SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA (8 DE DEZEMBRO)

SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA (8 DE DEZEMBRO)

Trezentos anos de tradição e muita história

Todos os dias 8 de Dezembro, desde 1854, são dedicados à Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, dia de preceito, doutrina de origem apostólica que foi proclamada dogma pelo Papa Pio IX no dia 8 de Dezembro daquele ano, pela Bula Ineffabilis Deus. Todavia, desde 1644 que a Festa era celebrada em Espanha. Esta celebração seiscentista surgiu como recordação da Batalha de Empel (actualmente na cidade de ‘s-Hertogenbosch, nos Países Baixos), ocorrida a 7 e 8 de Dezembro de 1585, durante a Guerra dos Oitenta Anos (1566/1568-1648), ou “Revolta Holandesa”.

Em Espanha, a batalha é denominada “Milagre de Empel”. Porquê “milagre”? Com efeito, um Tercio (unidade de infantaria espanhola) do exército espanhol, o Antigo Tercio de Zamora, comandado pelo Mestre de Campo Francisco Arias de Bobadilla, enfrentou e derrotou, em condições muito adversas, uma frota de cem navios dos “rebeldes” holandeses dos Estados Gerais dos Países Baixos, sob o comando do Almirante Felipe de Hohenlohe-Neuenstein. Eram cerca de seis mil espanhóis contra trinta mil holandeses. Os ibéricos estavam em situação desesperada, malvestidos e armados, sem víveres. O frio era tanto que o Rio Mosa congelou. O tercio espanhol atacou então com êxito as embarcações rebeldes, desbaratando-os. A retumbante e milagrosa vitória, contra todas expectativas, com a ulterior proclamação da Imaculada como patrona dos tércios de Itália e Flandres, espoletou a celebração em Espanha.

O conceito religioso da Imaculada Conceição refere-se à maneira especial como Maria foi concebida. Essa concepção não foi virginal, pois Maria tinha pai e mãe humanos, mas foi especial e única de outra forma. É como se Maria tivesse recebido um conjunto de dons de Deus para ser Mãe do Salvador, de forma a cumprir uma missão tão importante. Por isso, o Arcanjo Gabriel, na Anunciação, saúda-a como “cheia de graça”. Maria doou-se assim em livre assentimento da sua fé ao anúncio da sua vocação, como refere o Catecismo, de forma a concretizar o desígnio divino. Maria, como refere a Constituição Apostólica do Papa Pio IX sobre o dogma da Imaculada Conceição, “(…) foi preservada imune de toda mancha do pecado original no primeiro instante de sua concepção pela singular graça e privilégio de Deus onipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo (…)”.

A Igreja ensina que a Maria foi redimida pelo seu Filho, como todos os que acreditam em Cristo. Contudo, Maria foi redimida antecipadamente pelos méritos da Incarnação. Como referem os teólogos, Eva, antes de Maria, não estava sujeita à Queda e, portanto, era o princípio de tudo. Porém, Maria, ao contrário de Eva, nunca abriu mão daquela liberdade que a graça de Deus lhe deu. Maria foi preservada da culpa do pecado original desde o momento da sua concepção. Recorde-se que Adão e Eva foram também criados imaculados, sem pecado original ou mancha. No entanto, ambos caíram em desgraça e através deles toda a humanidade foi destinada ao pecado. Cristo e Maria também foram concebidos imaculados. Mas ambos permaneceram fiéis e através deles a humanidade foi redimida do pecado. Jesus é, portanto, o novo Adão e Maria a nova Eva. O nascimento virginal refere-se ao facto de que Jesus foi concebido e nasceu não da carne, mas do Espírito Santo. Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todos os pecados pessoais durante toda a sua vida. O que a Eva, virgem, amarrou por causa da sua falta de fé, a Virgem Maria desatou por causa da sua fé, acrescentam os teólogos marianos. De acordo com São Justino Mártir, Santo Irineu e São Cirilo de Jerusalém, Maria era de facto vista como a Nova Eva, embora ainda imaculada e incorrupta, não sujeita ao pecado original. Efrém, o Sírio, padre da Igreja, dizia mesmo que Maria era tão inocente como Eva antes da Queda. Alguns teólogos chegam mesmo a comparar com uma espécie de adágio: “A morte veio por meio de Eva, a vida por meio de Maria”…

