Um Papa grande em tudo
Nasceu em Roma, então Império Romano do Oriente, ou Bizantino, cerca de 540, em pleno “século de ouro de Justiniano” (imperador bizantino que reinou entre 527 e 565). Chamava-se Gregório Anício, foi monge beneditino, não se conhecendo datas de profissão monástica nem de ordenação como presbítero. Foi eleito Papa a 3 de Setembro de 590, morreu teria 64 anos, a 12 de Março de 604, em Roma. A sua sepultura está na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Foi proclamado Doutor da Igreja a 3 de Março de 1298, sendo um dos quatro Grandes da Igreja “Primitiva”, a par de Santo Agostinho de Hipona, São Jerónimo e Santo Ambrósio de Milão.
O Papa Gregório I, dito o “Grande”, ou “Magno”, foi o primeiro Pontífice monge, da Ordem Beneditina, que estava então nos seus alvores. Ascendeu à cátedra de Pedro quando a Península Itálica estava submersa nas lutas entre o imperador Justiniano e os ostrogodos. Ao fim de muita destruição e dor, estes últimos foram derrotados, dando-se a morte do seu líder, Tótila, em 562. Toda a vida de Gregório Magno decorreu neste clima de guerras, consequência das disputas entre bizantinos, ou romanos do Oriente, e povos germânicos, como os ostrogodos, pelo controlo das riquezas do que é hoje a Itália.
Oriundo do patriciado romano, Gregório nasceu numa rica e poderosa família, próxima da Igreja. Já agora, a sua família vivia numa “villa suburbana” (neste tempo e na zona era algo de maior requinte que hoje…) no Monte Célio, na rua actualmente chamada “Via di San Gregorio”, onde se acha o mosteiro cisterciense de San Gregorio al Celio, entre o Coliseu e o Circo Máximo, em frente ao palatino imperial. Da sua família, de ambos os lados, extraíram-se muitos governadores e detentores de grandes cargos, mesmo eclesiásticos. Um seu trisavô fora mesmo Papa, Félix III (482-491), apoiado pelos ostrogodos. Gregório fora educado de forma superior, preparado para a carreira administrativa, de acordo com a sua linhagem patrícia. Tal como o pai, atingiu com 33 anos o cargo de prefeito urbano de Roma, o mais alto posto civil na cidade. Cargo que foi exemplarmente cumprido por Gregório, mas que não preencheu os seus anseios espirituais, que cada vez falavam mais alto na sua vida. Sabemos que por isso deixou a sua carreira e rumou a um mosteiro, beneditino.
A Ordem de São Bento havia sido fundada, formalmente, em 529, na abadia de Montecassino, por São Bento de Núrsia (480-547). A ordem monástica nascente enxameava então na Itália Central, assumindo-se como um oásis de espiritualidade e de paz no meio da voragem das guerras que ali irrompiam de forma sangrenta. Gregório juntou-se aos discípulos de Bento, consagrando-se ao serviço de Deus. Sabe-se que pouco depois terá sido ordenado diácono da Igreja Romana, tendo sido enviado como representante do Papa Pelágio II (579-590) na corte bizantina durante seis anos (580-586). Gregório, depois de regressar a Roma, em 586, ter-se-á tornado abade do mosteiro de Santo André. Este mosteiro, beneditino, foi resultado da transformação da sua “villa” familiar (na sequência da morte de seu pai) num cenóbio beneditino, que depois da morte de Gregório será renomeado para a denominação actual, San Gregorio al Celio.
Em 590, o Papa Pelágio II morreu, vítima de epidemia. Gregório foi eleito pelo povo de Roma como seu bispo, ou seja, Papa. Gregório interveio logo na disciplina eclesiástica, além de promover a catequização popular. Foi um grande pregador, autor de muitas homilias, um Papa erudito e eloquente, bem como um excelente administrador do tesouro e património de São Pedro. Encetou e fez avançar a conversão do que é hoje a Inglaterra (enviou Santo Agostinho de Cantuária e quarenta monges para o efeito). Enviou também missões de evangelização entre os visigodos da Espanha, os francos e os saxões. Fez reformas litúrgicas, sendo responsável pela compilação do “Antifonário”, pela reforma da música sacra, fundando a Schola Cantorum em Roma, além de ter composto vários hinos. Fortaleceu o poder papal, como mais ninguém antes, além de definir e clarificar várias doutrinas da Igreja, até então confusas, o que lhe valeu o título ulterior de Doutor da Igreja.
Chuvas catastróficas, com piores inundações, corrupção, calamidades e destruição, desorganização e decadência das instituições romanas, fomes e penúrias, o “século” de Gregório Magno foi um tempo de adversidades, mas foi nesse contexto que o Pontífice se afirmou, estribado na sua forte espiritualidade e fé, de dimensão contemplativa, com forte impacto no povo. Como aconteceu com a sua exortação à devoção a São Miguel Arcanjo, que terá livrado Roma da peste, aparecendo ao Papa e ao povo, numa procissão penitencial entre Santa Maria Maior e o Vaticano, sobre o antigo mausoléu de Adriano, ou Castelo de Sant’Angelo (do “Santo Anjo”, portanto de São Miguel). Salvou e fortaleceu a cidade de Roma. Intitulava-se a ele próprio da forma que muitos Papas desde então se autonomeiam: “Servus servorum Dei” (“Servo dos servos de Deus”).
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa