«Sempre pertenci a uma minoria nos sítios onde vivi»
Caracterizado por um clima extremamente seco e por uma rica e diversificada cultura, o Baluchistão, “uma Nação sem Estado”, tem um historial de conflitos civis que remonta ao Século XVII e que se acentuaria no final do domínio colonial britânico, em 1947, e subsequente formação do Estado paquistanês. Apesar de ser uma região rica em recursos naturais – gás, petróleo, carvão, cobre, enxofre, mármore e ouro – permanece a província menos desenvolvida do Paquistão, tornando-se assim terreno fértil para todo o tipo de focos de agitação.
Nos últimos tempos, separatistas armados têm vindo a exigir uma maior autonomia e uma maior parcela dos recursos naturais da Província. Os tiroteios e as explosões são frequentes; rebeldes e exército mutuamente se acusam de actos de violência e desaparecimentos de pessoas. Tirando proveito desta caótica situação e da permeabilidade fronteiriça, os fundamentalistas islâmicos instalaram-se firmemente na região e têm vindo a espalhar o seu habitual terror.
Em 2013, o bispo D. Victor Gnanapragasam (fundador da Prefeitura Apostólica de Quetta, capital do Baluchistão) escapou ileso à denotação de um engenho explosivo perto da sua residência. Em 2017, dois bombistas suicidas visaram uma igreja metodista, enquanto crianças ensaiavam uma peça de Natal. O ataque, prontamente reivindicado pelo Estado Islâmico, ceifou a vida a sete delas e deixou mutiladas outras 57. Face a tão volátil ambiente, a Igreja Católica reforçou as medidas de segurança e hoje o Paço Episcopal, que abriga quatro escolas agregadas num complexo fechado, mantém seguranças em permanência.
Outras minorias – xiitas hazara e hindus – enfrentam similares dificuldades. Na mais recente onda de violência, três jovens ficaram gravemente feridos quando um grupo de motociclistas armados com metralhadoras atacou uma comunidade católica em Mastung. Um quarto jovem não teve tanta sorte: foi atingido por três balas no estômago e acabou por falecer. «Ambos os homens tinham os rostos cobertos. Foi a primeira vez que vi terroristas», disse um dos sobreviventes ao repórter da Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre). Dias mais tarde (11 de Agosto, Dia Nacional das Minorias), na região de Chaman, foi encontrado o cadáver de um cristão com o nariz e as orelhas decepadas. Na sequência destes atentados centenas de manifestantes saíram à rua exigindo a prisão dos perpetradores e uma protecção mais eficaz para os cristãos locais. “Parem o genocídio dos cristãos!” e “Disparar contra crianças – vergonhoso!”, podia-se ler nalguns dos cartazes.
«A pobreza e a baixa escolaridade produzem uma legião de jovens semi-analfabetos que facilmente são recrutados pelas organizações terroristas», comenta a propósito Meeran Breseeg, filho de um académico de nacionalidade iraniana que na década de 1980 foi obrigado a buscar asilo político. Primeiro em Karachi, depois em Cabul (onde nasceu Meeran, em 1985), e, finalmente, na Suécia, onde se viria a estabelecer com a ajuda do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas. «O crime do meu pai, Taj Muhammad Breseeg, foi ter pugnado pelos direitos políticos e civis das pessoas de origem baluchi no Irão», diz Meeran. Nos seus tempos universitários em Karachi, Breseeg fundaria um grupo que visava preservar e promover a cultura e língua baluchis. «Não pugnava por um Estado independente, tão só a igualdade de direitos e oportunidades para o povo baluchi. Não creio que estivesse a pedir muito», comenta o nosso entrevistado.
Graças ao exílio europeu, o pai concretizaria o sonho de ingressar no quadro docente da Universidade de Estudos Orientais e Africanos de Londres, a reputada SOAS, onde durante sete anos trabalhou na sua tese “Baloch Nationalism – Its Origin And Development”, publicada em 2004 e logo traduzida para Árabe e Urdu.
Apesar de estar agradecido à Suécia por lhe ter dado a nacionalidade e uma bolsa para poder concluir os seus estudos no Havai, «em marketing e comunicação», Meeran Breseeg não se sente sueco. E a razão desse desenraizamento deve-se ao facto de ter crescido num bairro de Estocolmo com alta densidade de imigrantes, «sobretudo somalis, mas também curdos, iranianos e iraquianos». Uma viagem à Tailândia transformou-o num “cidadão do mundo”, e, após trabalhos intermitentes na Suécia e em Espanha, regressaria de novo ao Sudeste Asiático, desta vez para abraçar um projecto turístico, juntamente com o irmão mais velho. Nos seis anos que viveu em Espanha, entre Granada e Málaga, reencontrou o calor humano que lhe faltava na Escandinávia adoptiva. «Sou uma pessoa muito social. Sinto-me melhor aqui do que na Suécia, onde todos são mais introvertidos», comenta.
Também na Península Ibérica teve oportunidade de fazer amigos portugueses e recordar o que sempre lhe dissera sua mãe. Que no seio da família, de tempos a tempos, nascia alguém com olhos claro e cabelo alourado, «uma clara herança genética dos portugueses». Meeran fala das «ruínas de castelos e torres» espalhados pela costa do Baluchistão cuja origem é atribuída aos portugueses, e de primos seus com aspecto europeu. «No Baluchistão temos consciência dessa herança, pois sabemos que os marinheiros que acompanharam Vasco da Gama se miscigenaram com as mulheres locais e fundaram famílias, que persistem ainda hoje».
Joaquim Magalhães de Castro