RESCALDO DO ATAQUE TERRORISTA EM MINDANAO

RESCALDO DO ATAQUE TERRORISTA EM MINDANAO

A persistência do espírito de tolerância e diálogo

A dor e o choque provocados pelo ataque terrorista que no passado 3 de Dezembro atingiu a comunidade católica numa província predominantemente muçulmana da ilha de Mindanao, não impedirão o caminho do diálogo e da construção de uma coexistência pacífica no Sul das Filipinas.

O dispositivo explosivo detonado durante a celebração eucarística do Primeiro Domingo do Advento num pavilhão gimnodesportivo da universidade estatal em Marawi, capital da província de Lanao del Sur, ceifou a vida a quatro jovens estudantes católicos e feriu pelo menos 42 outras pessoas, sete das quais estão ainda em estado crítico no hospital. Tal hediondo acto, não obstante – como afirmam os representantes da Igreja local – não calará as vozes “que há anos apelam à coexistência pacífica entre cristãos e muçulmanos”.

Face à trágica situação, D. Edwin Angot de la Peña, responsável pela Prelatura Territorial de Marawi, apressou-se a destacar “a ampla e rápida solidariedade” demonstrada pelos diversos membros da comunidade muçulmana local. Foram eles os primeiros socorristas que transportaram os feridos para o hospital, e são eles os médicos que se mostram incansáveis no apoio prestado aos sobreviventes. Outros, mais anónimos, têm vindo a apoiar as famílias das vítimas em tão difícil momento. “Estes gestos dão-nos esperança e dizem-nos que a violência brutal e insensata não terá a última palavra, não conseguirá destruir as boas obras construídas ao longo de muitos anos”, disse o prelado.

A pequena comunidade de cerca de quarenta mil católicos da Prelatura Territorial de Marawi está acostumada a um “diálogo de vida” que molda o quotidiano na Região Autónoma do Mindanao Muçulmano (ARMM), área com um estatuto especial que inclui cinco províncias: Basilan, Lanao del Sur, Maguindanao, Sulu e Tawi-Tawi. Na ARMM vive a maior parte dos cerca de seis milhões muçulmanos filipinos do Sul do Arquipélago que há décadas exigem formas de autonomia e independência, ora através de rebeliões armadas, ora contaminados por grupos que escolheram o caminho do terrorismo, como o Abu Sayyaf e outros menos conhecidos. Aí, os cristãos vivem em minoria, considerando-se, apesar de todos os entraves, “sementes de paz e esperança na sociedade”.

O atentado de 3 de Dezembro terá sido perpetrado por radicais islamitas como retaliação pela operação militar que dois dias antes eliminara onze combatentes da organização terrorista “Dawlah Islamiyah”, e aconteceu precisamente em plena “Semana da Paz”, iniciativa que celebra o desejo de paz em toda a ilha de Mindanao com manifestações públicas, encontros de diálogo e orações. “Atingiram-nos bem no coração, durante a Eucaristia, ápice da nossa fé”, referiu D. de la Peña, “mas mesmo em momentos de angústia como este nunca deixamos de sentir a presença do Senhor”.

Por precaução, não se realizaram as habituais procissões da Festa da Imaculada Conceição, no dia 8 de Dezembro. Como alternativa, os fiéis colocaram luzes e velas nas janelas e rezaram o Terço em casa. D. de la Peña, que irá reunir em breve com outros bispos da região para decidir o que fazer, especialmente durante o Advento e o Natal, agradeceu a evocação da tragédia pelo Santo Padre no tradicional Ângelus. Na sua mensagem, Francisco invocou “os dons divinos da cura e consolação para os feridos e enlutados, combinados com a oração para que Cristo, o Príncipe da Paz, possa afastar a violência e substituir todo o mal com o bem”.

Também o Presidente da Câmara de Marawi, Majul Gandamra, apelou à união do seus municipes, cristãos ou muçulmanos, face ao ataque terrorista, que visa incitar o ódio e sentimentos de vingança entre diferentes comunidades. “A nossa cidade”, disse, “é há muito tempo um símbolo de coexistência pacífica e de harmonia, e não permitiremos que actos de violência ofusquem o nosso compromisso partilhado com a paz e a unidade nacional”.

Entre os envolvidos no diálogo inter-religioso no Sul das Filipinas está o padre Sebastiano D’Ambra, missionário do PIME (já entrevistado pel’O CLARIM) e iniciador do movimento para o diálogo islâmico-cristão “Silsilah” na cidade de Zamboanga, que celebrará o seu 40.º aniversário no próximo ano (1984-2024).

Em declarações à agência FIDES adiantou: “Celebramos a Semana de Acção pela Paz de Mindanao, repleta de testemunhos e experiências fecundas de diálogo islâmico-cristão. Este ataque perturba essa atmosfera e causa sofrimentos incomensuráveis, mas exorta-nos a não abandonar o nosso compromisso, mas, pelo contrário, a continuá-lo com maior convicção e intensidade. A nossa experiência com ‘Silsilah’ visa semear e fazer crescer uma cultura e uma mentalidade de paz. Vivemos momentos trágicos que começaram com o assassinato de líderes eclesiais como D. Benjamin David de Jesus, vigário apostólico de Jolo, assassinado em 1997, e numerosos outros missionários. A presença destes mártires continua a ser uma bênção e um encorajamento no caminho, por vezes difícil, rumo à paz em Mindanao. Não seremos desencorajados, pois hoje temos muitos irmãos e irmãs muçulmanas que caminham lado a lado connosco”.

Joaquim Magalhães de Castro

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