Rota dos 500 Anos

Aruba: religião, cultura e comida portuguesas

Chegou com dois anos de idade, depois do pai aqui ter estado, um ano antes, para vender gelados pelas estradas desta ilha tórrida. Ao contrário da emigração de Curaçao, os portugueses de Aruba vieram para limpar estradas e esgotos, vender gelados, enfim, realizar trabalhos que mais ninguém queria. Mas vieram e singraram na vida… com trabalho muito árduo.

Família de cinco filhos, dois nascidos na Madeira e os restantes três já em Aruba, assume-se cem por cento portuguesa. Os pais e a irmã mais velha regressaram a Portugal há uns anos e por lá se fixaram. Na Madeira, claro!

Os três que ficaram em Aruba estão, de uma forma ou de outra, ligados à restauração, como José do Nascimento, proprietário do único restaurante que serve comida portuguesa na ilha.

José teve um início de carreira algo atribulado devido à vida fácil – sim, leu bem, FÁCIL – na Venezuela, onde teve a primeira experiência profissional no sector da restauração. «O dinheiro era tão fácil de ganhar na Venezuela dos anos oitenta, que daí até à perdição das drogas foi um pequeno passo que quase me tirou a vida». Graças à intervenção do seu «irmão mais velho» voltou ao «caminho certo» e “fez pela vida”, como – emocionado – confessou a’O CLARIM, numa conversa à mesa do Restaurante Gostoso.

Regressar à Madeira ou a Portugal Continental faz parte dos planos para o futuro. Tem tido a felicidade de ir à Europa todos os anos, algumas das vezes a Portugal, sendo que tenciona regressar ao país-natal pois o custo de vida é muito mais baixo do que em Aruba.

Nos últimos dez anos viajou por quase todos os países da Europa, sendo que arranja sempre tempo para passar uns dias na sua Madeira. As raízes madeirenses não estão esquecidas, o que é possível verificar pela ementa e decoração do restaurante, que tem como pratos principais a espetada e o bacalhau. Oferece também pratos de outros países e algumas especialidades de Aruba. Uma vez que o negócio está a correr bem, este ano pretende expandir a área do restaurante, tendo em vista aumentar a oferta de pratos portugueses. Para o efeito, vai alargar a cozinha para a confecção exclusiva de pratos de bacalhau, uma das iguarias mais procuradas pelos clientes. Estes são, na sua maioria, residentes locais de elevada classe social, com grande poder de compra. Entre eles, encontram-se gestores e proprietários de empresas, e altos quadros do Governo. O espaço também é muito procurado por turistas, dos muitos que diariamente chegam a Aruba de avião ou barco de cruzeiro. O “Gostoso” não é barato, mas nem por isso tem mesas vazias à hora das refeições.

José do Nascimento não se queixa do negócio e agradece ao irmão por o «ter tirado do vício da droga e indicado o bom caminho».

A par de todo o apoio familiar, contou também com a sua fé em Deus e em Nossa Senhora de Fátima para que se mantivesse empenhado no trabalho nos meses e anos que se seguiram. Família, fé e trabalho: três vértices da sua recuperação, que José considera terem sido essenciais e sem os quais nunca teria chegado onde chegou.

A FUNDAÇÃO SOCIAL E CULTURAL

No dia seguinte à nossa conversa com José do Nascimento tivemos o prazer de conhecer Nélio Gomes da Silva, presidente da Fundação Social e Cultural (FSC), a associação portuguesa de Aruba. Este dinâmico jovem português lidera uma colectividade direccionada aos pouco mais de quinhentos portugueses que vivem na ilha. Existe oficialmente desde 1972, ano em que os seus estatutos foram aprovados e publicados. No entanto, conforme nos explicou o actual presidente, a sua actividade remonta aos anos sessenta. Actualmente, apenas um dos sócios fundadores reside na ilha. Os restantes já faleceram ou vivem noutros locais.

Nos anos setenta a sede ficava num barracão, onde a comunidade lusa reunia aos fins-de-semana para dançar, cantar e organizar “comezainas”. À época já assinalavam as datas mais emblemáticas, como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, e o Dia da Madeira, para além de outras de cariz religioso, como o Natal, o 13 de Maio ou o 13 de Outubro.

Nélio Gomes da Silva fez questão de contar a história da primeira celebração do Dia de Portugal em Aruba, festejado com danças e cantares. Desde então, os portugueses juntam-se para provar os tradicionais petiscos portugueses e falar e ouvir sobre a nossa História.

No primeiro ano da iniciativa marcou presença o Grupo Folclórico Primavera, um rancho tipicamente português formado por pessoas de três etnias. Nélio Gomes da Silva, ele próprio acordeonista, disse que «foi uma das últimas iniciativas» da sua presidência. Dado que havia falta de tocadores de acordeão, convidaram uma instrutora portuguesa da Venezuela para ensinar dez jovens de Aruba a tocar as modas portuguesas.

Antes de terminar a conversa, o presidente da Fundação não deixou de referir que «os aspectos religiosos nunca ficam de parte». Na sede da FSC há uma capela dedicada a Nossa Senhora de Fátima, cuja imagem tem cerca de setenta anos. Todos os 13 de Maio é venerada pela comunidade.

João Santos Gomes

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