Síria, a verdadeira história (13)

Como os pais de hoje enganam os filhos

Aqui temos alguns jovens da nossa paróquia (mostra uma fotografia); são estudantes do quarto ano de Medicina. Quatro anos a estudar Medicina, em Aleppo, mesmo quando debaixo de bombardeamentos.

Olhem para esta rapariga, Umira, tinha acabado de se formar em Biotecnologia há apenas alguns meses. Estudou durante cinco anos. Reparem na felicidade desta rapariga. A propósito, ela não é de Aleppo, mas de uma pequena cidade muito mais calma (numa certa forma de falar). Podia ter ficado na sua pequena cidade com a família, mas decidiu ir para Aleppo no começo da guerra. Ali ficou para estudar e assim se formou.

Tenho quarenta e dois anos de idade, e na Argentina tenho amigos, da minha idade, que ainda estão na Universidade. Ainda lá estão… há dez, quinze anos a estudar na Universidade, gostam daquilo. Parece que desejam ficar por ali o resto da vida. E nunca se formam! Já gordos, com barbas, e nunca se formam. Dizem que “aquilo” é complicado, é difícil…

Mas estes jovens estão numa situação extrema. Eles estudam e formam-se. Vão todos os dias à Universidade, arriscando as suas vidas. Estudam com uma pequena lanterna (à noite), porque não há electricidade, e formam-se.

As irmãs (da paróquia) contaram-me que há umas poucas semanas circularam pelo distrito algumas notícias alarmantes (foi um falso alarme) de que nossa parte da cidade tinha sido ocupada. Temos sempre uma mochila pronta com os documentos pessoais e bem essenciais para no caso deles entrarem (na cidade) podermos fugir. Temos tudo pronto.

Durante o (falso) alarme podia-se ouvir toda a gente a sair das suas casas e a correr pelas ruas. As irmãs disseram aos nossos estudantes: «Vão, fujam já! Cada um com a sua mochila. Fujam!».

Uma delas agarrou a mochila e os apontamentos (das aulas) e levou-os com ela. Uma das irmãs perguntou-lhe: «Por que levas as anotações contigo?». Respondeu: «Irmã, se conseguirmos sair vivos disto, tenho um exame na próxima segunda-feira».

Quase não se acredita na fortaleza deste povo, a fortaleza que a Fé lhes dá. Reparem como os sacrifícios e sofrimentos fortaleceram a sua vontade. Eles – acreditem – são pessoas livres, muito mais livres do que antes. Sim, há uma guerra e perseguições, mas são livres.

Quantas vezes queremos proteger as nossas crianças, os nossos jovens, do sofrimento. Queremos fazer com que tudo lhes seja fácil. Sempre se ouviu as mães dizer: “Sofri muito quando era criança. Era uma grande pobreza. Éramos dez ou doze crianças. Oh, como sofremos. Não, não, não. Pelo meu filho eu faço tudo. Eu só tenho dois (filhos), assim eles poderão ter tudo, assim eles podem ter conforto e não sofrer. Eu sofri bastante”.

Pobres crianças! Nós fazemo-las escravas dos seus caprichos. E depois crescem e têm que enfrentar a realidade da vida, que está cheia de dificuldades, sofrimentos e testes. Então sentem que nós as enganámos. Chocam-se com a vida real e falham porque não as preparámos para o sacrifício. Não as preparámos para renunciarem. Não as formámos como seres livres, donas de si próprias; que podem decidir, efectuar algo, seja difícil ou não, custe o que custar

Irmã Maria da Guadalupe Rodrigo

(Tradução: Pe. José Mario Mandía e António R. Martins)

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