Participantes na Redenção de Cristo.
A questão mais difícil de um crente suportar e compreender é certamente a causa do sofrimento humano que, em certos casos, é levado e vivido ao extremo e, em outros, tido como injusto ou incompreensível. Quando temos de carregar uma cruz, olhamos o céu e perguntamo-nos: porquê eu? Como vou suportar? Será que Deus escuta as minhas orações? Como vou conseguir viver e qual a razão do meu sofrimento, da minha vida no plano de Deus? Esse sofrimento torna-se, por vezes, uma forma de aproximação e entrega a Deus, mas, em certos casos, provoca um abandono da fé, pela dor incompreensível, causada pela sensação de abandono e desespero. Os sofrimentos e calamidades no mundo espelham a face do inimigo de Deus, desde a queda de Adão e Eva. Como viver com esses sofrimentos? Como fazer frente às adversidades? Como pode um cristão lidar com estas questões, mantendo-se firme na sua fé e no chamado que recebeu? Como olhar o sofrimento redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo, toda a violência e tortura cruel infligida no Seu corpo e alma, levado ao extremo do escárnio e humilhação, perante o Pai, um Deus de amor? A encíclica “Salvifici Doloris”, de São João Paulo II, dá-nos diversas luzes e é uma “catequese” para, não só pela fé, compreendermos o nosso sofrimento, como o da humanidade, unindo o nosso sofrimento ao corpo da Igreja, que é Corpo de Cristo, “completando” o valor salvífico da Paixão e Ressurreição do Senhor.
«Completo na minha carne – diz o apóstolo São Paulo – o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Cl., 1:24).
Em Cristo cada um dos homens se torna “o caminho da Igreja”. Pode dizer-se que o homem se torna caminho da Igreja de modo particular, quando o sofrimento entra na sua vida.
No fundo de cada sofrimento experimentado pelo homem aparece inevitavelmente a pergunta: porquê? Com efeito, o homem não coloca as suas questões ao mundo, ainda que muitas vezes o sofrimento lhe provenha do mundo; mas põe-nas a Deus, como Criador e Senhor do mundo. É bem sabido que, quando se calcorreia o terreno destas perguntas, encontram-se múltiplas frustrações e conflitos nas relações do homem com Deus, culminando por vezes na própria negação do Criador.
João, o apóstolo amado, parece resumir a mensagem central dos Evangelhos quando escreve: «Deus amou tanto o mundo que deu o Seu Filho unigénito, para que todo aquele que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo., 3:16). Deus, ao dar o Seu Filho ao “mundo” para libertar o homem do mal, traz em Si a definitiva e absoluta perspectiva do sofrimento e do amor salvífico. A missão do Filho unigénito consiste em vencer o pecado e a morte. E Ele vence o pecado com a Sua obediência até à morte, e vence a morte com a Sua ressurreição.
Cristo foi sensível a toda a espécie de sofrimento humano, tanto do corpo como da alma. Curava os doentes, consolava os aflitos, dava de comer aos famintos, libertava os homens da surdez, da cegueira, da lepra, do demónio e de diversas deficiências físicas; por três vezes restituiu mesmo a vida aos mortos. Mas Cristo aproximou-se do mundo do sofrimento humano, sobretudo pelo facto de ter Ele próprio assumido sobre Si este sofrimento. «Ele tomou sobre si as nossas enfermidades, carregou-se com as nossas dores (…), foi transpassado por causa dos nossos delitos, espezinhado por causa das nossas culpas. A punição salutar para nós foi-lhe infligida a ele, e as suas chagas nos curaram» (Is., 53:4-5).
Também Paulo refere na Carta aos Gálatas: «Entregou-se a si mesmo pelos nossos pecados, a fim de nos subtrair ao mundo maligno em que vivemos» (Gl., 1:4); bem como na primeira Carta aos Coríntios: «Fostes comprados por elevado preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo» (1 Cor., 6:20).
Todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo. Aqueles que participam nos sofrimentos de Cristo têm diante dos olhos o mistério pascal da Cruz e da Ressurreição. A Ressurreição de Cristo revelou a glória que está contida no próprio sofrimento de Cristo, a qual muitas vezes se reflecte no sofrimento do homem, como expressão da sua grandeza espiritual.
Na segunda Carta aos Coríntios, o apóstolo Paulo escreve: «De boa vontade me ufanarei de preferência das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo» (2 Cor., 12:9-10).
Cristo venceu definitivamente o mundo com a Sua Ressurreição; todavia, porque a Sua Ressurreição está ligada à Sua Paixão e morte, Ele venceu este mundo, ao mesmo tempo, com o Seu sofrimento na Cruz, onde Cristo atingiu as próprias raízes do mal: as raízes do pecado e da morte. Cristo não explica abstractamente as razões do sofrimento; mas, antes de mais nada, diz: «Segue-me!» (Mt., 9:9; Mt., 16:24).
Cristo conserva no Seu corpo ressuscitado os sinais das feridas causadas pelo suplício da Cruz. Pela Ressurreição, Ele manifesta a força vitoriosa do sofrimento e quer incutir a convicção desta força no coração daqueles que escolheu como Seus apóstolos e daqueles que Ele continua a escolher e a enviar. O apóstolo Paulo dirá: «Todos aqueles que querem viver piedosamente em Jesus Cristo serão perseguidos» (2 Tm., 3:12).
Ao lado de Cristo, se encontra sempre a Sua Mãe Santíssima, a qual dá um testemunho exemplar deste particular Evangelho do sofrimento. Em Maria, os sofrimentos, numerosos e intensos, sucederam-se com tal conexão e encadeamento, que bem demonstram a sua fé inabalável; e foram, além disso, uma contribuição para a Redenção de todos. Na realidade, desde o colóquio misterioso que teve com o anjo, ela entrevê na sua missão de mãe a “destinação” de compartilhar, de maneira única e irrepetível, a mesma missão do seu Filho. Com Maria, Mãe de Cristo, que estava de pé junto à Cruz, peçamos a sua intercepção para suportarmos todas as nossas cruzes.
Entreguemo-nos nas mãos de Deus, unindo espiritualmente as nossas cruzes à Cruz de Cristo na obra da Salvação do Mundo, elevando o sentido salvífico do sofrimento.
Cada um de nós, pela fé, anseia passar da corruptibilidade para a incorruptibilidade na promessa de Cristo viva nos Evangelhos: «Semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível» (1Co., 15:42).
Jesus, no sermão da montanha, conforta todos os que o amam e unem o seu sofrimento ao sofrimento d’Ele: «Felizes os que choram, porque serão consolados. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu» (Mt., 5:1-10).
Jesus não prometeu uma vida sem dores, mas deu-nos a confiança que o nosso sofrimento neste mundo, unido a Ele, será uma vitória: «Disse-vos isto para que tenhais paz em mim: no mundo tereis que sofrer. Mas tende confiança! Eu venci o mundo» (Jo., 16:33).
Miguel Augusto
(*) com excertos editados da encíclica “Salvifici Doloris”, de São João Paulo II.