Quiaios, terra de capelas

Rota dos 500 Anos

ÚNICA LOCALIDADE DA PENÍNSULA IBÉRICA QUE OSTENTA CINCO VOGAIS SEGUIDAS

Quiaios, terra de capelas

Nas andanças de Norte a Sul, e de Este a Oeste de Portugal, temos sempre tentado, a par dos motivos profissionais, encontrar outros aspectos que nos mantenham ocupados. Como casal de diferentes culturas e religiões, não nos faltam motivos que nos atraiam em Portugal. Recentemente estivemos em Carcavelos, mais precisamente na Universidade Nova, onde tivemos a oportunidade de contactar com diversas pessoas de culturas díspares que ali se dirigiram para a conferência que se realizou naquela instituição de Ensino Superior. Mais recentemente estivemos na praia de Quiaios, a participar durante três dias num evento que já é uma tradição em Portugal. O “Quiaios Street Food Fest” é o festival de comida de rua mais antigo do País e todos os anos atrai a esta pequena praia, localizada nas franjas da Figueira da Foz, milhares de curiosos e apaixonados por esta nova tendência. No nosso caso, participámos pela segunda vez e os resultados não poderiam ter sido melhores.

Na momento em que escrevo este artigo ainda não sabemos como serão os próximos dias – temos sempre de estar preparados para imprevistos de última hora – mas quando o lerem já deveremos ter participado numa actividade em Peniche. Depois desta segue-se outra na cidade nortenha de Vila do Conde, por ocasião do São João.

Mas de volta a Quiaios, mais concretamente à sua praia, tivemos uma grande quantidade de clientes estrangeiros, o que já se começa a tornar um hábito. Apesar dos portugueses gostarem de comida tailandesa, há ainda muita apreensão por parte de quem não conhece. No último dia, quando estávamos quase a dar o trabalho por terminado, uma senhora de 72 anos aproximou-se – sozinha – do nosso “food truck” e depois de algumas perguntas disse querer «experimentar algo novo», até porque «não queria morrer sem experimentar uma comida diferente». Encheu-nos o coração! Momentos depois de ter comida o “pad thai” de frango, disse-nos que estava excelente e que se nos voltar a ver no próximo ano (a senhora é natural da vila de Quiaios) irá tentar convencer algumas das suas amigas a acompanhá-la nos sabores tailandeses.

Na curta e rápida conversa que tivemos com a senhora, cujo nome não fixei, perguntei-lhe pelo património religioso do concelho. É que na praia (pelo que observei) nem capela existe. Rapidamente a nossa interlocutora perguntou-nos se havíamos visto a igreja matriz ao passarmos na vila. Claro está que recuando na memória visual foi fácil identificar a igreja de São Mamede, tanto mais que está situada no local onde a estrada de saída da vila deixa de ter dois sentidos.

Localizada no centro da povoação, a igreja paroquial dedicada a São Mamede terá sido fundada na Idade Média. De planta rectangular, a fachada principal ostenta um portal rectangular e uma janela rococó. O edifício original era de diminutas dimensões mas foi ampliado em meados do século XVII e nos finais do século XVIII. A pintura de São Mamede ali exposta data de 1893, sendo da autoria do pintor Luís Serra, natural de Coimbra. Detalhes que conseguimos apurar mais tarde quando a curiosidade tomou conta de mim e tive tempo disponível para tal.

Para além da igreja de São Mamede, a freguesia conta ainda com a capela da Senhora da Graça, capela de Santo Amaro, capela do Senhor dos Aflitos e com a capela da Senhora da Boa Viagem.

Curiosamente, Quiaios é a única localidade da península ibérica que ostenta cinco vogais seguidas, sendo que a sua história remonta quase aos primórdios de Portugal.

Em conversa com um dos organizadores do evento, que é professor de História numa escola secundária da Figueira da Foz, explicou-nos que a vila de Quiaios tem foral desde 1514, assinado pelo Rei D. Manuel I. Em 1122 a rainha D. Teresa doou-a ao seu amante D. Fernão Peres de Trava. Após a famosa batalha de São Mamede (1128), em que D. Afonso Henriques conquista o controlo do Reino, o senhor da terra é expulso e parte da vila doada a Paio Guterres como recompensa pelos seus serviços em prol da independência de Portugal. A outra parte é entregue aos cuidados do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. A vila, segundo o professor, faz parte do Concelho da Figueira da Foz desde 1853.

A praia em si é formada por duas zonas distintas. Tem um extenso areal e oferece uma paisagem lindíssima com a Serra da Boa Viagem ao fundo. A zona onde o areal beija a serra chama-se Murtinheira e já foi palco de diversas séries de televisão, tanto portuguesas como estrangeiras. Durante o ano os residentes são menos de uma centena, mas na época balnear chega a um milhar.

Para quem pretenda realizar uma visita há diversas infra-estruturas, como piscinas, um hotel de três estrelas e um centro hípico (dotado de residencial e restaurante). Há ainda um centro de estágios que é muito frequentemente utilizado pelas mais variadas seleções nacionais com vista à sua participação em competições internacionais.

A praia fica a pouco mais de três quilómetros da vila e a pouco mais de dez quilómetros da Figueira da Foz. Aconselhamos a seguirem a estrada que atravessa a Serra da Boa Viagem, passando pelo Cabo da Boa Viagem, até chegarem às praias de Buarcos e à cidade da Figueira da Foz. É bem mais demorado, como é normal numa estrada de montanha, mas as paisagens são de cortar a respiração e podem sempre parar num dos inúmeros parques de merendas que se encontram pelo caminho.

João Santos Gomes

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