Permanências e o culto da riqueza.
Uma administração pública tem que ser encarada sempre de forma coerente e responsável. De quando em vez, e tal não é uma questão exclusiva da RAEM mas de qualquer administração pública, é preciso efectuar substituições de chefias, intermédias ou cimeiras. É por isso que as comissões de serviço têm um prazo. Isto tem de ser visto como um processo natural, sem drama, porque todas as administrações públicas do mundo são assim. Não podem as pessoas eternizar-se nos lugares, porque tal vai contra a própria filosofia dos cargos de chefia, que têm um limite temporal. Estas substituições não põem em causa a administração no seu todo.
Quanto à visibilidade, ou falta dela, de algumas figuras, não podemos tirar conclusões apressadas pois desconhecemos quais orientações que têm em termos de participação, em termos de visibilidade e em termos de abertura. Também em algumas áreas da administração portuguesa isso acontecia. Tudo dependia do grau de autonomia que os dirigentes tinham. Numas áreas governativas tiveram sempre mais do que noutras, a abertura e a disponibilidade dos dirigentes foi grande em certas áreas e quase nula noutras.
É preciso acabar com este preconceito que existia em Macau, e que continua a existir, de que a substituição de um dirigente significa uma violência ou uma forma de desconsideração. Não, temos que aceitar isso como algo de perfeitamente natural numa administração pública. É profundamente errado que as pessoas se eternizem nos lugares. Habituámo-nos a ver o funcionário que atingiu o lugar cimeiro do serviço como sendo uma pessoa que fica ad aeternum no posto. Ele deve ficar o número de anos correspondentes à sua própria capacidade de inserção num projecto e de acordo com o tempo que esse projecto tem. A partir de determinada altura, não deve haver mal nenhum que avance outra pessoa para o lugar. A renovação de chefias é mesmo importantíssima em qualquer administração pública ou privada.
Outra questão. Diariamente somos afogados em números, milhões de patacas de lucros, no entanto são cada vez mais frequentes os casos de violência juvenil, de suicídios de jovens e idosos… Será que falta uma cultura humanista em Macau? Não era suposto a riqueza dar uma maior felicidade as pessoas? Infelizmente, isso não está a acontecer. E embora Macau tenha uma dimensão que permite olhar mais para as necessidades da comunidade como um todo, há desigualdades profundíssimas, numa terra e num tipo de sociedade onde as pessoas ricas são sempre importantes. A comunidade assim está estruturada. Muitas vezes não se privilegia o intelectual, o homem de cultura, o professor, o artista, o cientista, mas sim o homem rico, mesmo que tenha poucas habilitações e pouca cultura. E ninguém pergunta como é que ele lá chegou. O que importa aqui é que o rico é sempre importante. Por outro lado, temos uma legião de gente que ao longo de décadas foi chegando a Macau atraída pelas oportunidades e que estava preparada para se sujeitar a tudo para conseguir alcançar essas oportunidades. Oportunidades de melhor emprego, de mais liberdades, enfim, oportunidades múltiplas que o ser humano procura e que é justo que possa alcançar. Se formos a ver, uma percentagem muito elevada da população de Macau é de fixação muito recente. Ora a vinda de tanta gente implica mais escolas, mais educação, mais problemas de segurança, todo um conjunto de equipamentos sociais que são necessários para fazer face a um crescimento populacional que é bastante significativo. Estas desigualdades têm também a ver com o facto de Macau não ser uma sociedade estabilizada e fechada.
Na recta final da administração portuguesa foram construídas mais de cinquenta escolas novas. E eram escolas para setecentos, oitocentos ou mil alunos e mesmo assim sabia-se que era preciso muito mais. E não era por causa das crianças que nascem em Macau mas sim daquelas que vinham de fora. Esse era, e é, um problema, de facto, muito complicado. Há pessoas por aí, mas é por outras razões, que defendem um crescimento populacional até um milhão de habitantes, a curto prazo. Mas isso de fazer crescer artificialmente uma população tem que ser muito bem estudado e não podemos, só porque há algum interesse egoísta de determinados investidores, criar um problema que tem depois implicações sociais gravíssimas.
Quanto à cultura humanista, tem muito a ver com a educação. Nós só podemos melhor entender o nosso semelhante, ter um diálogo mais perfeito com ele, se percebermos quem ele é e como se insere na comunidade. A cultura humanista só se pode desenvolver com mais educação. O facto de Macau, até há algumas décadas, não ter tido Ensino Superior, explica algum do nosso atraso, atraso agravado pelo facto de uma percentagem elevada de imigrantes das décadas recentes terem poucas habilitações. Toda a década de 1990 foi impressionante em termos de apoio ao desenvolvimento da educação. Foi a década do Ensino Superior, fundamental também para criação de uma consciência cívica. Hoje, felizmente, temos uma grande quantidade de jovens licenciados, quer através das instituições sediadas em Macau quer no exterior. Também muitas das instituições locais, de ensino e de outra natureza, mostram preocupação com as questões sociais e humanísticas, e na Comunicação Social tais temas são debatidos com alguma frequência.
Joaquim Magalhães de Castro