Solenidade da Igreja e da Cidade

A Procissão do Corpo de Deus

A festa do Corpo de Deus, ou Corpus Christi, realiza-se na quinta-feira seguinte ao Domingo da Santíssima Trindade, o qual, por sua vez, ocorre no Domingo seguinte ao de Pentecostes. Ou seja, 60 dias depois da Páscoa. A origem da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo remonta ao Séc. XIII, como já no ano passado aqui referimos. Corpus Christi, como é mais conhecida universalmente, é uma expressão latina que significa “Corpo de Deus” ou, mais precisamente, a solenidade do “Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo”, que se celebra em honra do Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Como salientou o Papa Francisco na homilia da Solenidade do Corpo de Deus em 2013, «somos a multidão que Jesus alimenta hoje com o Seu Pão. Também nós procuramos segui-l’O para O ouvir, entrar em comunhão com Ele e acompanhá-l’O para que Ele também nos acompanhe».

O Dia do Corpo de Deus foi durante muito tempo em Portugal um feriado nacional religioso, que se celebra sempre a uma quinta-feira. Neste ano de 2016 celebra-se a 26 de Maio, uma data que servirá também para assinalar a reposição do feriado anteriormente extinto.

O Corpo de Deus foi, com efeito, feriado até 2012, altura em que foi decidido que este feriado religioso seria eliminado. A partir de 2013 o Corpo de Deus deixou de ser feriado, mas em 2016 volta a considerar-se esta festa católica como um feriado.

Em termos de significação, apontemos que o Corpo de Deus é uma “festa de guarda” com vários séculos, onde os católicos devem participar, indo à missa e participando, se possível, numa procissão. O Corpo de Deus é uma celebração católica que tem como fim celebrar o mistério da Eucaristia, o Sacramento do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo. Em várias localidades no mundo católico realizam-se procissões e festas religiosas neste dia, muito participadas. As ruas são decoradas com flores e em algumas localidades são colocados tapetes florais no chão para a procissão passar. A procissão do Corpo de Deus é assim o zénite púbico de uma festa religiosa onde os poderes públicos e oficiais das localidades participam, além das confrarias, irmandades, clero, encimado pelo prelado e cúria, as ordens religiosas e os seminários. A Igreja mostra-se à cidade, envolve-se na sua traça urbana e acolhe o povo que ruma às artérias da procissão. Neste dia é também comum a Igreja celebrar as primeiras comunhões e comunhões solenes de crianças e jovens.

 

Contornos da Procissão

Em Portugal o Corpo de Deus é uma festa importante desde a Idade Média, pelo menos desde o século XIII, sendo efectiva e documentada a procissão a partir do século XV, a partir de São João I. Na altura era costume levar-se no cortejo uma imagem de São Jorge, patrono dos exércitos e padroeiro de Portugal então. A imagem ia montada a cavalo, em vestes de guerreiro, numa tradição que assim se manteria até ao Séc. XX. Por isso, muitos lhe chamavam a “procissão de São Jorge”. O rito da procissão foi instituído pelo Papa João XXII (1317). O rito da festa caracterizava-se pela exposição do Santíssimo, Procissão, Vésperas solenes e Sermão.

As Câmaras Municipais e as Corporações de Artes e Ofícios, em Lisboa, como no Porto e por todo o País, acolheram a devota iniciativa, pelo que, rapidamente, a procissão se tornaria na mais notada, participada e interessante de todas, a “Procissão das Procissões”. Em várias localidades, além do cortejo cívico e corporativo, apareciam carros alegóricos, figuras pitorescas, danças, momices e cenas de autos sacramentais, numa procissão que demorava horas, sendo um evento tanto religioso como social. As Câmaras, aplicando instruções régias, publicaram regimentos ou regulamentos da procissão, indicando os usos e os costumes, os modos de vestir, as obrigações de cada corporação, as danças (entre elas a judenga, ou “dança dos judeus”), as bandeiras e pendões, as coreografias (anjinhos, folias, figuras sacras…) e o lugar do clero. Raras foram as sedes concelhias que não tiveram Regimento da Festa, mas as memórias mais expressivas acerca da procissão ficaram em Coimbra, no Porto e em Lisboa.

Em Lisboa, por exemplo, onde estava associado o culto de São Jorge, cumpriam-se paragens para representação das famas ou glórias do santo, além de danças. Representavam-se ainda as tradicionais “estações” do Santíssimo, como hoje ainda se faz na Andaluzia, em Espanha (Sevilha). Na capital portuguesa, no final do cortejo lá vinha o pálio, a cujas varas pegavam os mais altos dignitários da Corte e da Câmara, sempre representada por toda a Vereação. Sob o pálio, deslocava-se o bispo da cidade, que levava no humeral a custódia com o Santíssimo Sacramento. Era ladeado pelo Rei, ou Chefe de Estado, ou dignitário similar. Assim se fez até 1910, mais ou menos desta forma por todo o País e no Império Ultramarino. Naquele ano da República, o Estado proibiu os dias santos da Igreja (excepto o Natal e o dia 1 de Janeiro), interrompeu o culto público, embora, nas igrejas, se continuassem a celebrar missas solenes ou solenes pontificais nas Sés. A procissão e festa pública do Corpo de Deus só nos finais do Séc. XX voltaria às ruas. Em Lisboa só em 2003, por exemplo. Hoje, sem o entusiasmo e adesão massivos da idade Média e da Época Moderna, o Corpo de Deus é celebrado com gáudio e devoção populares.

 

E em Macau?

Como em Portugal, a Solenidade do Corpo de Deus é histórica, já que na Cidade do Santo Nome de Deus, além de bispo e clero, secular e religioso, sempre existiu fé e devoção, fiéis e corporações cívicas, irmandades e confrarias, a Misericórdia e o Seminário, entre outras instituições, mais mercadores, artesãos e corporações profissionais, enfim, todos os actores desta festa do povo. Como hoje aliás… Com a República, em 1910, a solenidade desapareceu das ruas, remetendo-se ao interior das igrejas. Mas fora sempre uma grande festa, com uma notável procissão, concorrida e devota, como as procissões de Macau, aliás, ainda hoje.

Recordemos uma referência do Boletim Oficial de Macau de 1862 que alude à festa “solemne de Corpus Christi” que incluiu uma procissão a partir da igreja da Sé e que terminou com a intervenção do “Batalhão de Macao”, que se associou ao evento, efectuando “descargas ao recolher o Pallio”, o sagrado pálio de quatro varas sob o qual o Prelado levava o Santíssimo. Pelas ruas de Macau, onde se espera volte a haver a solenidade da Igreja e da cidade.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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