Raul Pinedo, jornalista peruano

«O jornalismo latino-americano perdeu a valentia»

O peruano Raul Pinedo conta a’O Clarim como é ser jornalista em terra alheia. Fala-nos ainda das suas origens sefarditas e não exclui a possibilidade de alguns dos seus antepassados terem ascendência portuguesa.

Após a expulsão dos judeus da Península Ibérica, em finais do século XV, os judeus sefarditas espalharam-se pelos mais diversos recantos da Europa, tendo muitos deles rumado ao Novo Mundo, pois assim era conhecido o continente americano acabado de se revelar ao homem europeu. Entre as famílias judaicas instaladas em Curação, constavam os Pinedo. Pelos vistos, para eles essa ilha caribenha foi mero ponto de passagem.«O meu avô, Luis Pinedo, nasceu em Iquitos, a maior cidade na Amazónia peruana, que prosperou graças ao comércio da borracha», conta Raul Pinedo. Ora, em Iquitos, medrou desde sempre uma comunidade de cristãos-novos de matriz portuguesa, ainda hoje activa, ao contrário de outras de diferentes origens que, por ausência de transmissão das tradições e costumes, seriam totalmente assimiladas.

«Famílias como a minha mantiveram-se firmes nas suas crenças, nunca renegando a sua herança espiritual, embora algumas tenham optado por regressar a Israel», informa o jornalista peruano.

Mas será que Raul se considera um homem religioso? Não propriamente, embora, em Lima, reunisse habitualmente com elementos da comunidade sefardita e, actualmente, no Panamá, integra uma congregação fundada por judeus naturais de Curação. Pinedo celebra, não obstante, o “shabat” e as festividades do calendário lunar hebraico, e, «o mais importante de tudo», assume no seu dia-a-dia «uma atitude judaica».

Raul Pinedo nasceu em Lima e, no final da Escola Primária, aos doze anos, foi morar com os seus pais para a Cidade do Panamá. Aí conclui o Ensino Secundário e, em 1996, ingressou na Universidade Católica Santa Maria La Antigua, onde estudou Administração de Empresas. No entanto, como o próprio confessa, «os números não eram a minha coisa», e, por isso, «abandonei a corrida», em meados de 1998. Acabara de completar dezoito anos e não tinha a mínima qual iria ser doravante o seu percurso profissional. Uma curta estada em Lima revelou-lhe o gosto pela escrita. De regresso ao Panamá, já em 2000, o professor responsável pelo Círculo de Leitura da Universidade Católica, ao qual pertencia, aconselhou-o a enveredar pelo jornalismo. «Aparentemente, tinha encontrado o meu caminho», admite Raul Pinedo.

Seguindo o conselho do lente, matriculou-se na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Nacional e, quatro anos depois, estava a trabalhar como “freelancer”.

Foram os motivos económicos, «mais de uma simplesmente vontade de mudar», que levaram os pais de Raul a procurar novos horizontes no Panamá, um país, à época, «com boas oportunidades de negócio», ao contrário do Peru, avassalado por uma inflação galopante provocada pela instabilidade política e económica – na opinião de Pinedo – «gerada pelo terrorismo originário dos Andes peruanos». Curiosamente, a família abandonou Lima aquando a eleição de Alberto Fujimori para Presidente. Durante toda a década de 90, «esse controverso filho de imigrantes japoneses fez uma série de reformas», no fundo, pondo em prática o lema presidencial “Cambio 90”. Como pontos positivos da sua governação, Raul Pinedo destaca «a extirpação do terrorismo no Peru e a captura de Abimael Guzmán», líder do Sendero Luminoso.

 

Xenofobia e medo

Até há bem pouco tempo ser jornalista estrangeiro no Panamá era algo de bastante normal. As condições de trabalho e os benefícios eram iguais para todos os membros da classe, nacionais ou estrangeiros. «Quem escrevesse bem, logicamente conseguia algum destaque, garantindo uma posição promissora na agremiação», acrescenta Raul. Porém, tudo isso mudou nos últimos anos devido às «diatribes xenófobas» presentes nos discursos de alguns dos políticos do País, geradoras de sentimentos de inveja em todos os sectores da sociedade. O jornalismo, como é óbvio, não foi excepção.

Após cinco anos de vivência no estrangeiro, Raul Pinedo, no seu regresso ao Panamá, foi confrontado com essa crescente onda de xenofobia. «Aos jornalistas estrangeiros fecham-lhes agora as portas, alegando que as vagas disponíveis são para os panamianos ou que a cota para recrutamento estrangeiro foi já excedida», diz.

Obviamente, o jornalismo na América Latina, apesar das diferenças geográficas, tem pontos de contacto, mas que se assemelham, e muitos outros que se distanciam. De uma forma geral, peca, no entender de Raul, por «um excesso de complacência». E exemplifica: «No Perú, sempre que o actual Presidente da República, Ollanta Humala, se sente incomodado face a uma determinada pergunta, não hesita em mandar calar – literalmente – o jornalista. E o curioso é que este não só não insiste, como baixa o olhar e muito obedientemente se cala».

No Panamá, por sua vez, impera a hipocrisia. Ao longo de toda a administração de Ricardo Martinelli (ex-Presidente da República) nenhum jornalista se atreveu a questioná-lo. As perguntas eram dirigidas aos responsáveis pelas Relações Públicas. Contudo, agora que está afastado do poder, os jornalistas caem sobre Martinelli quais lobos famintos.

«Se o jornalista não questiona, qual é então a razão da sua existência?», pergunta Raul Pinedo. Segundo ele, o actual jornalismo latino-americano atravessa uma profunda crise. Na verdade, «perdeu a sua valentia, rendendo-se completamente aos interesses económicos». Não se fala aqui de jornalismo ideológico, «antes da total manipulação das noticias por parte dos próprios anunciantes», sendo esse o problema mais grave «enfrentado pela agremiação hoje em dia», tanto na América do Sul como nos países do Caraíbe.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *