Saint John [João] Fisher

Um santo inglês

No próximo dia 22 de Junho a Igreja Católica celebra um mártir da Inglaterra, um bispo e depois cardeal que se notabilizou pela sua firme oposição à anulação do matrimónio do rei Henrique VIII com Catarina de Aragão e consequente ruptura da monarquia inglesa com Roma. Acusado de alta traição pelo monarca inglês, pagou a sua tenaz oposição com a vida, acabando decapitado, mas reconhecido como mártir da Igreja Católica, fazendo também parte do santoral da Igreja Anglicana desde 1989.

John Fisher (ou João) nasceu em Inglaterra, em Beverley, Yorkshire, a 19 de Outubro de 1469. Era o filho mais velho de Robert Fisher, mercador de lãs, e de Agnes Fisher. Estudou primeiramente num colégio junto à igreja de Beverley, passando depois para a reputada Universidade de Cambridge, o que confere prestígio educativo a John, que se ordenaria sacerdote em 1491, com 22 anos. Desde 1487 era bacharel, chegando a mestre no ano da ordenação. Permaneceu em Cambridge, onde chegou a ser director do seu colégio, de Michaelhouse, tendo sido nomeado vigário de Northallerton, Yorkshire. Em 1497 renunciaria ao cargo para se tornar reitor do seu colégio, além de passar a ser capelão de Margarida Beaufort, condessa de Richmond e Derby, mãe do rei Henrique VIII. Doutor em 1501, foi então eleito vice-chanceler da Universidade de Cambridge. Com a protecção de Margarida Beaufort fundou os colégios de St. John’s e de Cristo na universidade e ainda a cátedra de Divindade em Oxford e depois em Cambridge, onde foi o primeiro catedrático dessa cadeira.

 

O episcopado

Em 1504 foi ordenado bispo de Rochester, no mesmo ano em que atingiu o cargo de chanceler da Universidade de Cambridge, para o qual foi reeleito anualmente até 1514, quando passou a ocupar vitaliciamente. Nessa altura terá sido tutor do então príncipe e futuro rei Henrique, VIII. John Fisher notabilizou-se pela sua sabedoria, bem como pela sua arte de pregador, tendo mesmo em 1509 pregado os sermões das exéquias fúnebres de Henrique VII, cujos textos ainda hoje se guardam. Em 1512 foi nomeado como um dos representantes de Inglaterra no Concílio de Latrão V (1512-17), embora não tenha feito a viagem, que foi cancelada. Por essa altura convidou Erasmo de Roterdão para professor visitante de Cambridge, onde teria mais sucesso que em Oxford. Fisher era um prelado altamente focado no estudo e na sapiência. Muitos lhe atribuem ainda, dentro dessa fama de erudição, a autoria de um tratado contra Lutero, publicado em 1521, e que valeria a Henrique VIII o título de Defensor Fidei (“Defensor da Fé”), outorgado por Roma.

Fisher era já renomado pelas suas críticas aos abusos na Igreja, apelando à necessidade de reformas na disciplina, pregando várias vezes nesse sentido. Apesar de pedir reformas na Igreja, foi ao mesmo tempo um dos mais importantes críticos das propostas de reforma de Lutero.

 

Contra Henrique VIII

A sua notoriedade expressou-se todavia ainda mais perante os intentos do rei Henrique VIII se querer divorciar de Catarina de Aragão, rainha de quem era conselheiro. Manifestou até perante a corte que estaria disposto a morrer em nome da indissolubilidade do matrimónio, o que enfureceu o monarca. Henrique, com efeito, escreveu de imediato um texto em Latim e com a sua própria mão contra o bispo, o qual a recebeu e fizera uma cópia, com anotações e comentários, sem qualquer temor perante a cólera régia. O rei nunca lhe perdoaria.

O bispo Fisher pertencia também à Câmara dos Lordes, pelo que pôde advertir o Parlamento acerca dos ataques e usurpações do soberano à Igreja Católica em Inglaterra, com o prelado a augurar profeticamente, caso continuassem esses abusos, a dissolução da Igreja no reino. Fisher manteve-se livre e sem medo na críticas, aliás vertidas em documentos que ainda hoje se conservam e atestam a sua coragem, verticalidade e grandeza, mesmo perante o todo-poderoso Henrique VIII. A intriga campeou, todavia, a minar o rei contra o bispo de Rochester. Mesmo apaziguada a tensão numa entrevista entre ambos, a tensão entre Henrique e a Igreja de Inglaterra manteve-se exacerbada, com alguns prelados, entre eles Fisher, a queixarem-se a Roma, o que enfureceu ainda mais o monarca. Fisher e os outros bispos foram presos, durante meses, tendo depois sido libertados. O bispo Fisher chegou mesmo a ser alvo de tentativa de envenenamento, suspeita-se, às ordens dos esbirros do monarca, na sequência dos inúmeros conflitos que grassaram entre o rei e a hierarquia católica inglesa, principalmente depois de 1531, quando a mesma reconheceria o cardeal Wolsey como representante do Papa.

 

O martírio

Corria o ano de 1534 quando Fisher e um grande amigo, de seu nome Thomas More, estadista e a mais proeminente figura católica inglesa, se negaram a jurar a nova Acta de Supremacia – pela qual se nomeava ao rei de Inglaterra a cabeça da Igreja de Inglaterra, negando a autoridade do Papa – o que os conduziu ao cárcere, na funesta Torre de Londres, sob acusação de alta traição. Paulo III, Papa, nomeou no ano seguinte a Fisher como cardeal, em Maio. Esta nomeação aceleraria ainda mais, todavia, o processo e a sanha condenatória contra Fisher. Henrique VIII considerou essa nomeação papal como a prova da conspiração do bispo de Rochester contra a monarquia inglesa, o Estado enfim. Em Junho desse ano de 1535, o novo cardeal foi levado a tribunal, acabando por ser acusado de traição pelo facto de se ter negado a aceitar Henrique VIII como cabeça da Igreja em Inglaterra.

A pena deste crime foi a morte. Assim, no dia 22 de Junho de 1535, em Londres, John Fisher, bispo de Rochester e cardeal, foi decapitado, porque recusou, acima de tudo, negar o primado e autoridade suprema do Papa na Igreja Católica. Os católicos ingleses desde sempre o consideraram um mártir, o que fez com que fosse canonizado em 1935 por Pio XI, tal como Thomas More. A sua festividade é comemorada na Igreja Católica Apostólica Romana em 22 de Junho, a par do seu dilecto amigo, na vida e na morte. Enfrentou a morte tal como levou a sua vida, com dignidade, coragem e tranquilidade, no que impressionou os que a ela assistiram na Torre de Londres. Sepultado desnudado e decapitado, no adro de uma igreja londrina, foi depois trasladado 15 dias depois para a mesma igreja onde colocariam o amigo depois da morte deste, decapitado em 16 de Julho seguinte. Juntos na vida e na morte.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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