Rota dos 500 Anos

Primeiro dia do resto das nossas vidas

O dia que tanto ansiámos desde Setembro de 2016 chegou a 7 de Novembro! Já estou nas Caraíbas, mais exactamente na ilha de Curaçao, onde a 19 de Setembro de 2016 deixámos o nosso veleiro-casa Dee.

No mês de Agosto desse mesmo ano recebemos a pior notícia das nossas vidas: foi diagnosticado um cancro da mama à NaE e tivemos de passar para último plano a viagem de barco à volta do mundo. Desde o início decidimos que a saúde vem sempre primeiro, pelo que quando descobrimos a doença nem pensámos duas vezes. Havia que a enfrentar e encontrar uma solução para o problema. Não iríamos baixar os braços, pois nunca o fizemos e não era agora que o iremos fazer. Esta é a nossa postura em relação à doença ou a qualquer outro obstáculo com que nos cruzemos. Quem nos conhece verdadeiramente sabe que não desistimos de sonhos. Quando todos nos disseram que era uma má ideia, inclusivamente o então cônsul-geral de Portugal em Macau, e os apoios não chegaram do Governo, não baixámos as mãos nem desistimos do nosso sonho.

A ida para Portugal concretizou-se depois de ponderados vários factores. Embora saibamos que alguns tipos de cancro têm cura, o apoio da família é muito importante, até porque a sociedade ainda não lida com naturalidade quando confrontada com uma realidade que afecta cada vez mais pessoas. Depois das etapas (muito agressivas) que o paciente tem de ultrapassar – vitais para debelar o cancro – o apoio dos mais chegados é muito importante nos momentos em que está mais fragilizado em termos físicos e mentais.

Ora, uma vez que Portugal, felizmente, está na linha da frente no que aos tratamentos oncológicos diz respeito, fizemos as malas, arrumámos o barco, enfrentámos diversos obstáculos para poder transportar o Noel (cachorro que sempre nos acompanhou desde Macau) para a Europa, e em pouco mais de duas semanas deixámos as Caraíbas e aterrámos numa Europa que já não víamos há quatro anos. Um mundo completamente diferente do que estávamos habituados e para o qual não tivemos tempo de nos acostumar. Desde que chegámos à Holanda – fizemos a viagem para Portugal de carro – andámos a correr de um lado para o outro para colocar em andamento o processo de tratamento.

Em Outubro a NaE já tinha iniciado a medicação e em Maio do ano seguinte, depois de um longo processo de quimioterapia, procedeu-se à remoção cirúrgica de um dos seios e de todo o tecido afectado. Seguiram-se mais umas semanas de radioterapia e muita angústia por tanta coisa ter mudado. Agora, passados mais de dois anos do início dos tratamentos, com todos os sinais a apontarem para que tenham sido bem sucedidos, o médico autorizou que voltássemos a casa. A próxima consulta de oncologia está marcada para Julho de 2019. A NaE irá trazer para as Caraíbas a medicação necessária para os próximos seis meses.

Entretanto, vim primeiro para Curação a fim de preparar o veleiro. Posso dizer que estes dois anos em doca seca fizeram mossa. Quando cheguei à Curaçao Marine já estava o barco na zona de trabalho. Com a azáfama e o cansaço do primeiro dia não consegui detectar qualquer anomalia. Só passados dois dias é que verifiquei que um estai estava quebrado. Confrontei a marina e o processo ainda se arrasta.

Desde a minha chegada já pintei o casco e limpei todo o interior da embarcação. Espero estar a flutuar em breve para que possa testar os sistemas de água, casas de banho, cozinha… e o motor, claro! Tenciono sair da marina e rumar ao ancoradouro onde irei esperar a NaE e a Maria. Têm viagem marcada para 11 de Dezembro. Desta feita o Noel, que já está com nove anos (idade avançada para um buldogue francês), vai ficar no quentinho em Portugal, aos cuidados dos meus pais. O nosso fiel amigo desenvolveu entretanto uma hemivertebra e uma hérnia, que lhe dificultam a locomoção e o controlo das fezes e da urina, pelo que viagens de avião e de barco, por mais curtas que sejam, estão já fora de questão. Quanto muito irá ao veleiro quando chegarmos a Portugal.

A NaE e a Maria voam em Dezembro porque a pequena tem de aproveitar ao máximo o último ano no Jardim de Infância. Em 2019, quando regressarmos no Verão, vai para a primeira classe. Os anos passam a voar… O Natal e o fim-de-ano devem ser passados algures nas ilhas das Caraíbas. Ainda não temos bem planeado mas, muito possivelmente, nessa altura devemos estar na Hispanhola ou nas Ilhas Virgens Americanas.

Decidimos manter o registo do veleiro nos Estados Unidos, em detrimento da Europa. Como pretendemos que seja submetido a trabalhos de alguma envergadura, nomeadamente ao nível do motor e das madeiras interiores, iremos seguir rumo a Norte, para a costa americana. Aí iremos deixar o Dee durante o Verão, enquanto regressamos a Portugal para trabalhar no nosso negócio de comida tailandesa. O barco vai ficar na costa atlântica dos Estados Unidos durante os próximos anos. Quando for conveniente seguiremos até à Europa, sendo que a NaE também irá terminar os tratamentos. Como o sonho da volta ao mundo se mantém, logo veremos como a iremos realizar e em que sentido. Estando nós nos Estados Unidos, vamos ter a possibilidade de visitar as Bahamas, Turcos e Caicos e outros paraísos de coral na zona do Golfo do México, Flórida e Caraíbas.

Resumindo: a nossa viagem vai ser retomada como sempre vos prometemos. Visto que não andaremos pressionados em termos de datas e destinos, vamos aproveitar para vos ir dando a conhecer as comunidades constituídas por portugueses e macaenses, os traços do Catolicismo e outros aspectos interessantes dos locais por onde iremos passar.

À semelhança de outras crónicas, voltamos a pedir aos nossos leitores que enviem sugestões e comentários para nossa página de Facebook (www.facebook.com/sailingdee).

Resta dizer que esta mudança de rumo permitir-nos-á ir a um destino que havíamos colocado de parte: Cuba – uma ilha que tem tanto para contar.

João Santos Gomes

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