Os Padres da tradição oriental, por exemplo, chamam a Maria, Mãe de Deus, de “a Toda Santa” (Panaghia), celebrando-a “como imune de toda mancha de pecado e moldada e feita uma nova criatura pelo Espírito Santo”. Os Padres Gregos nunca discutiram formal ou explicitamente a questão da Imaculada Conceição. Como sustentou Pio IX na definição dogmática, também os Padres da Igreja afirmaram que “a própria Virgem Santíssima foi pela graça purificada de toda a mancha de pecado e livre de toda a mancha do corpo, da alma e do entendimento (…) sempre com Deus, (…) aliança eterna, e que nunca esteve nas trevas, mas na luz (…)”.

Maria foi concebida de pais inférteis, Ana e Joaquim, mas devotos, numa pureza sagrada, como refere o apócrifo Evangelho de Tiago (Século II). Santo Ambrósio de Milão definiu Maria como incorrupta, uma virgem imune pela graça de toda a mancha de pecado. São João Damasceno defendia que a pureza de Maria se estendeu também aos seus pais, plenos e purificados pelo Espírito Santo, libertos da concupiscência sexual. No Século IV, a ideia de que Maria estava livre do pecado era aceite entre os cristãos. Todavia, levantava-se a interrogação se o pecado original lhe fora transmitido.

A Festa da concepção de Maria teve origem na Igreja Oriental no Século VII, chegou a Inglaterra no Século XI e daí disseminou-se pela Europa, onde foi aprovada oficialmente em 1477. Estendeu-se a toda a Igreja em 1693. O termo “imaculada”, porém, não foi oficialmente adicionado ao nome da Festa até 1854.

Recorde-se que na Idade Média a doutrina da Imaculada Conceição foi alvo de polémicas entre franciscanos e dominicanos. Os primeiros, de tendência “escotista”, eram a favor, os segundos, “tomistas”, eram contra. São Bernardo de Claraval (1090-1153), cisterciense, e São Tomás de Aquino (1225-1274), dominicano, diziam que se Maria estivesse livre do pecado original na sua concepção, então ela não teria necessidade de redenção, tornando supérflua a redenção salvadora de Cristo. Do lado franciscano, John Duns Scotus (1264-1308) falava numa redenção preservativa como sendo mais perfeita. Para este teólogo, Maria ter sido preservada livre do pecado original era uma graça maior do que ser libertada de qualquer pecado. Os franciscanos foram os maiores defensores desta devoção. Em 1439, o Concílio de Basileia declarou a Imaculada Conceição como uma “opinião piedosa” consistente com a Fé e as Escrituras. No Concílio de Trento (1545-1563), não surge alguma declaração explícita sobre o tema, apenas declarando Maria livre da universalidade do pecado original. O Breviário Romano revisto (1868-1871) suprimiu o Ofício e Missa da Conceição da Santíssima Virgem (ainda que permitisse aos franciscanos a sua celebração), substituindo-o pelo ofício da “Natividade da Santíssima Virgem”.

A Imaculada Conceição foi declarada padroeira de Portugal em 1646, por D. João IV. No ano seguinte, foi proclamada padroeira de Macau, embora o seu culto existisse desde 1580, trazido pelos franciscanos, e merecendo devoção dos jesuítas desde 1640. Não é por qualquer motivo que o nome oficial da Sé Catedral de Macau é “Igreja da Natividade de Nossa Senhora” (foi fundada antes de 1576 e posteriormente reconstruída em 1623 e 1850).

Em 1849, o Papa Pio IX, pela Encíclica Ubi primum, inquiriu os Bispos da Igreja sobre se a doutrina da Imaculada deveria ser definida como dogma; noventa por cento dos que responderam apoiaram. Em 1854, proclamou então o dogma.

Vítor Teixeira

Universidade Fernando Pessoa

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