A Jornada da Quaresma: Combate ao Pecado

QUARESMA

A Jornada da Quaresma: Combate ao Pecado

A Quaresma é o momento apropriado para examinarmos a nossa vida, a luz e as trevas da nossa alma (os nossos pecados).

Vivemos num mundo secular, individualista e materialista onde o pecado é muitas vezes negado, principalmente porque Deus é negado. Há uma clara perda de sentido do pecado e, mais radicalmente, de Deus. Há uma negação crescente do sentido do pecado pessoal: ainda vivemos na “geração não-eu”.

O pecado, porém, continua hoje presente no nosso mundo, na nossa vida pessoal. Desde o início da História que o pecado, a desarmonia, a divisão, o ódio ou a violência estiveram presentes: a desobediência dos nossos primeiros pais (cf. Gén., 3, 124); o assassinato de Caim (Gén., 4, 1-18). “Se vós não fizerdes o bem, o pecado estará à espreita na porta: o desejo dele é por vós, mas vós deveis dominá-lo”. Caim não o dominou e assassinou o irmão Abel: “Onde está o vosso irmão Abel?”. Caim respondeu a Deus: “Não sei; sou o guardião do meu irmão?”. Sim vós sois. Sim, somos todos irmãos e irmãs uns dos outros!

Há pecado no nosso mundo. E há pecado nos nossos corações. Jesus de Nazaré disse-o a quem queria apedrejar uma mulher apanhada em adultério: «Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro a lhe atirar uma pedra» (Jo., 8, 7). Ninguém o fez, claro! Somos todos pecadores, diz São Paulo, e acrescenta: «dos quais eu sou o pior» (1Tm., 1, 15). São Cipriano: “Ele [o cobrador de impostos] não depositou a sua esperança de salvação na confiança da sua própria inocência, pois de facto ninguém está livre de culpa, mas antes confessou os seus pecados e rezou humildemente. E aquele que perdoa os humildes ouviu a sua oração”.

O pecado é um mal moral, um acto humano mau, uma falha na auto-realização humana, um apego indevido às coisas e o consequente desapego de Deus. Pecados habituais, os vícios são trevas. Ao comentar a traição de Judas a Jesus, afirma Santo Agostinho: “E Judas era noite porque o pecador carrega a noite dentro de si. Os pecados podem governar a nossa vida e tornar-nos escravos” (cf. Rm., 3, 9; 7, 14). Com efeito, «todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado» (Jo., 8, 34). O pecado é o mau uso da liberdade. O Bispo de Hipona diz-nos, nas suas “Confissões”, que quando estava em pecado – quando jovem, vivia uma vida solta – tinha “a liberdade de um escravo fugitivo”.

Pecado é tomar posição contra Deus (Søren Kierkegaard), uma traição ao amor – como o pecado do filho pródigo. O pecado é um abuso da liberdade que perturba a nossa relação com Deus, connosco próprios, com os outros e com a natureza (Vaticano II, Gaudium et spes nº 13). “A partir do pecado de Adão e Eva, o pecado apresenta-se como promessa, mas não passa de uma ilusão e de uma mentira” (A. Peteiro).

Mas nem todos os pecados são igualmente graves. A tradição cristã fala de pecado venial ou leve, e de pecados mortais ou graves. Jesus disse a Pilatos: «Aquele que me entregou a ti é culpado de um pecado ainda maior» (Jo., 19, 11). As definições de pecado aplicam-se formalmente aos pecados mortais ou graves, pecados que cortam a nossa relação graciosa e amorosa com Deus e uns com os outros. Não há diferença real entre pecados mortais e graves: “Não existe meio-termo entre a vida e a morte” (João Paulo II, Reconciliatio et Poenitentia).

O Vaticano II fala de pecados que são infâmias e clamam ao céu. São muitos os exemplos: qualquer tipo de assassinato, genocídio, aborto, eutanásia ou autodestruição intencional, ou seja, tudo o que viola a integridade da pessoa humana ou ofende a dignidade humana. Mais exemplos: condições de vida sub-humanas, detenções e prisões arbitrárias, deportação, escravatura, prostituição, venda de mulheres e crianças ou condições de trabalho vergonhosas (Vaticano II, GS nº 27; cf. Catecismo, 1867).

Uma distinção bem conhecida de pecado é referente aos sete pecados capitais. Tudo o que há no mundo é a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (1 Jo., 2, 15). Luxúria da carne: gula e luxúria. Luxúria dos olhos: avareza ou ganância. Orgulho da vida: vanglória, preguiça espiritual, inveja e raiva. O orgulho é o rei de todos os pecados capitais.

Os nossos pecados têm uma dimensão pessoal e social porque somos indivíduos e seres sociais. Entre os pecados sociais propriamente ditos estão as estruturas sociais opressivas e as situações que promovem o egoísmo, como a evasão fiscal e o consumismo desenfreado. Os pecados também nos convidam a “cooperar” com os pecados dos outros, como a corrupção que trás corrupção. Na verdade, todos os nossos pecados afectam negativamente a nossa comunidade, a nossa família: “Não há pecado em pensamento, palavra ou acção, não importa quão pessoal ou secreto, que não inflija dano a toda a irmandade” (Bonhoeffer). Na verdade, todo o pecado é uma falha no amor. Bernanos define o inferno, no seu maravilhoso “Diário de um Pároco de Aldeia”, como que “inferno é não mais amar”.

A causa directa dos nossos pecados somos nós mesmos, ao abusarmos da nossa liberdade – o poder de fazer o bem e não o mal. Nós, cristãos, falamos do maligno, do diabo. Cada um de nós, se não soubermos ser livres e responsáveis, seremos a causa dos seus pecados. Na verdade, o ego gordo é a principal causa dos nossos pecados. Podemos dizer, como São Tomás de Aquino, que o amor de si é a causa de todos os pecados.

Os efeitos dos pecados são desarmonia, ruptura, divisão – infelicidade. O pecado envelhece-nos. O pecado é, de facto, uma má companhia, contrária àquilo que todos desejamos na vida: a felicidade, que é feita de oração humilde, de esperança fiel e de amor pacífico, alegre e compassivo.

A Quaresma é um momento muito bom para dizer não ao pecado e sim ao amor.

Pe. Fausto Gomez, OP

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