de Castro