TELESCOLA REGRESSOU AOS ECRÃS PORTUGUESES

TELESCOLA REGRESSOU AOS ECRÃS PORTUGUESES

Uma nova realidade

Esta semana tem sido, a nível pessoal, demasiado desafiante. Começaram, a valer, as aulas das crianças em Portugal. No nosso caso, arrancaram as aulas do último período da Primeira Classe, as que a Maria frequenta.

Se na semana passada, quando realmente reiniciaram as aulas após a pausa da Páscoa, foi apenas o “aquecimento” para o que aí vinha, com a realização de duas aulas por teleconferência com o professor que ensinava na escola antes de decretado o Estado de Emergência, esta semana começou a ser cumprido o programa oficial para todos os alunos do ensino obrigatório na televisão, a que apelidaram de “Estudo em Casa”. É uma espécie de telescola com contornos mais modernos em comparação ao tempo dos nossos pais (por acaso ainda me lembro, apesar de nunca ter sido “tele-aluno”). O conceito também foi implementado em Macau, o que ajudou muitas pessoas a aprender Português, embora ao início alguns não tenham acreditado nas suas vantagens.

Jamais me irei esquecer que em 1997, poucas semanas após ter chegado ao território, numa viagem de táxi, quando ainda pouco ou nada sabia de Cantonense, me deparei com um taxista chinês que sabia falar Português. Não que fosse muito fluente, nem nada que se parecesse, mas conseguia perfeitamente fazer-se entender. Aliás, muito melhor falava ele Português do que eu falo Cantonense. Durante a curta conversa, entre a Avenida da Praia Grande e o “treme-treme”, na Taipa, o primeiro apartamento em que vivi, fiquei a saber que o senhor havia aprendido Português somente através das aulas da telescola. Posso estar enganado, mas penso que nessa altura já as aulas televisionadas tinham sido descontinuadas pelas autoridades portuguesas.

Aqui em Portugal, os membros do Governo e quem decidiu avançar para este novo modelo de ensino à distância, tentam, sempre que se fala do assunto, evitar comparações com a antiga telescola. De acordo com números oficiais, em média, era anualmente frequentada por cerca de sessenta mil estudantes. Significa isto que mais de um milhão de alunos beneficiou deste subsistema educativo até ao final dos anos 80. A telescola terminou, oficialmente, em 2003, quando foi publicada a extinção dos 250 postos de Ensino Básico Mediatizado.

Segunda-feira foi o primeiro dia das emissões do “Estudo em Casa”. Começam às nove da manhã e prolongam-se durante o dia, englobando todos os anos de ensino e matérias leccionadas. Há inclusivamente uma aula de Português (língua não materna) à hora de almoço, o que para a NaE veio mesmo a calhar pois andava a pensar aprender Português. Embora se desenrasque muito bem em Português quer aprender os aspectos gramaticais da língua.

Quanto à Maria, quando lhe dissemos que ia ter aulas pela televisão, “ficou em pulgas”, como se costuma dizer. A televisão é o sonho de qualquer criança. Não sabia ela que não era para ver bonecos, mas sim olhar para uma senhora que durante a aula da trinta minutos disse “OK” mais de cinco dezenas de vezes. Foi a primeira aula de Português para crianças da Primeira Classe. Seguiu-se a aula de leitura. Curiosamente, a senhora professora já não recorreu tanto ao “OK” como na primeira aula. Muito provavelmente deve ter ouvido algum reparado de alguma alma mais atenta da equipa de produção.

Claro que a Maria, cinco minutos depois de ter começado a aula, perdeu todo o entusiasmo. Afinal, desta vez, a alegria de ver televisão logo pela manhã foi desfeita com o facto de não haver desenhos animados.

Finda a transmissão para os alunos dos primeiro e segundo anos, a Maria teve de passar da televisão para o ecrã do computador, a fim de ter aula com o seu professor da Escola Primária. Como a turma é constituída por vinte alunos, o professor decidiu dividir a turma em dois grupos – um tem aula de manhã e o outro de tarde.

Era já quase uma da tarde quando terminaram as aulas. Foram só mais de três horas seguidas… Para uma criança com sete anos de idade, é dose! Depois do almoço ainda esteve mais quatro horas a fazer os trabalhos de casa e a preparar-se para o dia seguinte, que seria preenchido com a disciplina de Estudo do Meio e Cidadania. Na quarta-feira teve Português e Matemática, na quinta-feira Estudo do Meio, e hoje (sexta-feira) tem Matemática e Educação Física. No fim-de-semana vai ter de se preparar para a aula de Português das segundas-feiras.

Claro está que para tudo isto é necessário que alguém possa estar disponível a tempo inteiro, pois não é possível uma criança tão pequena conseguir gerir sozinha as aulas na televisão, as aulas “online” com o professor e os trabalhos de casa. Infelizmente, o tempo para brincar é pouco, restando apenas os intervalos entre as aulas e o serão em família.

O que me causa um pouco de confusão no meio disto tudo, além de considerar a carga excessiva e sem qualquer nexo, é não saber como fazem as crianças que não têm ninguém para estar com elas a tempo inteiro. Ou, por exemplo, saber como irá fazer a Maria e outras crianças quando o Estado de Emergência terminar e os pais que trabalham por conta própria tiverem de voltar à rotina para pagarem todas as dívidas contraídas durante o período de inactividade. É que os pequenos e médios empresários têm muito mais dificuldade em respeitar os compromissos assumidos com terceiros, para além de pagar as despesas fixas mensais – algumas delas a envolver o Estado….

João Santos Gomes

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