Temos um défice… mas de bons governantes

Podemos sentir-nos desiludidos e enganados por governantes que só se ouvem a si próprios, como foi o caso de José Sócrates que, apesar das exigências europeias (PEC 1, 2, 3 e 4), foi incapaz de compreender os avisos à navegação de uma Europa em mutação, deixando-se convencer pelos sorrisos mercantis de Angela Merkel.

Da mesma forma, mas por razões contrárias, o mesmo estado de espírito nos assalta quando os novos governantes mudam de opinião e comportamentos, ao sabor dos ventos eleitorais, como é o caso de Passos Coelho e Paulo Portas.

Já tínhamos percebido que as promessas que os conduziram ao poder e que logo foram desfeitas (apesar de terem afirmado previamente que conheciam bem as contas do Estado) era um sinal dos ziguezagues que nos esperavam até ao fim da legislatura. Só que, prestes a acabar o seu mandato, toda a gente esperava que o seu comportamento dignificasse mais a nossa inteligência, não tentando ludibriar-nos com mais enganos ou simulacros de alterações radicais dos seus procedimentos.

Para quem defendia, “com unhas e dentes”, que a austeridade era a única solução para o País, o castigo necessário por termos vivido acima das nossas possibilidades e o remédio para controlarmos a dívida nacional, o resultado foi que a dívida não parou de aumentar, transferindo-se massivamente do privado para a dívida pública; houve um aumento substancial do empobrecimento das populações mais pobres (segundo a OCDE, Portugal, mais do que a própria Grécia, cortou mais do que todos os países alvos de ajuda externa); e o País ficou entre os que mais subiram os impostos sobre os salários e o desemprego, com graves consequências na estabilidade financeira da Segurança Social.

Mas para quem defendeu sempre que a “salvação nacional” estava na aplicação deste tipo de medidas não nos seria estranho que elas continuassem, mesmo que estivéssemos à beira de novas eleições. Assim pensou a ministra das Finanças quando, há poucos dias, afirmou que iriam ser necessários novos cortes nas pensões, manter os cortes salariais na Função Pública e atrasar o fim da sobretaxa do IRS para 2019.

Um valente “puxão de orelhas” do Governo fez a ministra recuar, dizendo depois (sem vergonha do que antes afirmara) que estas medidas são para ser pensadas posteriormente (após as eleições, claro!), e Paulo “Petas” (o “defensor” dos reformados) veio a terreiro dizer que só se fariam cortes nas pensões se o Partido Socialista concordasse (?). Depois de toda a gente saber que, para o PS, a sustentabilidade da Segurança Social assenta na criação de emprego e não na miserabilidade dos pensionistas.

De forma ainda mais evidente se comportou a nova ministra da Administração Interna, que até aqui se mostrou inflexível às antigas exigências dos polícias e que, de repente (mãozinha governamental), começou a ceder às pretensões policiais, de tal forma que as organizações sindicais exigiram que as suas cedências ficassem escritas em actas (não vá o diabo tecê-las…).

Mas eis que a maior surpresa estava para chegar: Passos Coelho, quase em segredo e sem qualquer debate nacional (vá lá alguém saber porquê), enviou para Bruxelas a “contribuição do Governo português para a reforma da zona euro”. O documento, com o título “Rumo a uma arquitectura reforçada para a área do euro: aumentar a confiança e fomentar a convergência”, refere como justificação que, apesar dos esforços até agora realizados (austeridade), a situação está longe de ser resolvida, pelo que considera que deverão ser tomadas algumas medidas urgentes. Curioso é que o documento contraria grande parte do discurso que o governante tem tido ao longo destes últimos quatro anos e, em certa medida, vai ao encontro de algumas posições do maior partido da oposição, o PS.

Mas se depois disto alguém ficasse a pensar que o actual Governo está a juntar-se à oposição, defendendo algumas das suas exigências, desengane-se!

Obrigado a comentar o referido documento, Passos Coelho apressou-se a responder que o documento era demasiado ambicioso e que dificilmente seria aceite. O que, pelas suas palavras, pela sua habitual obediência aos ditames da troika e porque assinou e acarinhou o memorando, fazendo dele o seu próprio programa de Governo, nos faz adivinhar o seu comportamento na defesa dos interesses dos portugueses.

O nosso pior défice é de bons governantes.

Luis Barreira

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