Dimensões da Espiritualidade Cristã – 2

REFLEXÃO

Dimensões da Espiritualidade Cristã – 2

Historicamente, a espiritualidade está centrada na Oração, na vida ascética e nas devoções pessoais. Refere-se tradicionalmente à “vida interior”, à “consciência da presença em Deus”. Façamos uma breve reflexão sobre a espiritualidade em geral e sobre a espiritualidade cristã em particular.

É hoje perceptível um interesse crescente pela espiritualidade em geral, e pela espiritualidade cristã em particular. Os teólogos falam actualmente de uma espiritualidade pós-Vaticano II e de uma espiritualidade para o Terceiro Milénio.

Como ciência teológica autónoma, essencialmente ligada à teologia moral, a espiritualidade poderia ser colocada também, como alguns autores já o fazem, ao lado da pneumatologia. A espiritualidade ou a teologia do Espírito liga-se profundamente ao tratado da graça e das virtudes. A graça implica a habitação da Santíssima Trindade apropriada à habitação do Espírito Santo, o Espírito da graça. A graça divina é um hábito entitativo que fundamenta os hábitos operativos das virtudes infusas. Os hábitos sobrenaturais dos Dons do Espírito Santo aperfeiçoam as virtudes infusas, nomeadamente as virtudes teologais e morais.

O maior desafio da espiritualidade no Terceiro Milénio – penso eu – é, sem dúvida, a prática correcta, a ortopraxia. O estudo da teologia espiritual – da vida cristã – hoje não é apenas para saber, mas para praticar: “Saber e não fazer ainda não é saber” (provérbio budista). Estuda-se a espiritualidade para procurar Deus – o espaço interior –, para se transfigurar, para anunciar a Boa Nova de Jesus: justiça caridosa, amor misericordioso e fé e esperança corajosas.

O desenvolvimento da espiritualidade cristã assenta nas fontes da Revelação, ou seja, nas Sagradas Escrituras e na tradição cristã. A espiritualidade cristã desenvolveu-se exuberantemente ao longo dos séculos a partir dos ensinamentos das Sagradas Escrituras, através dos Padres da Igreja, dos teólogos, dos místicos e dos santos, e da evolução homogénea do magistério ou dos ensinamentos da Igreja.

O conceito de espiritualidade cristã é complexo e rico. De seguida, indicamos e explicamos brevemente algumas das suas dimensões fundamentais.

A espiritualidade cristã é uma espiritualidade trinitária. O nosso Deus é Uno e Trino, união íntima e comunhão. A santidade ou perfeição – o objectivo da espiritualidade – é a união amorosa com o Pai por meio de Cristo no Espírito Santo, uma união que emite compaixão para com todos, principalmente para com os necessitados e os pobres. Os cristãos e os outros podem experimentar a presença trinitária de Deus na alma harmoniosa: Meu Pai e eu amá-lo-emos, e viremos a ele e permaneceremos nele (cf. Jo., 17, 20-24). Actualmente, há um claro regresso à teologia trinitária, em particular à espiritualidade trinitária, ao ponto de alguns teólogos falarem de uma possível “trinitarização excessiva” de Deus, em detrimento da “concepção monoteísta igualmente verdadeira” (Simon Chan). Tal como a vida cristã, a vida espiritual é uma vida trinitária: a vida de um filho/filha de Deus Pai, por meio do Filho, no Espírito. Deus é nosso Pai: A “filiação” é uma palavra-chave na vida cristã. Jesus é o Filho de Deus e o irmão: A “fraternidade” é a segunda palavra-chave. Os crentes vivem no Espírito: a “graça”, ou “carisma”, é a terceira palavra-chave da nossa vida moral e espiritual cristã.

A espiritualidade cristã é uma espiritualidade criacional: O Pai, o Filho e o Espírito Santo são o princípio de todas as coisas. Deus Pai é o criador. Deus é o Criador do céu e da terra (cf. Is., 45, 18), a quem todas as criaturas amam e adoram (cf. Sl., 95, 6) e cuja presença os seres humanos contemplam na criação (cf. Sl., 92, 4-7). De facto, como afirma o Papa Francisco, o significado mais profundo da ética ecológica é a transcendência (Laudato Si’). Deus é o Criador de tudo o que existe e também o Pai dos seus filhos. Desde o Antigo Testamento, e mais ainda no Novo Testamento, Deus Pai – o «Senhor do céu e da terra» (Mt., 11, 25) – é o Pai misericordioso, que por meio do seu Filho, Jesus Cristo, no Espírito Santo cura e perdoa (cf. Lc., 15, 12-32).

A espiritualidade cristã é uma espiritualidade cristológica. Deus ungiu Cristo com o Espírito Santo (cf. Act., 10, 38). O foco central da teologia moral e da teologia espiritual é Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo., 14, 6), como revelado pela Revelação. A espiritualidade cristã centra-se na experiência de Deus por meio de Jesus Cristo. São Tomás de Aquino afirma que Jesus é o modelo de conduta humana e cristã, e o exemplo da pessoa humana que é “imagem” de Deus depois de Cristo, que é «a imagem de Deus» (Col., 1, 15). Pela sua humanidade, Jesus conduz o homem a Deus (Summa Theologiae, I). Santo Afonso de Ligório escreve: “Toda a santidade e perfeição consistem em amar Jesus, nosso Deus” (cf. Marciano Vidal). Cristo é “o coração” da catequese e da evangelização: Cristo, Senhor Crucificado e Ressuscitado. A espiritualidade cristã é, pois, a espiritualidade do seguimento de Jesus, que inclui essencialmente o caminho da Cruz: “A cruz está no centro de qualquer espiritualidade cristã, tanto que é frequentemente referida na tradição como a nossa única esperança” (Daniel G. Groody). Os cristãos são chamados a transfigurar-se na montanha da contemplação. Esta transfiguração, à semelhança da Transfiguração de Cristo (cf. Mt., 17, 1-9), dá-lhes força para descerem da montanha e percorrerem com paciência, compaixão e até com alegria o seu próprio caminho da Cruz.

A espiritualidade cristã é uma espiritualidade pneumatológica. Hoje em dia, há várias maneiras de descrever a espiritualidade cristã. Mas há uma que está sempre presente: a referência ao Espírito Santo. O Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, é o santificador de todos. A espiritualidade é caminhar segundo o Espírito (cf. Rm., 8, 4), isto é, biblicamente falando, encontrar Cristo que é o Caminho, caminhar para o Pai que é a meta (cf. Jo., 14, 6) e viver no Espírito. A espiritualidade cristã “é guiada ou influenciada pelo Espírito Santo, que é dado pelo Pai e por Cristo ressuscitado para fazer dos seres humanos irmãs e irmãos de Cristo e filhos do Pai, bem como para moldar mulheres e homens em imagens de Cristo (cf. Rm., 8, 29.16-17)” (Walter J. Principe, CSB, “Spirituality, Christian”, on “The New Dictionary of Catholic Spirituality”).

Pe. Fausto Gomez, OP

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