Seguir Cristo hoje: o Chamamento
Deus quer a salvação de todos, e Jesus Cristo morreu por todos. Portanto, todos somos chamados por Deus a seguir Jesus. Seguir Cristo significa aceitar o Seu chamamento e ser-Lhe fiel. Nesta coluna, concentramo-nos no chamamento de Jesus.
Seguir Cristo significa ser fiel ao chamamento, à vocação para a qual Ele nos chamou. Os Evangelhos falam de três elementos no chamamento de Cristo:
1– A iniciativa vem de Jesus: «Segue-me» (Mc., 1, 16-20).A nossa vocação é a Sua iniciativa: «Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi» (Jo., 15, 16). A vocação é uma graça, um dom: ninguém merece esta ou aquela vocação. Um dia somos chamados como Samuel: “Samuel, Samuel!”, “Eis-me aqui, Senhor” (cf. I Samuel 3, 1-10; 19-20). Como o profeta Isaías: «A quem enviarei e quem há de ir por nós?». «Aqui estou; envia-me» (Is., 6, 8-9).
2– A resposta ao chamamento de Deus é hoje, não ontem, não amanhã!O ontem já passou e o amanhã nunca chega! O Salmista convida-nos: Hoje ouça a voz dele (de Deus), não endureça o seu coração! (cf. Salmos., 95, 7-8). Hoje, não endureça o seu coração por não ouvir o convite de Deus para seguir Jesus. Ao ouvir o convite de Jesus, os discípulos imediatamente O seguiram (cf. Mc., 1, 16-20).
3– Os primeiros discípulos seguiram Jesus imediatamente e deixaram as suas redes e famílias.A resposta ao chamamento de Cristo exige dos Seus discípulos o abandono de tudo (cf. Lc., 5, 11). Implica desapego, ou seja, fazer de Cristo a prioridade da vida. Deixar tudo significa dar as costas ao “mundo”, aos ídolos e às ideologias, e também negarmos a nós mesmos e renunciarmos ao nosso egoísmo. Com efeito, “o primeiro critério do discipulado é querer renunciar a si mesmo” (Guy Lespinay; cf. Mt., 10, 37-39).
Segundo São Tomás de Aquino, seguir Cristo implica um tríplice chamamento aos discípulos. O primeiro é “um convite a viver na proximidade de Jesus”. O segundO, “para se ser Seu discípulo”. O terceiro, “para se apegarem a Ele completamente”.
Para os verdadeiros discípulos, Jesus torna-se o factor determinante da sua vida, o que implica “uma adesão total à pessoa e à mensagem de Jesus” (S. Galileia). Então, «não vivemos para nós mesmos; não morremos para nós mesmos. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor» (Rm., 14, 7-8). A vida cristã não pode ser “egolatria”, mas “latria” (devoção – adoração e oração – a Deus), com a ajuda de hiperdulia (devoções aos santos – veneração e oração): primeiro, e acima de todos os santos, devoção a Maria, mais “dulia” (devoções aos santos).
O desapego de nós mesmos e o apego a Jesus implica necessariamente amar a Deus e ao próximo, principalmente os necessitados e pobres, e tomar a nossa cruz e ajudar os outros a carregar a sua cruz. Seguir o Senhor depois dos apóstolos e das primeiras comunidades cristãs significa “nada menos do que tomar a cruz e dar a vida pelos irmãos” (Guy Lespinay).
“A ESSÊNCIA DO HOMEM NÃO ESTÁ NO QUE ELE É, MAS NO QUE FOI CHAMADO A SER”
Na comunidade dos discípulos, na Igreja, há diferentes chamamentos, distintas vocações e carismas, várias modalidades de seguir Cristo. Essencialmente, todas as vocações são iguais, ou seja, “nem melhores nem piores: simplesmente diferentes” (M. Gelabert). Na perspectiva cristã, todos os outros não são apenas pessoas iguais, mas irmãos e irmãs em Cristo. O que realmente importa para todos os seguidores de Cristo é a fidelidade à radical consagração baptismal, que inclui dizer continuamente não ao pecado e sim ao amor, obedecendo e realizando a vontade de Deus, sendo humilde, piedoso e compassivo; amando a Deus, ao próximo, ao pobre vizinho e à criação de Deus. A perfeição não vem de nenhum chamamento ou título, mas da fidelidade ao chamamento específico.
Portanto, todos os cristãos – sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas – são chamados ao seguir e a imitar Cristo através da perfeição da caridade. Na verdade, não existem propriamente “estados de perfeição”, mas “diferentes estados para buscar a perfeição”, a perfeição da caridade como amor a Deus, ao próximo e à criação.
Seguir Cristo não é fácil. Lembremo-nos quando Jesus falou aos discípulos sobre comerem o Seu Corpo e beberem o Seu Sangue para poderem alcançar a vida eterna. Muitos discípulos abandonaram-nO: «Essa é uma linguagem intolerável. Como alguém poderia aceitar isso?» (Jo., 6, 60). (Romano Guardini insinua que, talvez, Judas tenha começado a duvidar de Jesus desde então, mas não foi o suficiente para deixá-Lo). Lembremo-nos também do jovem rico que queria seguir Jesus, mas não podia abrir mão das suas posses, pelo que não aceitou o convite radical de Jesus.
É difícil ser um autêntico seguidor de Jesus. É possível seguir o Senhor pela graça e poder do Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho. E vale muito a pena, pois é a melhor forma de conseguirmos o que todos queremos, ou seja, sermos felizes aqui e no além. Com efeito, “com Jesus a vida torna-se mais rica e com Ele é mais fácil encontrar sentido em tudo” (Papa Francisco, EG, 266).
Certa vez, um homem de nome Aeschines foi ter com Sócrates e disse-lhe que queria ser seu discípulo. Disse ao grande eticista grego: “Sou um homem pobre. Não tenho mais nada, mas dou-te a mim mesmo”. Sócrates replicou: “Não vedes que me estais a dar a coisa mais preciosa de todas?”. Barclay comenta: Isto é o que os apóstolos deram a Jesus: eles mesmos (W. Barclay, Mt., 4, 18-22). Isto é o que qualquer cristão deve dar a Jesus: a si mesmo; e assim ser moldado, formado, transformado por Jesus, e viver uma vida de oração, compaixão e alegria.
Palavras para reflexão: “A essência do homem não está no que ele é, mas no que ele é chamado a ser”.
Na nossa próxima coluna, procuraremos apontar as principais implicações de seguir Jesus na actualidade.
Pe. Fausto Gomez, OP