TEOLOGIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ (235)

TEOLOGIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ (235)

Como podemos ousar chamar a Deus de “Pai”?

Sabemos que uma das principais razões pelas quais os fariseus e escribas ficaram furiosos com Jesus foi por se ter referido a Deus como seu Pai. São João escreve (5, 18): «Por isso, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu Pai, fazendo a si próprio igual a Deus».

Jesus estava apenas a falar verdade. Ele não é apenas verdadeiramente homem, mas verdadeiramente Deus. Mas nós não somos Jesus Cristo. Somos pecadores, filhos de Eva. Quem somos, pois, para ousar chamar a Deus de Pai? O Catecismo da Igreja Católica explica, no ponto 2777: “Na liturgia romana, a assembleia eucarística é convidada a orar ao nosso Pai com ousadia filial. As liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: «Ousar com toda a segurança», «tomai-nos dignos de». Diante da sarça ardente foi dito a Moisés: «Não te aproximes. Descalça as sandálias» (Ex., 3, 5). Este umbral da santidade divina, só Jesus o podia franquear, Ele que, «tendo realizado a purificação dos pecados» (Heb., 1, 3), nos introduz perante a face do Pai: «Eis-me, a mim e aos filhos que Deus Me deu!» (Heb., 2, 13): ‘A consciência que temos da nossa situação de escravos far-nos-ia sumir sob o chão, a nossa condição terrena dissolver-se-ia em pó, se a autoridade do próprio Pai e o Espírito do Seu Filho não nos levasse a soltar este grito dizendo: «Deus mandou o Espírito do Seu Filho aos nossos corações clamando Abba, ó Pai!» (Rm., 8, 15) […]. Quando é que a fraqueza dum mortal se atreveria a chamar a Deus seu Pai, senão somente quando o íntimo do homem é animado pelo poder do alto? (São Pedro Crisólogo)’”.

A palavra em Aramaico “Abba” é mencionada três vezes no Novo Testamento: durante a oração de Jesus no Jardim do Getsémani (Marcos 14, 36), e novamente em duas cartas de São Paulo (Romanos 8, 15 e Gálatas 4, 6). São Marcos decide citar directamente esta palavra e depois acrescenta a tradução na língua em que estava a escrever, ou seja, o Grego. “Abba” é uma expressão mais íntima do que a palavra normal para pai (“av”), algo como “Papa” ou “Papai”. Era usado por crianças pequenas e crescidas.

O que nos dá então o direito de chamar Deus de “Abba”? O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica refere, no ponto 582: “Porque Jesus, nosso Redentor, nos apresenta diante do Rosto do Pai, e o seu Espírito faz de nós filhos. Podemos assim rezar o Pai Nosso com uma confiança simples e filial, com uma alegre segurança e uma audácia humilde, com a certeza de ser amados e atendidos”.

São Josemaría Escrivá dizia que Deus “não se importa que não o tratemos com títulos pomposos, nem se preocupa que não reconheçamos a sua grandeza. Quer que lhe chamemos Pai, que saboreemos essa palavra, enchendo-se de alegria a nossa alma” (“A conversão dos filhos de Deus”, É Cristo que passa, n. 64).

UMA RESPONSABILIDADE E UM PRIVILÉGIO

O que significa para nós ser filhos de Deus?

“Este dom gratuito da adopção exige da nossa parte uma conversão contínua e uma vida nova. Orar ao nosso Pai deve desenvolver em nós duas disposições fundamentais:

O desejo e a vontade de nos parecermos com Ele. Criados à sua imagem, é pela graça que a semelhança nos é restituída e a ela devemos corresponder.

«Devemos lembrar-nos de que, quando chamamos a Deus ‘Pai nosso’, temos de nos comportar como filhos de Deus» (São Cipriano).

‘Vós não podeis chamar vosso Pai ao Deus de toda a bondade se conservardes um coração cruel e desumano; porque, nesse caso, já não tendes a marca da bondade do Pai celeste’ (São João Crisóstomo).

‘Devemos contemplar incessantemente a beleza do Pai e impregnar dela a nossa alma’ (São Gregório de Nissa)” (Catecismo nº 2784).

Em segundo lugar, “um coração humilde e confiante que nos faça «voltar ao estado de crianças» (Mt., 18, 3): porque é aos «pequeninos» que o Pai Se revela (Mt., 11, 25)”.

A oração realiza-se “contemplando a Deus somente, com o ardor da caridade. Nele, a alma funde-se e abisma-se em santa dilecção e trata com Deus como com o seu próprio Pai, muito familiarmente, numa ternura de piedade muito particular” (São João Cassiano).

“Pai nosso – que haverá de mais querido para os filhos do que o pai? – Este nome suscita em nós ao mesmo tempo o amor, o afecto na oração, […] e também a esperança de obter o que vamos pedir […]. De facto, que pode Ele recusar à súplica dos seus filhos, quando já previamente lhes permitiu que fossem filhos seus? (Santo Agostinho)” (Catecismo nº 2785).

Por que dizemos “nosso” Pai? O uso do possessivo plural implica uma “nova relação com Deus” e entre nós (Compêndio nº 584; cf. 585).

(1) Depois que Jesus Cristo cumpre as profecias, nós nos tornamos o povo de Deus, e ele se torna o “nosso” Deus.

(2) Esta expressão também nos ajuda a aguardar o fim dos tempos, quando, como Deus prometeu: «Eu serei seu Deus e ele será meu filho» (Apocalipse 21, 7).

(3) Recorda-nos que não rezamos sozinhos, que vivemos em comunhão.

(4) Também nos torna conscientes da necessidade de trazer outros a esta comunhão, para trabalhar pela unidade.

(5) Além disso, implica o desejo de que todos os homens conheçam a Deus como Pai.

Finalmente, mencionamos “o céu, ou a Casa do Pai, constitui a verdadeira pátria para a qual tendemos na esperança, enquanto estamos ainda na terra. Nós vivemos já nela «escondidos com Cristo em Deus» (Col., 3, 3)” (Compêndio nº 586).

Pe. José Mario Mandía

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