A voz do Bom Pastor
Há alguns dias, lemos com tristeza a notícia da morte prematura de outra jovem estrela do “K-pop” no pico de uma carreira extremamente bem-sucedida, o último de uma longa série de suicídios, ao mais alto nível na indústria do entretenimento sul-coreano.
Ninguém conhece o abismo do desespero que existe no coração de quem decide tirar a própria vida. Todos nós temos vozes interiores sombrias que, se ouvidas, podem distorcer a nossa percepção da realidade e levar-nos a fazer escolhas desastrosas. Recorrendo às ricas imagens do Evangelho do Bom Pastor deste Domingo (Jo., 10, 1-10), poderíamos dizer que aquelas vozes são como mentiras usadas por “ladrões e salteadores”, “estranhos” e “lobos” que não procuram o bem das ovelhas, mas querem prejudicá-las.
Esta semana, um grupo de professores e eu próprio começámos a ler um livro intitulado “Batalha Espiritual e o Discernimento dos Espíritos”, de Dan Burke. O autor teve uma infância dolorosa numa família muito disfuncional. Como resultado, tornou-se viciado em drogas e até tentou o suicídio. No início do livro, descreve um episódio. Ouviu a sua mãe falar sobre ele com um amigo: “ela disse algo que nenhuma criança deveria ouvir e isso partiu o meu coração. Afirmou: «Ele é um pedaço de _____». Repare: eu tinha cerca de sete anos de idade e era uma criança complacente, embora muito doente. Tenho certeza de que fui um fardo de várias maneiras, mas não fui rebelde ou desrespeitoso neste ponto. Por que a minha mãe diria tal sobre mim? Eu estava arrasado. Colocado numa linguagem mais perceptível, a mentira venenosa que a minha mãe tão cruelmente injectou no meu coração, foi que eu era pior do que inútil. Infelizmente, esta mentira estava cercada por uma fortaleza de centenas de outras iguais a ela. […] Essas mentiras quase me destruíram”.
Graças à ajuda de bons guias espirituais, que lhe ensinaram o método do “discernimento dos espíritos”, este jovem felizmente compreendeu que de entre tantas mensagens venenosas outra voz ressoava no seu coração: a voz do Bom Pastor. Era uma voz totalmente diferente que lhe dava paz de espírito, força, esperança e, mais importante, o verdadeiro sentido do seu real valor. Entendeu que era a única voz que deveria ouvir e à qual devia responder. Durante um período particularmente difícil, escreveu uma oração simples que dizia: “Em nome de Jesus, rejeito a mentira de que não valho nada e abraço a verdade de que me amas, Senhor – que me chamaste à existência para um relacionamento eterno de amor conSigo. Senhor, por favor, cure-me e ajude-me a escapar destas mentiras que me levam ao desespero. Por favor, assuma o controlo do meu coração e da minha mente”. Naqueles momentos, ele precisava, de facto, de um Bom Pastor para o conduzir.
O Domingo do Bom Pastor é também o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Imaginamos a nossa vocação como uma escolha entre outras (muitas vezes nem é mesmo a mais atraente) ou como um fardo que Deus colocou sobre os nossos ombros para o bem dos outros – e não para o nosso. Ninguém se quer tornar numa ovelha sem cérebro, pertencendo a um rebanho em que todos seguem ordens de forma cega e se sacrificam gratuitamente.
A história que acabámos de descrever enfatiza o facto de que o chamamento de Deus é a possibilidade que Ele dá a cada um de nós, na nossa situação em particular, de vivermos plenamente a nossa existência, de modo a não nos perdermos uma vez atraídos pelas forças destrutivas do nosso interior. A voz do Bom Pastor é a única que pode dar sentido a toda a nossa existência, incluindo o nosso doloroso passado, as nossas experiências traumáticas e os nossos fracassos. É a única voz que permite à nossa actual circunstância caminhar no sentido de um futuro positivo, sem medo, não importa os desafios que temos pela frente (“As Suas próprias ovelhas entrarão e sairão, e encontrarão pastagens”).
A voz do Bom Pastor é sempre um convite, nunca uma ordem cega, porque Deus deseja a nossa resposta gratuita na fé e no amor. O nosso caminho vocacional, como qualquer escolha moral, deve ser uma resposta à iniciativa amorosa do Senhor, um “sim” agradecido à acção libertadora de Deus que entra nas nossas experiências concretas de vida e nos abre o caminho para vivermos cada dia com um pouco mais de significado; mais reconciliados, mais curados, mais amorosos e, portanto, menos egocêntricos.
Também nos últimos momentos da nossa vida, a voz do Bom Pastor ressoará nos nossos corações. Uma vez fui ao funeral de um amigo que morreu cedo de mais em resultado de uma doença oncológica. Ficámos todos devastados devido à sua morte prematura. Mas quando foi cantada a canção “Vem, segue-me!”, percebi pela primeira vez que a morte também é uma vocação, a mais sagrada. É Cristo que nos convida a pronunciar o nosso “sim” definitivo ao Seu amor, a aceitar o Seu abraço misericordioso e a encontrar n’Ele a realização das nossas vidas tão confusas. Um chamamento para irmos para casa, para o nosso lar comum, como um dos amados do rebanho de Cristo.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