Um Natal Solidário.
Estamos a poucos dias do Natal. É pois o momento de escrever uma daquelas crónicas típicas desta época do ano. Melancólica, saudosista e a cheirar a rabanadas! No entanto, os nossos Natais pouco disto têm tido nos últimos anos.
Desde que deixámos Macau que nunca mais vivemos o que se pode chamar de “típica quadra natalícia”, com bacalhau, bolo-rei, rabanadas, Vinho do Porto, presépio e árvore de Natal. Em 2016 e 2017, por acaso, até vivemos o espírito natalício, mas devido a várias adversidades nos últimos anos, com as quais não contávamos, a nossa disposição tem sido muito pouca para apreciar o que quer que seja. Houve sempre preocupações que se sobrepuseram ao Natal, embora acreditemos que também a generosidade e o bom ambiente que se vive no Natal possa ter contribuído – mais não seja pelo facto da família ter estado toda junta – para uma mais rápida recuperação. Como sabemos, o bem-estar psicológico, no caso de doenças do foro oncológico, é tão importante como o tratamento médico.
Este ano, e porque estamos de volta ao nosso veleiro, voltamos a ficar sem bacalhau, presépio e tudo o resto… A ver se conseguimos fazer bolo-rei e rabanadas. Já Vinho do Porto e árvore de Natal, estão garantidos!
Recordo agora um pouco do Natal de 2016, em que vivemos momentos pelos quais esperamos nunca mais ter de passar. A NaE estava em pleno tratamento de quimioterapia; sofria aos olhos de todos, menos dos dela. Realizou um tratamento químico agressivo porque havia necessidade de reduzir o tamanho do tumor para que fosse possível proceder à intervenção cirúrgica. Apesar de a ter acompanhado em todos os tratamentos, sabia que ela estava completamente de rastos, mas nunca lhe vi alguma expressão de desânimo ou um “baixar de braços”. Era difícil imaginar que uma rapariga com pouco mais de cinquenta quilos, de aparência franzina, tivesse tanta força interior para enfrentar tamanho contratempo.
Volvidos quase dois anos de um tratamento que lhe levou literalmente tudo – cabelo, jovialidade e juventude – está rejuvenescida e com uma mentalidade para com a vida que acredito ser inspiradora. A NaE vive agora o dia-a-dia, tentando aproveitar cada momento como se fosse o seu último. É algo que contagia a todos – familiares, amigos e conhecidos. Quer saborear o que a vida lhe dá.
Como todos os doentes oncológicos, a NaE merece vencer esta maldita doença, de uma vez por todas. São pessoas que merecem uma segunda oportunidade, mais não seja para nos ensinarem que a vida é para ser vivida todos os dias, pois só assim podemos usufruir de todos os momentos e sermos felizes com aquilo que temos. As memórias são a única coisa que nos fazem felizes. E a NaE tem-nos dado muitas, fazendo questão de o transmitir a todos os que a rodeiam.
Não podemos revelar quais são os nosso planos para o Natal deste ano, pois sinceramente não temos. Só sabemos que vamos passar a quadra em família: eu, a NaE e a Maria. O local será, muito certamente, a nossa casa flutuante. Já em que parte do mundo estaremos, não sabemos nem consideramos tal dado importante. Gostaríamos que fosse no Haiti, na Île à Vache, onde planeamos ancorar com o objectivo de oferecer alguns dos nossos pertences às crianças e à população da ilha em geral.
Como é sabido, o Haiti é dos países mais pobres do mundo, sendo a escassez de bens gritante. Na nossa bagagem iremos levar velas usadas, anzóis, linha de pesca, canetas e lápis, papel, lápis de cor, e tudo o resto que encontremos no veleiro e não nos faça falta – ou que lhes faça mais falta do que a nós.
É já usual os velejadores que passam pelo Haiti levarem todo o tipo de materiais para doar. Infelizmente, falta de tudo na pobre ilha. Há inclusivamente movimentos organizados de velejadores que periodicamente se deslocam a Île à Vache, com o simples intuito de entregar bens recolhidos noutros locais das Caraíbas e da América.
Sabemos que Macau fica longe e que organizar uma doação a partir da Ásia assumiria proporções enormes em termos de logística. Contudo, se houver alguém interessado em fazer algum tipo de doação, podem-nos contactar. Comprometemo-nos a fazer chegar os donativos a quem mais precisa, através dos religiosos que trabalham no terreno.
Nesta época do Natal, em que todos exageramos nos presentes e no dinheiro que gastamos em artigos supérfluos, é o momento ideal para pensar no próximo, nos que nada têm e que podem beneficiar com um pouco que possamos colocar de lado na extravagância das compras de Natal. Anzóis no Haiti (uma caixa de anzóis custa cinquentas patacas) é das melhores coisas que se podem oferecer aos pescadores. Eles não pedem que lhes dêem peixe, pedem sim que lhes proporcionem forma de conseguirem pescar para alimentar as suas famílias.
Resta-nos desejar a todos os leitores d’O CLARIMum Feliz Natal e um Próspero Ano Novo. Uma quadra cheia de coisas boas, muita felicidade e – em especial – muita saúde!
João Santos Gomes