Palavras de Ouro
Pedro Crisólogo – em Grego: Ἅγιος Πέτρος ὁ Χρυσολόγος transl: Petros Chrysologos, em Latim: Petrus Chrysologus, ou seja, “Pedro das Palavras de Ouro” – nasceu em Ímola, no Norte de Itália, c. 380, na mesma cidade onde morreria a 31 de Julho de 450. Quase no fim do Império Romano. Foi arcebispo de Ravena, de 433 até à sua morte, que ocorreu numa visita à sua cidade natal, não muito longe da sua diocese. Além de Santo e Padre da Igreja, foi proclamado Doutor da mesma pelo Papa Bento XIII em 1729, devido às suas belas homilias, sermões e pregações, que lhe valeram pois a alcunha de Crisólogo. Quase como São João Crisóstomo, “boca de ouro”.
Reza a tradição, que constitui a maior fonte para a sua biografia, que terá nascido em 380 ou 406, mas não se sabe ao certo – apenas que foi em Ímola. A mesma tradição refere que seu pai terá sido bispo da cidade e que depois da sua morte Pedro fora baptizado e recebera educação do novo bispo, Cornélio de Ímola. Mas o episcopológio de Ímola poderá ser mais rigoroso que a tradição, pois por ele sabemos que Cornélio foi bispo da cidade, o que as fontes históricas atestam. Foi nomeado entre 390 e 412, podendo ter sido o segundo bispo, pois há um anónimo designado até 378, que é deposto. Cornélio refira-se que só morreria em c. 446. Muitos consideram-no o primeiro bispo, porém. Por essa altura nascia Pedro, que ele educaria e prepararia na sacra teologia, de forma influente e decisiva, na escola que ele fundara em Ímola. Pedro, que sobressaíra nessa escola de Cornélio (como os santos Donato e Proietto), foi ordenado diácono em 430, três anos antes de receber a importante mitra ravenática, a qual assumira já como sacerdote.
Sobre Pedro, se a tradição domina o conhecimento sobre a sua existência até ser arcebispo de Ravena, as fontes históricas já falam por si quando ocupar o trono ravenático. A sua primeira biografia, do punho de Agnello Ravennate, no Liber Pontificalis Ecclesiae Ravennatis (“Livro Pontifical da Diocese de Ravena”, obra do século IX), fala-nos da formação de Pedro junto de Cornélio, até à sua ordenação diaconal. O Papa Sisto III (432-440), também grande orador e teólogo, nomeá-lo-ia arcebispo de Ravena em 433. Nomeação que traduz a importância e valor de Pedro, pois Ravena era à época nada mais nada menos que a capital do Império Romano do Ocidente, uma das cidades mais importantes do seu tempo, um enclave de cultura greco-bizantina, da língua grega e da cultura cristã oriental, mas não apenas, servindo de ponte com o Oriente.
Pedro notabilizava-se pela sua piedade e zelo, sendo muito admirado e estimado pelos fiéis, que se deliciariam com a sua oratória e eloquência, o seu labor pastoral, ganhando então a alcunha, naquela cidade de forte tradição greco-bizantina, de Crisólogo. O Papa seguinte, o grande Leão I (440-461), estimava muito Pedro Crisólogo, nele confiando e dando apoio. Leão I foi um dos maiores Papas do 1º milénio da Encarnação, grande teólogo e orador, em pleno tempo de desintegração do Império Romano do Ocidente, invasões bárbaras, obstáculos e heresias, controvérsias dogmáticas, mantendo a ortodoxia e o rumo da Igreja, que ajudou a ganhar ainda mais força e implantação. Ravena era um dos últimos lugares seguros e estáveis, de conexão entre Ocidente e Oriente, cidade rica e pujante, cobiçada, mas resguardada pelo mar a leste e uma cintura de pântanos a oeste, fortificados.
Gala Placídia (388/92-450), ilustre cidadã da cidade e mulher de grande poder, político e económico, imperatriz (mulher de Constâncio III), descendente de três imperadores, filha de um imperador, irmã de dois, mulher de um rei e depois de um imperador, mãe de outro e tia de dois, ela era o poder total, dir-se-ia. Mas estimava humildemente, com admiração e protecção, o arcebispo de Ravena, Pedro, o homem das belas palavras mas de grande força pastoral. Pedro foi também sondado para apoiar o monofisismo, heresia que pululava na Cristandade, mas rechaçou-a, afastando o teólogo Eutiques, por exemplo, que o terá consultado. Pedro seguiu Leão I, também veemente na sua condenação do monofisismo (Cristo teria uma só natureza, não as duas, humana e divina) e na afirmação da ortodoxia, ambos acerca disto pregando de forma assertiva e continuada.
Pedro foi a figura pois que conseguiu assumir-se como o pastor capaz de retirar a arquidiocese de Ravena do teatro de disputas e quezílias dogmáticas e doutrinais, de superstições e maus costumes que se apossavam da cidade. A sua predilecção por parte de Cornélio e também de Gala Placídia e seu filho Valentiniano III, que o protegiam, além da sua proximidade intelectual e doutrinal com o Papa Leão I, antes e depois deste ter ascendido ao trono petrino, tornaram-no lendário já em vida, guinaram-no como o prelado habilitado para assegurar Ravena e refundar a diocese. Sisto III terá até recebido em sonhos indicações nesse sentido, mas a realidade é que na prática assim o empossou. A sua fidelidade ao Papa e à Igreja, a sua ortodoxia e o seu zelo, humildade e rectidão, ajudaram a superar as dificuldades dos seus primeiros tempos como arcebispo de Ravena e daí a tornar o seu Governo como decisivo e relevante. As suas epístolas e sermões ganharam fama, além e força pastoral, galgando as fronteiras de Ravena e tornando-o famoso e lido, escutado e seguido em todo o Império, reforçando a sua alcunha de Crisólogo.
Atribuem-se-lhe 725 sermões, pelo menos, de carácter apologético e moral, numa época de grandes debates e querelas cristológicas, apresentando postura ortodoxa e refutando as heresias da época, como o arianismo, o nestorianismo e o monofisismo. Comentários das Sagradas Escrituras, sermões e comentários litúrgicos, morais e homilias, além de formação de catecúmenos, fazem parte também dos seus escritos. Este fecundo autor terá escrito muito mais, como mais ainda terá pregado, mas muito se perdeu. Em 450, em fama de santidade e de virtudes, partia, em Ímola, para a Casa do Pai, São Pedro das “Palavras de Ouro”.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa