O Tradicionalismo Católico – V

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXI

O Tradicionalismo Católico – V

O tema é actual e incomensurável, mas fica a pergunta: Como se definem os católicos tradicionalistas? É importante tentarmos saber o que pensam para se tentar entender. Antes de tudo mais, é algo que não tem similaridade em toda a história da Igreja Católica até ao Concílio Vaticano II (1962-1965). Até na crise ariana (Arianismo, século IV, a primeira grande heresia cristã) não havia assim uma divisão quanto à tradição. Na época, tudo estava em definição; dos anos sessenta do século XX até hoje, são mais mil e 700 anos em que a tradição já pesa, mas não apenas na visão dita “tradicionalista”. Que não é a “dona” da Tradição…

Mas o que é exactamente um tradicionalista? Ou como se autodefinem os tradicionalistas? Primeiro, tem que se olhar para o passado, obviamente. Como acham eles que era tudo antigamente para optarem por um regresso ao passado, ou a permanência do antigo, do que estava antes do Concílio Vaticano II? Mas antes uma ponderação: no passado, houve evolução, o dito rito tridentino era diferente do que estava antes e por aí fora até chegarmos a Constantino, ou até à Comunidade de Jerusalém, por exemplo. Urge cuidar para não se cair no anacronismo ou no facilitismo do emprego do passado. Mas vejamos, no entanto, ancorando-nos em Trento (1545-1563), pelo menos.

Os tradicionalistas defendem que se tem que conhecer o passado para vermos o modo como as coisas eram antigamente, para melhor se ajudar a transmitir o significado do termo de maneira mais clara e plena, em vez do formalismo dos intentos de definição do tradicionalismo católico.

Antigamente não havia rito de missa traduzido para as línguas vulgares ou vernáculas, embora o Latim já tenha sido uma língua vulgar nos primórdios do Cristianismo, por exemplo. Existia apenas o Latim como língua litúrgica universal de uma Igreja multissecular, referem, como podemos ver no antigo Rito Romano que defendem que existia quase linearmente desde o século V, argumentando também com os ditos ritos orientais, quase tão antigos, que na sua maior parte escaparam ao renovamento litúrgico do Vaticano II, que entendem ter devastado a liturgia da Igreja. Recordam também que existiam apenas altares-mores voltados para Deus, e não os “altares-mesa” em “estilo luterano” da actualidade. O temor respeitoso e a reverência eram maiores nas comunidades devido a essa disposição dos altares, sustentam.

DISTINÇÕES E CRÍTICAS

Também não havia lugar para leitores leigos, “ministros da Eucaristia”, leigos ou figuras femininas no presbitério, acusam, mas apenas sacerdotes, diáconos (em estádio pré-sacerdotal, e não os permanentes), além dos acólitos, que eram a base transgeracional das vocações sacerdotais, que então enchiam os seminários, ao contrário de hoje. Não existiam seminários vazios, conventos e mosteiros vazios, paróquias abandonadas e escolas católicas fechadas, adiantam, sem contextualização nem escala. Pois existiam apenas, recordam os tradicionalistas, seminários, conventos, mosteiros, paróquias e escolas cheias de católicos e plenas de vocações, como fiéis provenientes de famílias que eram então também numerosas.

Também antigamente não ocorriam deserções em massa do Sacerdócio, das ordens religiosas, e de leigos a abandonar a fé católica, como actualmente, em que dizem se está a cair numa “apostasia silenciosa” na Europa e em todo o Ocidente, que em tempos era uma terra cristã. Muitos consideram que a Igreja estava a viver uma era gloriosa e de afirmação universal aquando do começo do Concílio Vaticano II, tudo se tendo esfumado e caído no oposto depois do fim da magna reunião.

Daqui à música profana nas igrejas é um “tiro”, outra das acusações tradicionalistas às celebrações actuais: antigamente era somente canto gregoriano ou polifonia, que consideram que melhor despertava a alma e a mente para Deus e para a contemplação do divino: bater palmas ou com os pés, como hoje, é algo que os tradicionalistas recusam, no seguimento das críticas ao ecumenismo. Não havia ecumenismo, referem. Existia apenas uma convicção de que a Igreja Católica é a Igreja única e verdadeira, fora da qual não há salvação, um preceito que imperava desde a Idade Média e que tantas guerras, problemas e fracturas suscitou. Os católicos, rememoram os tradicionalistas, obedeciam sem mais ao Ensinamento da Igreja que “[diz] que os fiéis não podem de maneira alguma assistir activamente ou participar de qualquer culto de não católicos…”, como pregara Pio XI, no qual se estribam, que defendia que “(…) não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela”, que é a única forma de salvação que existe.

Por isso, não havia “diálogo”, não era necessário, pois bastava a evangelização pelo clero e leigos com o objectivo de converter as pessoas à verdadeira religião e à única Igreja redentora. Recordam ainda que os convertidos à Igreja eram em números tão grandes que muitos julgaram que se tinha dado uma conversão católica em países como os Estados Unidos, por exemplo, onde programas de rádio católicos tinham audiências de dezenas de milhões de americanos ao Domingo…

Muitos acham que a fraqueza humana invadiu a Liturgia, onde os abusos imperam e se matou o mistério, profanado e adulterada a dignidade suprema do culto divino.

Numa questão fracturante e violenta, os tradicionalistas advogam também que no tempo em que vigorava a “tradição” não existiam abusos sexuais e principalmente crimes de pedofilia, existindo uma autoridade forte da Igreja, que ordenava que “os votos religiosos e a ordenação [ministerial] deveriam ser proibidos aos candidatos afligidos por más tendências ao homossexualismo ou à pederastia [segundo uma ‘Instrução sobre a Selecção e Treino Criteriosos dos Candidatos para os Estados de Perfeição e Ordens Sagradas’, de 1961]”.

Outra referência vai para a existência hoje em dia de grupos “Católicos Carismáticos”, “Neo-Catecumenais” ou outros “movimentos eclesiais” a promover novos, mas estranhos, modos de culto inventados pelos seus fundadores, que antigamente, claro, não existiam. Só existiam um grupo de católicos, reverberam os tradicionalistas: os católicos! Um só culto, uma só fé, tudo da mesma maneira que os seus antepassados numa continuidade perene e multissecular.

Como temos vindo a analisar ao longo destes artigos, é fácil perceber que não foi sempre assim e a continuidade, ou unidade, ou unicidade, não se podem aplicar de forma tão fácil. E claro, antigamente não havia tradicionalistas, só católicos e uma tradição, única, argumentam os tradicionalistas? Será?, senão reflictamos pois nestas concepções tradicionalistas.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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